
Texto 4 - Inédito

Hasta Siempre Comandante Che Guevara
A
Rua Duque de Caxias, já em plena combustão; as magras, estragadas
mãos, algumas mutiladas, dos ambulantes, dirigidas para o
alto, como uma prece, exibiam as mercadorias; era uma explosão
de ofertas; caderno de quatro matérias, pente de madeira,
brinco recém-chegado do sul, elástico, calcinha colorida,
pomada para sarna, varizes, aquela confusão, aquela luta pela
sobrevivência. De súbito, abate-se um silêncio incômodo, um
silêncio medroso no cantar alegre dos ofertas.
Georgina
Nunes, uma ex-aluna, perguntou a um dos vendedores ambulantes
porque estava desarmado o taboleiro onde expunha as mercadorias;
o que estava acontecendo (?). o homem, muito assustado, respondeu:
“Dona, uma ‘cédula’ (célula) comunista da braba foi descoberta
ali na Farmácia Drogaluz, e a mandona é uma mulher”. Gregório,
gestante, saiu correndo; perdeu os sapatos e terminou na maternidade.
A
rua – repleta de gente – queria ver a terrorista. A multidão
era contida pela polícia. Cinco araques travestidos de delegados
e um camburão da polícia davam o toque final de circo de quinta
categoria. Aparece uma jovem moça, que insistia em ir de táxi,
quando o agente grita: “A lei não permite subversivo andar
de táxi!”. A adolescente vai, vai mesmo no camburão. O gerente
da farmácia – o único destemido daquele grupo – João Batista
Pontes – acompanhou a funcionária até a Secretaria de Segurança
Pública.
Os
funcionários da Drogaluz pareciam bonecos de museu de cera
– os clientes debandaram.
Não
se sabia o motivo exato da prisão, mas dizia-se que era caso
de comunismo.
Levada
à Delegacia de Plantão, várias pessoas já haviam intercedido
por Edileuza, inclusive os jovens advogados João Barbosa e
Cláudio César de Andrade.
A
verdade do tumulto: um motorista de táxi fora assassinado
por assaltantes, e os companheiros da vítima organizaram-se
em passeata de protesto. A manifestação atingira três mil
taxistas, alguns foram presos e fichados como comunistas.
Edileuza
Santos de Freitas, uma jovem de 22 anos, vendo a manchete
do jornal, disse: “Isso é um absurdo, ninguém pode mais externar
seus sentimentos pela morte de um amigo; o que tem a ver uma
manifestação contra a violência de um assassino com comunismo?”.
Um araque que estava na farmácia saiu alardeando que aquela
farmácia era um ninho de comunistas.
Ao
voltar com um veículo da Rádio Patrulha, levaram a suposta
subversiva para a Delegacia de Plantão. O delegado, meio receoso
de não ser compreendido pelos colegas, liberou a jovem e disse-lhe
que depois mandaria uma intimação para ouvi-la.
No
dia seguinte, sou procurada por Edileuza e a família com um
cartão de um colega, pedindo-me para atendê-la. Aparentava
a fragilidade de um beija-flor, mas igual ao beija-flor apenas
aparentava fragilidade.
Major
Rinaldo Cisneiros resolvera intimar a moça através do DOPS,
pois aquele fato indicava subversão.
Fui
conversar com o Major Secretário de Segurança Pública, munida
da esdrúxula intimação do DOPS, que exigia a presença da moça
às nove horas do dia 30 de novembro de 1977, para esclarecer
alguns pormenores.
Quando
adentrei a sala, o Major Cisneiros olhou-me de soslaio, respondeu-me
o cumprimento. Sentei-me e iniciei a conversa falando sobre
o ocorrido; ouviu-me. Quando terminei a explanação, ele disse-me:
“Realmente houve excesso de zelo do pessoal; mais tarde essa
moça contará aos filhos uma aventura que viveu na mocidade”.
Então, retruquei: “Meu caro Major, ri das feridas quem nunca
foi ferido”. Ele, sorrindo, perguntou-me de quem era aquela
frase. Rindo, ironicamente, respondi: “De William Shakespeare
– poeta e dramaturgo inglês”.
O
caso foi encerrado. Nada disse à imprensa, como prometera.
Nunca
esqueci o rosto enigmático daquele Major; não me preocupei
em defini-lo – se era bom ou mau; não valia a pena...