Insurreição
Comunista de 1935
ÀS ARMAS, CAMARADAS!
A Insurreição Comunista e o Governo Popular de 1935 em Natal
Natanael Sarmento
As Guerreiras
A grande
Revolução Francesa de 1789 tornou-se o paradigma das revoluções e
foi o acontecimento político mais marcante do mundo ocidental. Por
isso foi sempre muito estudada, vasculhada e interpretada.Visitada
por historiadores e escribas de todas as cores e formações. No
plano discursivo, qualquer análise dessa revolução terá a luta pela liberdade e igualdade.
A
história humana, uma obra inacabada de homens e mulheres, tem sido
escrita na perspectiva dos homens, assim, também a história das
revoluções. O papel das mulheres, na história escrita por homens,
quase sempre foi reduzido e deturpado. Os atores são protagonistas,
as atrizes coadjuvantes, esquecidas, relegadas, ou renegadas, pela
historiografia com viés machista.
Porém,
tanto mulheres quanto os homens
,
exercem papéis diferentes, ora são protagonistas, ora operam nas
coxias. E as maiorias, de homens e mulheres, restam anônimas. O
registro histórico tem sido, ordinariamente, dos heróis e líderes,
das conquistas de Napoleão. Sem os soldados? E bem mais injusto, em
relação às mulheres, sejam elas das massas anônimas, sejam elas
protagonistas, rainhas czarinas, heroínas, guerrilheiras.
Julles
Michelet procurou registrar o papel das mulheres, na Revolução Francesa e dividiu seus papéis. A seu ver, a rainha, com papel nefasto bem
exagerado pela historiografia. As aristocratas, vítimas do furor
popular, como a princesa Lambelle. As heroínas sangrentas, quase
loucas, passionais, guilhotinadas, Choarlotte Corday e Mericourt. As
muitas anônimas, senhoras do povo. Importa a constatação, na
síntese: Elas
estiveram à frente da revolução. Não é de admirar que elas
sofriam mais.
Portanto,
nem mesmo a maior revolução libertária e igualitária da
humanidade foi justa com as mulheres. Somente no 1793
,
a Convenção aprovou o “sufrágio universal masculino”, e privou
as mulheres do voto. Elas estavam livres dos grilhões feudais, mas,
permaneciam privadas de cidadania. A rainha Maria Antonieta e Charlot
Corday, a assassina de Marat, são destacadas, mas negativamente. A
liberdade e a igualdade entre os mulheres na revolução estão
presentes em expressões artísticas, pinturas e esculturas. Na bela
pintura La
liberte guidant le peuble de
Delacroix, no Museu
do Louvre. E na representação simbólica da República francesa.
Mas, as mulheres francesas, tinham muitas bastilhas para derrubar, comeram
muito toucinho cabeludo. Batalhas
e lutas pela efetiva igualdade, para muito além da revolução de
1789.
As
mulheres do Rio Grande do Norte, historicamente, acompanham as
vanguardas sociais e políticas, das lutas de libertação e da
igualdade. E, no entanto, são pouco estudadas pela historiografia.
São injustiçadas, particularmente, na historiografia da Revolução de 1935. Pois a par da questão de gênero está a questão da classe
social. São esquecidas, ou relegadas a plano secundário. O espectro
da tradição patriarcal atormenta aos vivos.
A
grande mulher e destacada militante comunista Olga Benario, ordinariamente, é reduzida à mulher
de Prestes enviada de Moscou para acompanhar o Cavaleiro da
Esperança. A
comunista revolucionária Leonila Félix, foi mulher
de Epifânio Guilhermino.
Essa concepção presente na historiografia escrita por vencedores e
por vencidos, com raras exceções. Esse papel coadjuvante reservado
às mulheres na história, nivela por baixo, a historiografia dos
vencidos e a visão tradicional dos vencedores.
Mas, nem
tudo está perdido. Novas
perspectivas historiográficas analisam e colocam o papel das
mulheres nos lugares devidos, dos acontecimentos, a exorcizar
fantasmas da dominante tradição patriarcal.
Releva
anotar, todavia, que a questão do gênero também perpassa a questão
das classes. Mesmo a historiografia patriarcal e tradicional faz
certas “concessões” e destacam, aqui e acolá, certos pioneirismos de
mulheres, do no Rio Grande
. Nesse sentido, é decantado o pioneirismo do alistamento eleitoral e do sufrágio feminino, com Celina Guimarães, a primeira eleitora, e Alzira
Soriano de Souza, a primeira prefeita,
em Lajes. Também é lembrada Maria do Céu Fernandes, uma das
primeiras deputadas eleitas do Brasil. Também
entre as flores, há diferença de sorte,
lecionava Dona
Rosa.
O
que se registra das mulheres partícipes de lutas sindicais urbanas e
rurais, das jornadas camponesas, da campanha revolucionária de 1935?
Elas são personagens espectrais, quase invisíveis. O Rio Grande
esconde
essas mulheres, as guerreiras injustiçadas
,
reduzidas a figurantes. Coadjuvantes e seguidoras de maridos,
“vestidas de homem”, “amásias” e “amantes”. Das
anotações preconceituosas dos livros, cartas, artigos, depoimentos
e documentos oficiais.
Mulheres,
efetivamente, participam das lutas sociais. Não foi diferente nas
efemérides revolucionárias de 1935. Minoritárias? Sim. Mas.
Presentes e marcantes. Foram trinta e três mulheres indiciadas e
denunciadas, no Tribunal de Segurança Nacional. Dentre elas, algumas
com projeção nacional. As comunistas Olga Benario,
Katarina Shissler e Elvira Fuentes. Elas foram presas, torturadas e
deportadas, pela polícia do nazista Filinto Müller. Mulheres e judias, Olga e Katarina foram deportadas pelo
Governo Vargas para serem assassinadas na Alemanha nazista. Cabia,
realmente, muito mais gente, no banco dos réus do Tribunal de crimes
nazistas, em Nuremberg.
O
contingente feminino potiguar na revolução foi expressivo:
correspondeu a 42,42%
das indiciadas, do Brasil. No rol das denunciadas estão Amélia
Reginaldo, Antônia Gomes, Celina Maura Barreto, Ester de Assis,
Iracema Pinheiro Amorim, Leonila Félix, Luiza Laurentino, Maria da
Cruz Nunes, Maria Meireles, Maria Mendes, Maria Otilia, Marieta
Bezerra Alves Feitosa, Raimunda Pires e Vitalina Alice.
Amélia
Reginaldo foi condenada, à revelia, a cinco anos de prisão. As
outras foram absolvidas, por falta de provas.
Aloízia
Medeiros Freire realizou uma importante pesquisa nos fichários
policiais e processos. Traz os dados da participação feminina, em
1935: a maioria das revolucionárias, em Natal, morava no bairro
pobre das Rocas, ou pertencia às classes médias, eram morenas e alfabetizadas, sem profissão
definida e militantes filiadas à
União Feminina Brasileira (UFB),
a organização de mulheres vinculada à Aliança
Nacional Libertadora,
estimulada pelo Partido Comunista.
O
Procurador interino da República no RN denunciou Amélia Gomes Reginaldo, Luzia Gomes dos Santos, mãe
de Amélia, Leonila Félix, Chica Pinote e Chica Gaveta. Amélia
Gomes por participação na tomada do 21º BC e pela edição do
jornal A
Liberdade.
Amélia Gomes conseguiu escapar e dedicar-se à luta revolucionária clandestina. Daí em diante, não dispomos dos
seus dados biográficos.
Quanto
à Leonila Félix, a denúncia epigrafada registrou-a como
esposa ou
companheira de Epiphanio Guilhermino, tomou parte ativa no movimento
subversivo, dando seus serviços no 21º BC, onde vestiu farda e
armou-se.É acusada da tentativa desequestro do Chefe de Polícia do
xadrez, para evidente fuzilamento [..] Leonila Félix tomou parte
ainda num saque de peças de brim e morim, para encadernação, na
Seção de Avulsos da Imprensa Oficial.
O
doutor Procurador presumiu que Leonila
Félix tentou fuzilar o Chefe de Polícia – ela armada de fuzil,
ele preso no 21º BC – e que ela também pretendia roubar peças
de brim.
Faltou bem pouco para o hermeneuta concluir que Leonilla Félix
pretendia retirar as vísceras do João Medeiros em sessão de
tortura e usar o brim roubado para mumificar o cadáver com emprego
de técnicas egípcias repassadas pelos Agentes
de Moscou. Presunção
é exercício de lógica quando existe lógica.
Nosso
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