Grandes Nomes da Fotografia

Sebastião Salgado
Brasileiro, nascido em 1932

Em um livro e numa exposição, alguns dos trabalhos marcantes de Sebastião Salgado, um repórter fotográfico de renome mundial.

                No dia-a-dia de um fotógrafo é comum aquele momento em que, por alguma razão, a máquina não dispara. Esse instante se foi, não se repetirá jamais e ao profissional resta guardá-lo na memória como uma bela foto não batida. O brasileiro Sebastião Salgado, 48 anos, atualmente um dos mais renomados repórteres fotográficos, tem uma vasta coleção de imagens como essa na cabeça. A mais forte, segundo ele, é a de um louco amarrado  numa árvore como um cão. A cena tinha tudo para virar um impressionante registro - luz fantástica, dramaticidade -, mas, como em outras ocasiões, Salgado preferiu deixar que a oportunidade escapasse. Para ele, a foto implicaria um desrespeito aquele ser humano. O episódio resume a atitude ética que norteia todo o trabalho de Salgado. Uma pequena parte desse trabalho está agora reunida na primeira antologia da imagens do fotógrafo publicadas no Brasil. Sob o título de As Melhores Fotos, foram selecionadas 41 imagens que podem ser também vistas na Galeria Collectors, em São Paulo, até o dia 7 de setembro.

                Trata-se de uma boa amostragem. A foto mais antiga é de 1976 e retrata um grupo de soldados na região desértica do Saara espanhol. As mais recentes, feitas há um ano, mostram técnicos e operários nos campos de petróleo do Kuwait, logo após a guerra do Golfo, tentando controlar os incêndios que se alastravam no local. Salgado rejeita a idéias de que as fotos do volume sejam as melhores que produziu. Na verdade, a escolha, feita por ele próprio e por sua mulher Lélia Wanick Salgado, tinha outro objetivo. Como o livro ia ser lançado em junho, na Eco 92, pensou-se inicialmente em reunir fotos que de certo modo falassem da relação do homem com meio ambiente. Por isso são fotos em espaços abertos, mostrando cenas de trabalho.

"Só fotografo gente", afirma Salgado. "Faço pouco paisagens e, mesmo quando as faço, meu interesse está nas pessoas. Acredito que uma fotografia que não torna um homem tão grande como ele realmente é, então é melhor nem fotografar", diz. Foi assim quando esteve no Kuwait, registrando os campos de petróleo para o Jornal americano The New York Times (uma das fotos dessa série ganhou aliás, o prêmio alemão Oskar Barnack este ano). Um homem de 65 anos, encontrava-se próximo a um dos poços incendiados quando um jorro de óleo incandescente o atingiu. Salgado se recusou a retrata-lo naquele estado. "Era um homem orgulhoso. Qualquer foto que eu tivesse feito dele naquele momento o teria diminuído."

                Estar atento a esse momento de cumplicidade, no qual fotógrafo e personagem são quase uma coisa só, resume a arte de Salgado. "É a pessoa diante da foto que me proporciona a foto", diz ele. Chegar a isso não é fácil. Exige uma convivência diária com os indivíduos a serem retratados, num processo de aproximação que pode levar meses. Sozinho e com o mínimo de equipamentos, Salgado se afasta do cotidiano e parte para a aventura na melhor tradição dos antigos repórteres fotográficos. O que ele traduz depois em imagens são as histórias compartilhadas com aqueles com quem manteve um intenso contato.

Desde que começou a fotografar, Salgado já esteve em mais de 60 países. Famintos africanos, mineradores enlameados de Serra Pelada, camponeses da América do Sul, trabalhadores braçais de diferentes partes do mundo são alguns dos temas que elegeu entre os melhores de sua produção. Aqueles que o acusam de explorar a miséria, Salgado responde: " As pessoas famintas que eu fotografei se revelam do fundo de sua dignidade e de sua luta para sobreviver." Ele se refere especificamente à série  de fotos sobre a tragédia da seca nos países africanos do sul do Saara, desenvolvido de 1973 a meados dos anos 80 e que resultou no livro Sahel, l' homme en détresse, publicado na frança de 1986. Deste conjunto, a publicação brasileira traz seis trabalhos de um luminosidade quase bíblica. Estão no volume também alguns registros da série Autres Amériques, de 1986, sobre agricultores latino-americanos. Atualmente, Salgado se dedica à edição de um livro de 400 páginas sobre o trabalho artesanal e braçal neste final de século, projeto que já lhe consumiu seis anos. A ser lançada em outubro pela editora americana Aperture, a obra já tem mais cinco edições garantidas na França, Alemanha, Japão e Brasil.

                Associado à agência Magnum Photo desde de 1979, Salgado mora em Paris com a mulher e dois filhos. Formado em Economia, ele tirou suas primeiras fotos quando viajou para África em 1971, a serviço da International Coffe Organization. A máquina pertencia a sua mulher, que usava na documentação de obras de arquitetura. A partir daí sua vida mudou:  dois anos depois, abandonou seu o curso de Doutorado em Paris e resolveu se dedicar integralmente à nova atividade. Os prêmios não demoraram a aparecer. Entre os mais importantes estão o Eugene Smith pela fotografia humanista (1982), o já citado Oskar Barnack (1985 e 1992) e o de Fotojornalista do Ano pela International Center of Photografy (1986 e 1988).

                Salgado publica seus trabalhos em revistas como Life, Time, Newsweek, The New York Magazine, L'Express e Le Nouvel Observateur. Para se ter uma idéia de seu conceito junto às publicações internacionais basta dizer que, na edição de balanço da revista Life com as melhores imagens dos anos 80, ele foi o único fotógrafo a ter quatro obras selecionadas. Na mesma revista, um editor foi demitido por ter se recusado a publicar uma foto do brasileiro, pelo fato de ser em preto-e-branco. Venceu o talento. Hoje, de certo modo, Salgado deu um novo vigor à foto PB, que ele explora do branco mais etéreo ao preto absoluto. "O preto-e-branco é a minha vida", já disse uma vez o artista (definição que ele não gosta), e é impossível imaginar seu trabalho de outra forma. Como um personagem do cineasta  alemão Win Wenders ele bem poderia dizer: " A realidade é em cores, mais o preto-e-branco é mais realista."

ISTOÉ/1193 - 12/8/92