“Já
não existem mais os líderes”
ENTREVISTA/
Mércia Albuquerque
Ela é considerada uma das pessoas
que mais defendeu presos políticos durante a ditadura militar.
Por isso, na afixação da placa “Recanto da Anistia”, no Mustang,
a advogada Mércia Albuquerque, 65 anos recebeu uma homenagem especial.
JORNAL DO COMMERCIO – Como era o
trabalho de defender presos políticos numa época de tanta repressão?
MÉRCIA ALBUQUERQUE – Em Pernambuco, fui a única mulher a defender
presos políticos. No meu trabalho me dedicava ao menor. Mas houve
o Golpe militar e, certo dia, assisti a Gregório Bezerra ser espancado
pelas ruas de Casa Forte. Fiquei horrorizada e decidi ajudar aquele
homem. Considero que o presidente mais assassino, mais cruel que
o Brasil teve naquela época foi Médici. Ninguém foi tão violento
quanto ele.
JC – Alem de Gregório, quem mais
a senhora defendeu? Mércia – O governador de Alagoas, Ronaldo
Lessa, os deputados Tomás Nonô e Aldo Arantes. Em Pernambuco,
fui advogada de Odijas de Carvalho, Ruy Frasão, e tantos outros.
JC – O que mais a movia a fazer esse
trabalho? Mércia – Sou sensível. Tudo era difícil naquela época
e me comovia. Era espiritualista. Só depois foi que tive formação
pelo Partidão (PCB), mas não me restringia a defender só os seus
filiados.
JC – A senhora chegou a ser presa?
Mércia – Fui presa sete vezes. A mais violenta foi feita por Chico
Monteiro, que era dono de uma padaria e fazia parte do grupo de
civis que atuava em favor da ditadura. Depois de rodar comigo
das 7 às 3 horas da manhã, eles me soltaram na zona da Rio Branco,
que naquela época era zona mesmo. Chegaram a me prender, certa
vez, quando eu estava com um bebê de seis meses. Enviei uma mensagem
através de uma garrafa para a vizinha do andar de baixo para que
ela tomasse conta do meu filho.
JC – Chegou a se arrepender de alguma
coisa? Mércia – Faria tudo de novo, apesar de ter encontrado no
caminho pessoas incompreensivas. A questão, para mim, deixou de
ser sentimental e passou a ser ideológica.
JC – A senhora freqüentava o bar
Mustang? Mércia – Freqüentava com muitas pessoas procuradas. Às
vezes, até chorava. Descobria os que tinham sido presos e sabia
que seriam assassinados. O Mustang era um reduto para informações.
JC – O fato de ter defendido presos
políticos prejudicou sua carreira? Mércia – Muito. Fui perseguida,
passei em concurso e nunca fui nomeada.
JC – Qual a comparação que a senhora
faz do Brasil da década de 70 e o de hoje? Mércia – Com todos
os defeitos e mazelas de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil de
hoje é bem melhor. Pelo menos não temos mais ‘Primavera de Sangue’.
Mas os jovens de hoje têm que crescer muito para se aproximar
da geração daquela época, quando existiam lideranças. Hoje não
existem mais.
Jornal do Commercio
Recife - 07.02.2000
Segunda-feira
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