
Mércia
contesta livro de Paulo Cavalcanti
DIÁRIO
DE PERNAMBUCO – 15.03.81
Defensora
de presos políticos no Recife, nas décadas de 60 e 70, a advogada
Mércia Albuquerque, radicada atualmente em Brasília, de passagem
pela capital pernambucana, integrou-se à lista daqueles que
vêm discordando da versão dada a certos acontecimentos relacionados
com os períodos pré e pós-revolucionário, pelo escritor Paulo
Cavalcanti, no seu livro “O caso eu conto como o caso foi”.
Revela
a advogada Mércia Albuquerque que já no primeiro volume do livro
havia notado vários enganos, aos quais não dispensou maior importância,
por não mover nenhum propósito de polêmica ou autopromoção.
Mas agora, ante a insistência do repórter do DIÁRIO, e pelo
fato de ter sido procurada por muitas pessoas que viveram aquela
época, inclusive ex-clientes seus, resolveu falar, “honrando
um compromisso com a verdadeira história”.
Faz
questão também de frisar a advogada que nenhuma intenção de
polemizar a move no momento, mesmo porque entre ela e o escritor
Paulo Cavalcanti e família havia uma amizade fraterna, reconhecendo
que ele sempre a incentivou no desempenho de suas funções durante
o período que antecedeu e se seguiu à Revolução de 64. Segundo
ela, o Sr. Paulo Cavalcanti muita a ajudou em termos profissionais,
naquele período, a exemplo de outros juristas pernambucanos
como os advogados Jerson Maciel, Boris Trindade, Rui Antunes,
Fernando Tasso, João Batista Fonseca, Demerval Lelis, Carlos
Moreira, “sem jamais esquecer Sérgio Murilo”, além de pessoas
outras que não mediam esforços para ajudá-la “no desempenho
da missão a que me propusera, e em tempos difíceis para mim,
quando até de recorrer à Auditoria Militar para datilografar
uma simples razão final, por não dispor de escritório próprio,
invocando o testemunho do bacharel Fernando Tasso para comprovação
do que afirmo”.
“Mas
a verdade – acentua Mércia Albuquerque – é que enganos ocorreram,
e nos quais o Sr. Paulo Cavalcanti incorreu por não ter recorrido
às fontes fidedignas para consulta. Ressalte-se todavia o erro
maior cometido pelo autor: nesse aspecto de defesa de presos
políticos eu jamais, quando a ela me referisse, usaria a primeira
pessoa, já que em se falando de defesa de presos políticos em
Pernambuco, naquele período, não se deve nunca esquecer que
dela houve a participação não só de advogados, pessoas outras
que muito ajudaram, até mesmo movidas por motivos desvinculados
de conotações profissionais ou políticas”.
Exemplifica
a ajuda recebida daquelas pessoas citando a solidariedade que
recebeu de um delegado de polícia da Capital que, segundo ela,
muitas vezes alertou-a para o fato de estar se expondo muito.
De um cidadão por nome Gadelha, citado pelo escritor como presidente
da Arena, detalhe este que despreza, já que “o que conta é que
nos momentos cruciantes era ele o motorista com quem contava,
já que não possuía carro”. Ressalta ainda Mércia Albuquerque
que poderia citar inúmeras outras pessoas que deram ajuda valiosa
naquele período, “muitas delas até não partilhando de idéias
de esquerda”.
Passa
a advogada Mércia Albuquerque a enumerar alguns dos enganos
em que incorreu o escritor Paulo Cavalcanti no segundo volume
de “O caso eu conto...”, os quais ela entende devam ser esclarecidos
“a bem da verdade histórica”.
Cita
a página 18, onde consta que nos autos de apreensão referentes
a Henrique Roberto Ramires Pinheiro fora apreendida carta de
amor dele a Zodja de Lima Pereira. Enfatiza a advogada que naqueles
autos nem no processo consta nenhuma carta ou bilhete de amor.
Na
página 77 consta que os alunos da Universidade Rural colocavam
piche nas cadeiras dos professores, ressaltando a advogada que
não procede essa afirmativa. Na página 71, é citado um secretário do Partido do qual Paulo Cavalcanti omite o nome, qualificado
de delator. A advogada diz que o secretário que ela conheceu
chamava Irineu Ferreira, “e que, na realidade, durante o depoimento
talvez tenha falado algo, mas depois teve a dignidade de procurar
o Dr. Paulo para dizer, e é estranhável essa pecha de delator,
quando sabemos que Irineu continuou recebendo ajuda do partido
muito tempo depois, para sua sobrevivência”.
Enganos
e erros do escritor
“Na
página 79 o Dr. Paulo Cavalcanti diz que foi advogado de Lucinéia
Melo, quando a versão é outra. Apesar de ele ter pedido para
fazer as razões finais, os irmãos da jovem recusaram. Eu já
ia levar as peças do processo para que ele elaborasse as razões,
tendo o mesmo viajado para São Paulo. Em companhia do advogado
Cláudio César de Andrade fiz as razões, levando-as a um professor
de Direito Penal, residente em Aldeia, que as aprovou, sendo
então efetivada ante a Justiça Militar.
Na
mesma página79, Mércia Albuquerque aponta outro erro. “Tereza
Cavalcanti nem queria ouvir falar de seu nome. Fui advogada
dela, que foi condenada a seis meses de reclusão, e, junto com
o marido, condenado no Ceará, fugiu para o Canadá. Fiz-lhe o
pedido de prescrição de pena, sendo negado por duas vezes, até
que veio a anistia, tendo eu ido esperá-la na Aeroporto quando
de seu regresso ao Brasil”.
Na
página 80, os amigos que discutiram sobre a aceitação ou não
de Gregório viajar para o exílio foram Paulo Figueiredo Cavalcanti,
Conceição Pinheiro e Mércia Albuquerque, segundo a advogada.
Na página 81: “Quem mandou a ‘colcha de lã’, que era apenas
um lençol, foi uma mulher humilde e quase incógnita, de nome
Júlia, e não Magnólia como está dito no livro. Na página 266,
José Moura e Fonte foi meu cliente e não do Dr. Paulo . na página
267: Aécio Gomes de Matos foi defendido por Fernando Tasso,
e não por Brito Alves. A princípio foi meu cliente”.