Diário
de Pernambuco
1. Como você conheceu Gregório Bezerra?
Avistei Gregório
Lourenço Bezerra, pela primeira vez, em Casa Forte, quando era
arrastado pela rua. Posteriormente fui apresentada a ele, pelo
seu patrono na época, o Dr. Juarez Vieira da Cunha.
2. Na época ele já estava
preso?
Estava preso.
3. Quantos processos ele
respondeu aqui? Em quantos foi condenado? A quantos anos de
reclusão?
Três processos.
Processo
88/64 – denunciado em 31.03.65 como incurso no art. 2º, inciso
III da Lei 1802/53. Tendo sido condenado em 23.02.65 pelo Conselho
Permanente de Justiça do Exército a pena de 19 anos de reclusão,
como incurso no art. 2º, inciso IV, 9º, 10 e 11 letra “A” e
“B” e art. 12 da Lei 1802/53. Em sessão de 11.01.68 por maioria
de votos, o STM deu provimento a apelação para reduzir a pena
para dez anos de reclusão, como incurso no art. 21 do DL 314/67,
por desclassificação.
Processo
33/65. Trancado pelo HC 29.155.
Processo 30/68. Arquivado.
4. Quais as acusações feitas
a Gregório?
Agitador –
Membro do Partido Comunista. “Comunista atuante desde longa
data, frio e sanguinário, matador do saudoso Capitão Xavier
Sampaio, participante da intentona comunista de 1935. Nesta
Auditoria já anteriormente compareceu para responder processo.
Frequentador do Palácio das Princesas, desde longos tempos,
da Prefeitura do Recife, transitando livremente por todas as
repartições”.
Auditor que
julgou Gregório, Amílcar Cardoso de Meneses Filho.
Presidente do Conselho, Tem.
Cel. João Batista de Araújo Baiere.
5. Ele também participava
das Ligas Camponesas?
As Ligas Camponesas
foram criadas e lideradas pelo ex-deputado Francisco Juliano,
que era do partido socialista. Gregório atuou no campo junto
aos sindicatos. Desenvolveu um trabalho de conscientização política,
entre os camponeses, sem contudo participar das ligas que tinha
outra orientação.
6. O que ele sofreu na prisão?
E antes dela, foi muito perseguido?
Foi muito torturado,
espancado, com requinte de crueldade. Teve os pés mergulhados
em soda cáustica. Desfilou pela Praça de Casa Forte, tendo uma
corda amarrada no pescoço, semi nu, sangue e suor banhava-lhe
o corpo, enquanto o Cel. Darcy Villocq Viana gritava abrindo
o cortejo selvagem.
Gregório, após o movimento
de 1964, foi cassado.
7. Gregório era um líder
popular? Por que?
Mesmo quem
não concordar com a ideologia de Gregório, tem de reconhecer
que ele é um político autêntico, que assume corajosamente as
suas posições. Tem inegáveis qualidades de liderança. Uma prova
disso, é que quando o Partido Comunista Brasileiro, estava na
legalidade, ele foi eleito deputado federal.
8. Por que ele foi um dos
escolhidos para ser trocado pela vida do embaixador americano
Charles Elbrick?
Provavelmente
por se tratar de um símbolo da ação política de contestação,
conhecido nacionalmente e internacionalmente; a inclusão do
seu nome provocou grande repercussão.
9. Ele ficou feliz em deixar
o país? Ou não queria sair?
Não, ele não
ficou feliz em deixar o país. A princípio relutou em ser incluído
na lista dos prisioneiros a serem trocados. Achava uma violência
o sequestro.
10. Quais, além de você,
os defensores de Gregório?
Juarez Vieira
da Cunha, que abandonou a causa depois de publicar uma carta
na imprensa, alegando que não poderia ser uma sombra do advogado
que fora, essa renúncia ocorreu após a prisão do citado advogado.
Sobral Pinto, Raul Lins e Silva, Vivaldo Ramos.
11. Você chegou a ser perseguida
por defendê-lo? Foi presa? Sofreu ameaças?
Fui muito perseguida.
Presa várias vezes. Diversas demissões. Campanhas difamatórias.
Calcule que até hoje com anistia e abertura tenho sofrido muitas
restrições na repartição onde trabalho por parte de...
12. Com a anistia, Gregório
Bezerra poderá voltar ao país. Você acha que ele ainda terá
a mesma força política de 15 anos atrás?
Claro. Gregório
será anistiado e voltará. Tudo indica que aos oitenta anos,
terá dificuldades, não terá a mesma mobilidade de tempos atrás,
entretanto o seu apoio, as lutas políticas de certo carreará
adesões significativas, principalmente entre operários e camponeses.
13. Será que sua volta pode
marcar o reinício do partido comunista no país?
Ultimamente
temos lido algumas matérias na imprensa, dando noticia que os
dirigentes do Partido Comunista Brasileiro estariam acreditando
numa próxima legalização do partido. Gregório poderá aglutinar
correntes revolucionárias de esquerda por suas qualidades de
liderança.
Além do mais,
a ação política do partido independe da presença física de g.
parece-me que partido político se constitui num conjunto de
princípios que orientam a ação política de seus quadros. Gregório
se constitui de certo um exemplo vivo para aqueles que fizeram
opção de pertencer ao partido, é lógico que sua presença terá
um efeito catalizador.
14. Você acha que ele voltando, continuará
fazendo política, mesmo com a idade que tem?
Caberá a ele
a resposta, mas por sua tradição de luta e firmeza de caráter
como líder político, tudo indica que terminará os seus dias
procurando realizar o sonho da sua vida.
15. Enfim, gostaria que você contasse tudo
que sabe de Gregório Bezerra, o que ele passou, o que ele sofreu,
as acusações e as ações que participou. E sua participação nisso
tudo, inclusive o episódio da Praça da Casa Forte, que você
assistiu sem nem pensar ainda em defendê-lo, ok?
Gregório sempre
foi um mediador entre os presos políticos, respeitava todos
os companheiros e dava exemplo de disciplina. A sua presença
infundia respeito aos companheiros, comunicando-lhes coragem.
Sempre
assumiu a sua condição de comunista militante. Não me consta
que durante o período de liberdade, tenha usado de sua influência
política para beneficiar a si ou parentes, até os seus inimigos
políticos, em sua presença assumiram posição de respeito.
Nunca
vacilou em arriscar a vida e a saúde, em defesa dos seus princípios.
Entre a coletânea de dificuldades que enfrentei como advogada
e Gregório como prisioneiro, recordo que gravemente enfermo
com problemas de próstata, depois de uma luta tremenda conseguimos
permissão para operá-lo. Acompanhei-o ao hospital e munida com
uma autorização do auditor, nem bem me aproximei um policial
com uma metralhadora impediu-me de entrar. Exibi o documento
e, delicadamente, afastei a arma de minha direção e entrei.
A confusão era grande pois os policiais queriam assistir a operação
com metralhadora e tudo, mas o médico reagiu e botou todos para
fora.
Concluída
a cirurgia, fiquei no quarto aguardando a família de Gregório
e não chegavam. À noite uma enfermeira me avisou que a polícia
estava impedindo a entrada dos familiares. Ao amanhecer fui
para a auditoria, e contei o fato. É expedido um salvo conduto
para os familiares do velho.
Na
entrada do hospital havia policiais, na porta do quarto dois
policiais fortemente armados e apesar da luta passei a viver
mais no hospital do que em casa e na auditoria, porque temia
que o assassinassem. Foram dias intermináveis de sofrimento,
pois todos temiam se aproximar do quarto, e eu a me desdobrar
como enfermeira e vigiar a vida do velho cliente.
|