Comitê
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Repressores
RN
Militantes Reprimidos no Rio Grande do Norte
Mailde Pinto Ferreira Galvão
Livros
e Publicações
1964.
Aconteceu em Abril
Mailde Pinto Galvão
Edições Clima
1994
O
Golpe Militar em Natal
Este
relato de fatos ocorridos em 1964 tem a
pretensão de contribuir para o conhecimento
da história do golpe militar no Rio
Grande do Norte, focalizando, preferencialmente,
os acontecimentos que atingiram a Prefeitura
Municipal de Natal, nos quais fui envolvida,
com alguns companheiros de trabalho do setor
de educação e cultura do município.
Por dificuldades emocionais, muitas vezes
tive que interromper esta reconstituição;
mas, eu vivi, sofri e sobrevivi à
perseguição da ditadura. Sinto-me,
pois, moralmente comprometida a tirar da
escuridão as minhas lembranças
reprimidas.
Logo
nas primeiras horas da manhã do primeiro
dia daquele abril, a tragédia da
ditadura brasileira foi invadindo a vida
dos habitantes da cidade de Natal.
A cidade, com aproximadamente duzentos mil
habitantes, assistiu, indefesa, à
ocupação militar por tropas
do Exército, à perseguição,
prisão, tortura, exílio e
morte de filhos que a amavam.
Em 1964, o Rio Grande do Norte dividia-se,
politicamente, entre as oligarquias conservadoras
e rivais do senador Dinarte de Medeiros
Mariz e do governador Aluízio Alves.
O Partido Comunista Brasileiro encontravam-se
na ilegalidade e sobrevivia no Estado pela
liderança do professor Luiz Maranhão Filho e do médico
Vulpiano Cavalcanti.
Como terceira força, surgia o prefeito
Djalma Maranhão, político
da esquerda nacionalista, que denunciava,
permanentemente, a interferência do
imperialismo americano na vida nacional.
Além de denunciar, Djalma incomodava
com uma administração municipal
democrata popular de esquerda, integrada
com as lideranças comunitárias,
e executava um programa de alfabetização
e conscientização político-cultural.
Aluízio Alves e Djalma Maranhão
foram eleitos governador e prefeito, no
ano de 1960, em aliança política,
apoiados por uma coligação
de partidos – Partido Social Democrata
(PSD), Trabalhista Brasileiro (PTB), Democrata
Cristão (PDC), Trabalhista Nacional
(PTN), e uma dissidência da União
Democrática Nacional (UDN). A coligação,
denominada “Cruzada da Esperança”,
derrotou o candidato do governador Dinarte
de Medeiros Mariz, deputado federal Djalma
Aranha Marinho, pertencente à União
Democrática Nacional. Em poucos meses
de administração, governador
e prefeito começaram a divergir e
a dividir a opinião pública.
O governador possuía prestígio
e força popular considerados inabaláveis
e administrava tranquilamente, calcado nos
recursos financeiros oriundos do programa
americano para a América Latina,
“Aliança para o Progresso”.
Nos anos sessenta, o governo do presidente
Kennedy investiu milhões de dólares
em alguns Estados brasileiros. O pesquisador
e escritor Moniz Bandeira escreve, na página
108 de seu livro “O Governo João
Goulart”:
“O comportamento da Embaixada
dos Estados Unidos, entretanto, assumira
o caráter de provocação,
corrompendo e aliciando governadores
de Estados e prefeitos de municípios,
mediante utilização de
verbas da Aliança para o Progresso,
com o objetivo de formar, ela própria,
uma clientela dentro do Brasil em oposição
ao governo João Goulart.”
O prefeito, com bastante dificuldade econômica,
realizava a sua administração,
priorizando os programas de alfabetização
popular, conscientização política
e democratização da cultura,
que eram executados através da campanha
“De Pé no Chão Também
se Aprende a Ler” e da Diretoria de
Documentação e Cultura.
A
campanha de alfabetização,
que incluía nos seus quadros desde
professores primários, lideranças
estudantis e professores universitários,
coordenados pelo então Secretário
de Educação, Cultura e Saúde,
Professor Moacyr de Góes, mostrou-se,
desde cedo, uma solução vitoriosa,
obtendo aceitação e repercussão
nacional.
Um boletim da revista UNICEF, número
27/62, comprova a validade e seriedade da
campanha, como solução para
a erradicação do analfabetismo
no terceiro mundo.
Enquanto o governo do Estado usava dólares
americanos em seus programas de educação,
a Prefeitura, com seus recursos próprios,
oferecia escolas para a alfabetização
das crianças carentes de Natal e
divulgava o slogan ESCOLA BRASILEIRA COM
DINHEIRO BRASILEIRO.
As divergências políticas radicalizaram-se,
trazendo para o ambiente do Estado as mesmas
lutas que, no início dos anos sessenta,
dividiam o país entre forças
de direita e de esquerda.
O prefeito Djalma Maranhão, proprietário
de um pequeno jornal – “Folha
da Tarde” – deficitário
e de modesta circulação, divulgava
diariamente seu pensamento político
nacionalista e anti-imperialista.
Deflagrado o movimento golpista, o prefeito
assumiu a defesa da democracia, bem no estilo
decidido de seu temperamento e de suas convicções
políticas.
Comunicou ao comando militar local a sua
posição e fez publicar, nos
meios de comunicação, uma
nota de apoio ao Presidente da República,
Sr. João Goulart, na condição
de presidente legitimidade eleito, e às
instituições democráticas
declarando que a Prefeitura de Natal tornava-se,
a partir daquele momento, “o quartel-general
da legalidade e da resistência.”
A ênfase da nota com a designação
da prefeitura como “QG da legalidade”,
num momento em que as tropas já que
se encontravam mobilizadas, irritou os militares
e foi interpretada como uma ameaça
de mobilização para a resistência
popular.
Acontecia,
no entanto, que a Prefeitura, como “QG
de legalidade”, era apenas o lugar
onde se encontrava algumas lideranças
estudantis, sindicais e assessores do prefeito
angustiados por notícias que chegavam,
raras e censuradas, através de um
rádio portátil, ao gabinete
do prefeito.
O governador Aluízio Alves, dispondo
de outros meios de comunicação
e mais bem informado sobre o desenrolar
da crise, fez divulgar na “Tribuna
do Norte” a seguinte nota:
“AO POVO
O governador do Estado, está
acompanhado pelos meios a seu alcance,
os acontecimentos que se desenrolam
no sul do país, a partir da crise
que tão profundamente atingiu
a disciplina da Marinha, e, ontem, a
guarnição do Exército
em Minas Gerais.
Pede ao povo que se conserve calmo,
evitando atos ou manifestações
que aprofundem as divisões desta
hora em que todos os esforços
devem ser feitos para a restauração
da paz e preservação da
democracia.
Todo o Estado está em ordem e
espera o governador que assim se mantenha
no resguardo da tranquilidade das nossas
famílias, que deve pairar acima
das paixões das pessoas e grupos.
Tudo fazer para solução
dos seus problemas, pelas reformas pacíficas
e democráticas, pela unidade
e respeito às forças armadas,
pela consolidação da ordem
democrática, pela paz do povo,
para o trabalho e para o progresso.
- 04 – 64 – 1 hora da madrugada
Aluízio Alves.”
No dia seguinte, o governador divulgou outra
nota oficial, adiante transcrita, de apoio
ao golpe militar e às forças
armadas.
Definindo-se pelo apoio ao golpe, o governador
assumiu com os militares o poder da ditadura
no Estado e, usando o Ato Institucional
com as leis de exceção, atribuiu-se
o direito de, paralelamente aos militares,
proceder investigações e prisões
que já estavam sendo efetuadas sob
a responsabilidade do major do Exército
Heider Nogueira Mendes, na qualidade de
presidente da Comissão Geral de Investigações
no Rio Grande do Norte, substituído,
depois, pelo capitão Ênio de
Albuquerque Lacerda.
O governador formou também sua Comissão
de Investigações e contratou,
no estado de Pernambuco, dois policiais
especializados, a quem concedeu poderes
absolutos e excepcionais, com toda a mordomia
oferecida aos hóspedes oficiais do
governo do Estado. Não se tem notícia
de outro governador que constituísse
uma Comissão de Investigação
paralela, com poderes especiais para processar,
prender e encarcerar os supostos subversivos,
como aconteceu no Rio Grande do Norte.
Os policiais Carlos Moura de Morais Veras,
com treinamento no FBI, nos Estados Unidos,
e José Domingos da Silva, experientes
e eficientes, usaram, com muita competência,
métodos semelhantes aos praticados
pelos nazistas da segunda guerra mundial.
Com a Comissão Geral de Investigações
instalada pelos militares, mais duas comissões
ditas de “alto nível”,
criadas pelo governador, e as outras implantadas
em cada repartição pública
estadual, municipal e federal, armou-se
a maior rede de investigação
policial militar de toda a história
política do Rio Grande do Norte.
Na
condição de Diretora da Diretoria
de Documentação e Cultura
da Prefeitura de Natal, tive, logo nos primeiros
dias de abril de 1964, a minha residência
invadida pelo Exército, fui levada
a depor diante de uma comissão militar
no quartel do 16° Regimento de Infantaria,
(16° RI) durante uma tarde inteira,
e liberada, em seguida, sem restrições.
Em maio, fui intimada a depor na Comissão
de Inquérito constituída pela
Prefeitura Municipal, presidida pelo Bacharel
Rodolfo Pereira e composta por mais três
oficiais militares, sem que saísse
de lá nenhuma solicitação
de prisão.
Em 18 de junho, no entanto, fui levada em
uma viatura do governo estadual que se encontrava
à disposição do delegado
Carlos Veras e dirigida por um funcionário
do Estado, o qual informou que eu estava
sendo convocada a depor com o mesmo delegado.
Com essa informação fui conduzida
aos cárceres do 16° RI.
Decorridos mais de vinte dias, fui interrogada
exaustivamente sob tortura psicológica
pelo delegado Carlos Veras, que me fez voltar
à cela com a ameaça de ser
transferida para as prisões de Recife.
Passados alguns dias, o capitão do
Exército, Ênio Lacerda ordenou
que me trouxessem à sua presença,
interrogou-me novamente e me liberou, informando
que a companheira de prisão Diva
Lacerda, que já fora, como eu, interrogada
pelo delegado Veras, mas que ainda não
havia passado pela sua comissão,
seria libertada no dia seguinte.
Diante disto, não é possível
ignorar que o depoimento prestado ao delegado
Carlos Veras foi o que decidiu o meu destino
e o das companheiras de prisão. A
Comissão de Investigações
do Estado era um poder paralelo aos dos
militares; prendia, torturava e encarcerava
nos quartéis, multiplicando as ações
de terror sobre os suspeitos de praticarem
atos de subversão.
O capitão Lacerda liberava porque
estávamos encarcerados no 16°
RI e ele era o Presidente da Comissão
Geral de Investigações, mas
nós, Diva, Margarida, eu e outros
presos igualmente levados para depor com
o delegado Veras, fomos, de fato prisioneiros
da Comissão do governo do Estado.
É uma pena que, até agora,
outros companheiros, vítimas da repressão,
não tenham, ainda, conseguido arrancar
das suas feridas outros fatos que poderiam
denunciar e documentar a injustiça
e crueldade da ditadura em Natal.
Para registrar estes acontecimentos, recorri
aos jornais da época, “O Diário
de Natal” órgão dos
“Diários Associados”
e a “Tribuna do Norte”, da empresa
jornalística “Tribuna do Norte
Ltda”. As transcrições
estão conforme se encontram nas fontes.
Pesquisei documentos que se encontram em
meu poder e ouvi depoimentos dos perseguidos,
que considero indispensáveis para
se entender a dimensão da tragédia
humana que se abateu muitas famílias
do Rio Grande do Norte.
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