Os Cinco Sentidos Nada menos simples do que as pequenas coisas. Quanto mais cotidiana uma experiência, mais difícil transformá-la. Em função disso, nas práticas mágicas de todos os povos é dada especial atenção ao domínio dos sentidos físicos e suas relações com a consciência. Não nos referimos aqui aos poderes extra-sensoriais, mas às capacidades perceptivas naturais do ser humano: visão, tato, olfato, audição e paladar. Cada uma encerra um universo secreto, uma dimensão insuspeita da realidade. Assim, é possível sintetizar aqui as principais noções dos magos sobre cada um deles. Dentre todos os sentidos, a visão é o que primeiro apresenta modificações quando começamos a percorrer os caminhos da Magia. De fato, o dom de perceber o invisível é um dos atributos mais específicos do xamã. Apesar das diferenças individuais, já que alguns são mais aptos de nascença para a clarividência, qualquer pessoa pode aprimorar o seu sentido da visão, mesmo prejudicada por deficiências visuais como a miopia, astigmatismo ou outras. A absoluta falta de visão, por outro lado, corresponde a um capítulo à parte dentro da magia e merecerá um artigo específico. Vários exercícios são utilizados para desenvolvermos essa capacidade e podem apresentar resultados espantosos. Podemos, em primeiro lugar, treinar a arte da abstração sobre o que vemos, selecionando apenas um elemento para "vermos". Assim, podemos em um quadro, por exemplo, ver apenas as linhas horizontais, ou apenas o vermelho. Em uma multidão, podemos ver apenas os esqueletos, ou os sapatos, ou seguir o exemplo do personagem do conto de Cortázar e ver apenas as orelhas, flutuantes como asas. O efeito em uma fila é especialmente cômico... Embora aparentemente absurdo, esse exercício aprimora-se rapidamente, abrindo um horizonte de possibilidades infinitas. A separação das imagens em unidades geométricas ou de cores acaba por provocar o rompimento dos padrões adquiridos pelos quais fomos adestrados a perceber o mundo. Um nativo não vê a mesma cadeira que o missionário. Possivelmente, para ele, que senta no chão, aquela imponente estrutura de madeira é tão desnecessária que não nos surpreenderíamos se ele não a pusesse em pé como nós a pomos. Ele a vê com outros olhos, o que ilustra a tese de que a concepção mental que temos é determinante do modo como vemos o mundo. Na floresta impenetrável os olhos treinados vêem animais escondidos, pássaros entre as folhas, serpentes camufladas. No deserto o beduíno mira a extensão de areia interminável e tem diante de si todo um livro. Ele vê o rastro do camelo e do lagarto, e a fina coluna de areia que trará a tempestade. Ao longe brilha um reflexo azulado como um lago brilhante, mas ele sabe que é uma miragem e que o verdadeiro oásis fica para o lado oposto, pois é para lá que vão os rastros e os pássaros que ele vê. Educado para isso, estaria perdido em nossas cidades como em um labirinto de cimento, assim como nós em seu deserto, labirinto sem paredes nem limites. Alguns magos utilizam o fogo para aprimorar a visão sutil, principalmente tentando perceber a aura multicolorida que circunda a chama de uma vela, por exemplo, ou mirando uma fogueira para perceber a dança das salamandras e chegar a vê-las o mais claramente possível. Também é muito útil exercitar a visão ao luar, em um lugar afastado das luzes artificiais da cidade. À luz da lua cheia podemos perceber toda uma série de manifestações visuais de grande beleza, principalmente à beira do mar. Outro exercício muito utilizado é o de treinar a visão na maior escuridão possível, tentando, por exemplo, andar pelo escuro sem esbarrar em nada. O método de fixar-se nos detalhes e ampliá-los lentamente, como um "zoom" cinematográfico, também é muito útil. Como podemos perceber, a faculdade da visão apresenta um enorme potencial de desenvolvimento e integra um dos principais objetivos no caminho da Magia: ver as coisas como elas são, sabendo que nós as vemos como nós somos... A audição também
apresenta os seus mistérios e é, em muitos aspectos, mais sutil do que a
visão. De fato, os estímulos visuais costumam ser bem mais evidentes do
que as percepções sonoras, muito mais difíceis de serem captadas. A
clariaudiência é, inclusive, muito mais rara do que a clarividência,
talvez por causa disso mesmo. Os que costumam ouvir vozes muito claramente
são as vítimas de ataques espirituais e obsessões por entidades
perversas, levados, muitas vezes, ao desespero e aos abismos da
insanidade. As manifestações sonoras podem tomar a forma de sons
inarticulados, como ruídos diversos, ou de palavras e frases inteiras, nítidas.
Músicas estranhas como de instrumentos antigos ou flautas também são
muito freqüentes, bem como as inquietantes vozes que nos chamam pelo
nome, com entonações variadas, desde o casual até o sinistro. Assobios
e gritos de pássaros são muito utilizados por várias entidades,
principalmente noturnas, para sinalizar seus intentos. É preciso notar,
no entanto, que os eventos sonoros não ocorrem nunca por pequenas razões,
devendo ser considerados sinais relevantes. Os exercícios para
aprimorarmos a nossa percepção auditiva são bem mais restritos,
resumindo-se basicamente a abstrair os ruídos e estímulos sonoros
externos, o que permite manter a concentração em qualquer ambiente.
Igualmente importante é a atenção às vozes interiores e aos pequenos
ruídos, mas o principal é expandir a percepção do silêncio em suas
infinitas gradações. A construção de um perfeito silêncio interno é
o elemento principal desse dom. Por sua natureza mais básica e, portanto, menos capaz de carregar-se de simbolismo, os sentidos do tato e do paladar exercem uma função muito acessória no caminho da Magia. De fato, poucas manifestações espirituais expressam-se tocando-nos, o que é tão raro quanto digno de nota. Mais raro ainda é um súbito sabor sem razão, de que não encontramos relatos. Mesmo assim, exercitar a percepção é sempre útil para expandirmos sempre mais o horizonte da nossa consciência. |