Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
 
 1935 Mapa Natal
 1935 Mapa RN
 ABC da Insurreição
 ABC Reprimidos
 ABC Personagens
 ABC Pesquisadores
 Jornal A Liberdade
  1935 Livros
 1935 Documentos
 1935 Textos
 1935 Linha Tempo
 1935 em Audios
 1935 em Vídeos
 1935 em Imagens
 Nosso Projeto
 Equipe de Produção
 Memória Potiguar
 Tecido Cultural PC
 Curso Agentes Culturais
 Guia Cidadania Cultural
 Direitos Humanos
 Desejos Humanos
 Educação EDH
 Cibercidadania
 Memória Histórica
 Arte e Cultura
 Central de Denúncias
 Rede DHnet
 Rede Brasil
 Redes Estaduais
 Rede Estadual RN

Insurreição Comunista de 1935

ÀS ARMAS, CAMARADAS!
A Insurreição Comunista e o Governo Popular de 1935 em Natal
Natanael Sarmento


A Gangorra dos números



Pitágoras é morador do bairro de Igapó, lente de aritmética básica. Repetia à exaustão: os números não mentem! Professor antigo, dos tempos da tabuada e da régua palmatória, toda conta havia de bater com exatidão. Obsessivo pela exatidão numérica, o Pitágoras de Igapó. Contratado para fazer a contabilidade da Revolução de 1935, diante de tantas informações desencontradas, mormente sobre a quantia do dinheiro roubado, dos valores devolvidos, das pessoas mortas, dos feridos, dos indiciados, dos condenados o lente surtou. E correu nu, a não dizer como nasceu, com a indefectível gravata borboleta, seguindo atrás do trem, atirando pedras. Vem daí a expressão doido de pedra? Não sabemos. De certo o Pitágoras foi colocado na camisa de força. E passou os restos dos dias , na Colônia dos Alienados de Natal. Recebeu os cuidados terapêuticos de calabouço, banhos e choques do Vicente Lopes100. Diz o brejeiro, tem doido pra tudo.

Apesar dos riscos e perigos da contabilidade, do triste fim do Pitágoras de Igapó, os números dão informações essenciais. Daí os diversos trabalhos de pesquisa do método tabular quantitativo, da velha tabuada do professor de Igapó, empregado às ciências sociais. Nele, tudo passa pelo crivo da contabilidade.

Sobre a composição social dos insurretos, a classificação das profissões: 02 advogados; 01 agrimensor; 01 agrônomo; 73 agricultores; 14 artistas; 03 barbeiros; 01 caldeireiro; 01 comerciário; 01 celeiro; 44 comerciantes; 01 coveiro; 03 deputados; 02 dentistas; 16 “do lar”; 04 eletricistas; 02 enfermeiros; 01 engenheiro; 125 estivadores; 07 estudantes; 02 farmacêuticos; 01 ferreiro; 03 ferroviários; 01 fogueteiro; 46 funcionários públicos; 01 funileiro; 20 guardas civis; 01 contador; 02 industriais; 14 jornaleiros; 09 jornalistas; 09 marceneiros; 01 maquinista; 04 mecânicos; 01 médico; 04 operários; 01 ourives; 03 pescadores; 02 peixeiros; 06 pedreiros; 04 presidiários; 03 padeiros; 01 pintor; 08 proprietários rurais; 14 sapateiros; 08 tipógrafos, 158 soldados; 35 cabos; 22 sargentos; 23 oficiais da PM e nenhum do Exército.101

Se os números não mentem, como lecionava o doido de Igapó, a versão da Revolução de 1935 ter sido uma quartelada de militares comunistas não tem sustentação alguma. Militares existem, em grande número. Elementos das fileiras da Aliança Libertadora e do PCB, algumas lideranças nacionais, Luís Carlos Prestes e Hercolino Cascardo, havidos como heróis do tenentismo rebelde.

Contudo, no Rio Grande do Norte, a maioria absoluta dos revolucionários foi de civis. Os militares, representam 45% dos insurgentes denunciados, soldados, cabos, sargentos. Nenhum oficial do exército e alguns da PM. Os operários representam 27%; trabalhadores em geral, comerciários, padeiros, barbeiros, sapateiros, professores e funcionários , 11%; profissionais liberais, representam 11%.

Justamente no exercício de fazer e refazer contas, dos indiciados e condenados, pelo Tribunal de Segurança Nacional, o lente de Igapó acabou no manicômio. Ora, o Tribunal de Segurança foi criado especificamente para processar e julgar os crimes contra a segurança nacional. Entenda-se julgar os crimes da Intentona Comunista. O TSN processou mais de 5.000 pessoas, distribuídas por mais 600 processos, avocados pela jurisdição nacional, de todo território nacional.

Os autores se baseiam em dados fornecidos por outros autores do tema ou suas próprias contas, esmiuçando e fuçando nos arquivos do TSN. Em qualquer dos casos, eles apresentam números divergentes, contabilidades que não batem. Homero Costa computou 1.039 indiciados do Estado, e ele mesmo ressalva que o resultado não converge com o apresentado por Marly Vianna, outra pesquisadora desse tema.

Tentemos entender. O malsinado Tribunal de Segurança Nacional, órgão da Justiça Militar, foi criado pela Lei nº 244, de 12/09/1936, com sede no DF, Rio de Janeiro e jurisdição excepcional militar nacional. Nessa condição, passou a avocar para o tribunal no Rio todos os processos do movimento extremista de novembro de 1935, de qualquer rincão do país. A mesma lei instituidora do TSN operou inovações processuais. Essas inovações e procedimentos dificultavam a defesa dos acusados.

Os acusados podiam ser julgados presencialmente, ou à revelia. Às custas das defesas, dos curadores na conta dos réus. Com três dias para defesa e podendo arrolar, no máximo, cinco testemunhas. Os procurados sem limites de testemunhas ou outros meios de provas, contavam com maior prazoàs denúncias.

Cinco “juízes” nomeados pelo Presidente: dois militares, dois civis, um da carreira da magistratura. O colegiado decidia pelo “livre convencimento”: Condenava ou absolvia, independentemente do teor da denúncia. Tampouco ficava adstrito à qualificação criminal da peça acusatória, nem às provas dos autos. A condenação de quem pegou em armas era jurisprudência cediça.

Chegavam ao TSN processos dos quatro cantos do país. Lá na instância da Segurança Nacional os processos eram renumerados. Justamente, essa operação de renumeração de processos remetidos de juízos a quo ao Tribunal ad quem tem propiciado aconfusãodos números.

Também, do fato de alguns denunciados indiciados figuraram em dois ou mais processos, casos dos principais líderes. Em locais ou estados diferentes, são computados. Contados isoladamente, o resultado obtido difere da contagem conjunta. Prestes, por exemplo, pode ser computado como um, como de fato era, ou multiplicado por três.

Algumas metodologias utilizadas consideram os números redondos, a contabilidade geral dos números contidos, em cada processo. Somam tudo. Outras metodologias, mais laboriosas e precisas, deduzem as repetições dos nomes, já computados, em outros processos.

Do Rio Grande do Norte subiram para o TSN trinta e sete processos: 19 da Capital Natal , 03 de Mossoró, 02 de Nova Cruz, 02 de Santa Cruz, e Macau, Ceará-Mirim, São Gonçalo, Canguaretama, Arêz, São Miguel, Goianinha, Lages, Acari e Currais Novos, 01 processo, respectivamente, para cada cidade. Os indiciados totalizam 712 pessoas, das quais 168 seriam condenadas à prisão, chega a 24% a condenação.

A despeito do caráter de exceção do TSN e das sérias limitações às defesas, mais de 70% dos indiciados foram inocentados. Apesar da sede de condenação, faltavam provas. A insubsistência do denuncismo: centenas de pessoas, Brasil afora, vítimas desse denuncismo, acusações infundadas. A delação estimulada oficialmente e a facilidade de apontar qualquer do povo como partícipe da revolução. Uma boa maneira de se livrar de um desafeto ou inimigo, acusá-lo do crime supremo: é comunista!

Computou-se o indiciamento de 474 civis e de 238 militares. Em termos absolutos e proporcionais, as condenações de civis superam as condenações militares, 30,2% da caserna foi apenada.

Uma questão intrigante, no mínimo. Seria obra do além, de alma do outro mundo? Ou L’esprit de corps deste mundo, obra do aquém. Perquirindo a disparidade dos denunciados e condenados, civis e militares, com a lógica do brejeiro, esperava-se que o TSN condenasse mais os militares. Com mais razão e rigor, afinal os militares, quebraram duplamente a confiança, a da corporação e da nação, da hierarquia e da disciplina. Mas, essa lógica brejeira, com vaca e tudo foi pro brejo.

A gangorra dos números oscila mais no tocante ao dinheiro. Na contagem do dinheiro saqueado, do dinheiro recuperado e do devolvido ao tesouro. São três porteiras distintas. E tem boi nessa linha. Bancos, Prefeituras, Mesas de Rendas, foram pilhados, na Capital e no interior do Estado. No banquete do dinheiro público, a revolução fazia bacanais de Herodes. Os míseros oitocentos contos devolvidos não representavam um terço do dinheiro desaparecido. Talvez, por tanto dinheiro difuso, espalhado em locais incertos e não sabidos, haja gente cavando buracos em quintais até os dias correntes, em Natal.

Encrespa bastante o calculista exato, a contabilidade dos defuntos da revolução. Nas contas, deduzidas as valentias e covardias, os fatores e produtos, mesmo assim, os números dos mortos não batem. Lembram a métrica do brejeiro a do olho dono engordar o boi.

Não vale a pena a contagem. O cadáver do banhista, encontrado, dias depois, afogado no Poço do Dentão, entrou na fatura dos mortos da revolução. O Major assassinado pela esposa em conluio com o amante, na foi obra dos comunistas. Até as vítimas fatais da febre do rato aumentaram a conta.

Os agentes da lei foram por demais diligentes e precisos no tocante à devolução das quinquilharias, do material encontrado em posse dos subversivos. Tudo foi devidamente arrolado, classificado e numerado:


01 espelho, 10 quilos de café em caroço, 2 quilos de queijo do reino, 4 latas de leite condensado, 1 lata de Toddy, 1 lata de ervilhas, 1 lata de azeitonas, 1 bolsa para criança, 1 lenço de seda, 1 relógio de pulso, 1 rozário de contas de louça, 1 tubo de pasta para dentes Kolynos, 2 toucas para crianças, 1 tubo de pasta para dentes Colgate e 7 cortes de casemira.102


A fortuna de mais de quatro mil contos de réis saqueados, jamais foi devolvida aos cofres públicos. Mais fácil encontrar tubos de pasta de dentes que pacotes de dinheiro. Calha o comentário anônimo do século XVII: “Os piores ladrões são os que têm por ofício livrar-nos dos ladrões. Em vez de nos guardarem as fazendas, são os que maior estrago nos fazem nelas”.103

 

 

 

Nosso Projeto | Mapa Natal 1935 | Mapa RN 1935 | ABC Insurreição | ABC dos Indiciados | Personagens 1935 | Jornal A Liberdade | Livros | Textos e Reflexões | Bibliografia | Linha do Tempo 1935 | Imagens 1935 | Audios 1935 | Vídeos 1935 | ABC Pesquisadores | Equipe de Produção

Memória Histórica Potiguar
Combatentes Sociais RN
História dos Direitos Humanos RN Rio Grande do Norte
 
Desde 1995 © www.dhnet.org.br Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: dhnet@dhnet.org.br Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
Linha do Tempo RN Rio Grande do Norte
Memória Histórica Potiguar
Combatentes Sociais RN
História dos Direitos Humanos RN Rio Grande do Norte
Guia da Cidadania Cultural RN
Rede Estadual de Direitos Humanos Rio Grande do Norte
Redes Estaduais de Direitos Humanos
Rede Brasil de Direitos Humanos
História dos Direitos Humanos no Brasil - Projeto DHnet
Direito a Memória e a Verdade
Projeto Brasil Nunca Mais
Comitês de Educação em Direitos Humanos Estaduais
Djalma Maranhão
Othoniel Menezes Memória Histórica Potiguar
Luiz Gonzaga Cortez Memória Histórica Potiguar
Homero Costa Memória Histórica Potiguar
Brasília Carlos Memória Histórica Potiguar
Leonardo Barata Memória Histórica Potiguar
Centro de Direitos Humanos e Memória Popular CDHMP RN
Centro de Estudos Pesquisa e Ação Cultural CENARTE