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Insurreição Comunista de 1935

ÀS ARMAS, CAMARADAS!
A Insurreição Comunista e o Governo Popular de 1935 em Natal
Natanael Sarmento


As Colunas, andanças e embuanças


Há muita parolagem sobre as andanças das Colunas rebeldes partidas de Natal para o interior do Estado, em 1935. Gabolices e bazófias para todos os gostos e gêneros. Nem tudo está perdido e também existem trabalhos consistentes . A mais consistente pesquisa sobre as colunas foi feita por Kleber Oliveira dos Santos.59

Quase metade das cidades do interior potiguar envolveu-se nos sucessos de 1935. Cidades foram ocupadas, prefeituras invadidas, cadeias abertas, bancos arrombados. A banda comunista tocou a marcha da revolução em diversos coretos interioranos: Macaíba, Pedro Velho, Baixa Verde, Santo Antônio do Salto da Onça. Mas, em Mossoró e Açu, cidades importantes com o PCB organizado, a banda rebelde não tocou no coreto. Por lá os comunistas estavam encurralados, sob forte repressão. Embaraçados na guerrilha do Vale do Rio Açu. Contudo, a banda vermelha agitou Santa Cruz, Nova Cruz, Currais Novos, Acari, Ceará-Mirim, São Gonçalo, Taipu, Baixa Verde e Macau, São Miguel, São José, Arês, Canguaretama, Goianinha, Lages e Angicos.

Comecemos pela Coluna do Exército Popular comandada pelo estudante e poeta Benilde Dantas, que marchou em direção ao Norte do Estado. Com objetivo prioritário de atacar e tomar o município do Ceará-Mirim. Participam dessa Coluna os Sargentos do 21º BC Pedro Maurício, Eliezer Diniz, João Rosendo e o Cabo Antenor Cardoso, além do Guarda Civil Sizenando Filgueira e outros. Benilde, o “Rouxinol”, era de família tradicional do Ceará-Mirim. Comunista. Ele e o Guarda Civil Sinzenando. Na denúncia Sizenando aparece como audacioso chefe da intentona.60 A periculosidade referida na peça de denúncia foi presumida pelo registro de confusão armada em briga de cabaré.

A Coluna ocupou Ceará-Mirim, não enfrentou resistência. Com o controle da cidade, adotou medidas que se tornaram o padrão procedimental das ocupações, nas outras cidades: prisões de prefeito, delegado, vereadores, secretários; requisição de dinheiro, armas e veículos. Nos processos criminais do Ceará-Mirim, registram-se saques das lojas Paulista, F. Correia, João Câmara e Irmãos, Pedro Gomes Baião, bares e sapatarias. Uma grande diversidade de produtos saqueados, sabão, cimento, cigarro, etc. Parte do material saqueado foi distribuído com a população pobre local. Outra parte desviada e entocada. Pescadores de águas turvas aproveitam-se da situação, e levam vantagem. Comerciantes armazenam produtos da concorrência, adquiridos a preço vil. No Ceará-Mirim, um episódio pitoresco envolveu o Tabelião de Ofício de Notas, Sebastião Felix de Araújo. Na casa do Sebastião foram enterradas grandes quantidades de tecidos, combustíveis, bebidas e outros produtos, originários dos saques. O respeitável registrador avocou a fé pública para escusar-se de qualquer responsabilidade. Declarou e deu fé ter encontrado aquele material na própria casa, à sua revelia. Ter ordenado ao casal de empregados a retirar o material. Quanto a “produtos” encontrados em buracos, declarou não lembrar ter mandado os dois enterrarem as mercadorias. A corrente arrebentava, como sempre, no elo mais fraco.

Com o governo popular apossado em Ceará-Mirim, a Coluna dividiu-se para prosseguimento às conquistas . Avançar aos municípios próximos . A liderança da nova coluna coube ao Soldado do 21º Manoel Alberto da Silva Filho. A tarefa era conquistar Baixa Verde. A patente de Soldado era por demais rasa. O soldado foi promovido a Tenente do Exército Popular. Sem carecer estágio de sargento. Revoluções servem para mudar costumes. Mudou a patente e o nome. O Soldado Manoel Alberto existia na tropa reacionária, no Exército Popular existe o Tenente Lins. Uma das transformações mais radicais, constadas, na breve revolução, a do soldado promovido a tenente e que mudou de nome.

O delegado de polícia Baixa Verde, certo Francisco Germano Filho, juntou armas e aliciou voluntários, com escopo de organizar uma resistência. Montou trincheiras, na entrada da cidade. Os rebeldes iriam aprender com quantos paus se fazia uma jangada. Contudo, a Coluna liderada pelo Tenente Lins não teve trabalho algum. Uns “defensores” dispararam, outros, se renderam, bastando ver a superioridade, da Coluna rebelde. Também acolá não foi caso de mortes e feridos. Baixa Verde foi ocupada, militarmente, o prefeito deposto, os presos foram liberados, o delegado trancafiado. A tropa da segurança pública e os voluntários da “defesa” rendidos. A cadeia pública nunca foi tão utilizada.

Baixa Verde sob governo popular foi presidida pelo Soldado Manoel Alberto, alto lá, pelo Tenente Lins! Auxiliado por Genésio Moreira, Pedro Paulo e Raimundo Antunes. Eles formam a junta governativa. Tentaram, em vão, trazer o Dr. Juiz, certo João Maria Furtado. Um magistrado prestigiado na comarca e adjacências. Porém, o meritíssimo esnobou do convite. Mas o Furtado nutria simpatias políticas pela oposição. E comeu o pão que o diabo amassou. Tinha estrada para saber que ficar no muro dava prestígio à Diana do pastoril, mas era péssimo negócio em tempo de guerra, de revolução .61

No cofre da Prefeitura de Baixa Verde, retiram quase cinco mil contos de réis, confiscados e enviados à Junta Governativa, em Natal. Medida administrativa relevante da Junta popular baixa-verdense sob a governança do Tenente Lins, foi a expropriação de oito sacos de açúcar. Açúcar confiscado pela revolução, para adoçar a amarga vida de camponeses pobres. Distribuídos em cuias, graciosamente. O decreto para o comércio abrir as portas e fornecer gêneros requisitados não surtiu muito efeito prático. A quantidade e qualidade dos gêneros, estabelecidos pela Junta, eram precisas. Mas, os comerciantes de Baixa Verde, e do mundo inteiro, preferem a Lei do “Fiado só amanhã”. E fecham as portas às requisições. Quem vai sustentar burro a pão de ló? Os rebeldes, apoiados no argumento do fuzil, arrombam as portas e portões fechados. Quem paga a conta? O comissário popular requisitante queria mandar a cobrança ao Papa, no Vaticano. Indicou mandassem a respectiva fatura à Junta Governativa, sediada em Natal, Vila Ciccinato. O tal do comunismo era mesmo regime do cão. Na hora de comer, comer, na hora de beber, beber, de fumar, fumar, porém na hora de pagar, pé na bunda! Mandava apresentar a fatura a muitas léguas de distância! Essa sucia vermelha zanzou e perturbou em diversos povoados e vilarejos, São Bento e Parazinho. Requisitou, extorquiu, gêneros e dinheiro público, apossou-se de veículos.

Nessa batida, os rebeldes esticaram a marcha à ocupação da terceira cidade, Taipu. Lá o Prefeito reacionário havia prendido os comunistas, na cadeia pública. Com a chegada da Coluna, trocam-se os papéis: o Prefeito foi preso e os comunistas assumiram a Prefeitura. Lição da história. O poder gira como a roda da fortuna. Ou a roda gigante. Embaixo, em cima, questão de tempo, de ocasião.

Taipu também caiu como as outras, sem esboçar qualquer tipo de resistência. Os rebeldes desfilaram e adotaram os procedimentos de praxe: prender, soltar, destituir, constituir. No dia seguinte, seguiram rumo à praia de Touros. Lá sucedeu comédia cinematográfica. Pastelão do Gordo e o Magro. O delegado e todo efetivo policial polícia , informados da aproximação da coluna rebelde abandonam, em louca disparada, a delegacia e a cidade. Carreira tão atabalhoada que deixam tudo para trás, as armas e o desordeiro bêbado Manoel Paulino de Assis, que estava sendo interrogado. Interrompido o interrogatório, o acusado de embriaguez e perturbação da ordem, sozinho na delegacia, com as armas, começa a ameaçar deus e o mundo. O ébrio apossado das armas, ficou mais valente, ameaçar matar, fazer acontecer. A pacata população de Taipu, dividida entre a cruz e a espada: a coluna comunista batia, às portas da cidade; o bêbado armado, ameaçava o mundo. Os rebeldes, adentram em Touros, sem qualquer resistência. Frustração não ter autoridades para prender nem depor. Contentaram-se com o bêbado, quem não tem cão caça com gato.

O passo seguinte da coluna vermelha foi em direção ao Município de Lages, nas cercanias da Serra do Cabugi. A defesa de Lages estava a cargo do Capitão João Pedro de Albuquerque. Foi “reforçada” pelo pessoal do Major da força pública Napoleão Agra, que descia de Mossoró. O Major recebeu ordens para combater os insurretos, em Natal. No meio do caminho, estacionou. Essa união de forças do Major Agra com as do Capitão Albuquerque, atraiu mais voluntários. Outros foram aliciados involuntariamente, aos costumes. De qualquer forma, prenunciava-se uma refrega pesada entre os legalistas entrincheirados e atocaiados e os rebeldes. As defesas foram montadas ao longo da estrada, perto da Pedra Preta. Porém, a batalha violenta, não ocorreu. Seguiu o padrão da batalha de Itararé, e de Serra do Doutor. Não há registro, de mortos nem feridos. Nada se diz a respeito ou constados processos do TSN. Lá há apenas o registro do indiciamento do Major Agra por não cumprir as ordens superiores de combater rebeldes na capital. Condenado, o Major perdeu a patente. Porém, tempos depois, ajuntou punhado de provas e amizades influentes, de sorte a recuperar a patente e se reformar, na flor dos quarenta e cinco anos de idade.62

De todos os locais, a cidade de Angicos conheceu a mais efêmera ocupação da breve revolução comunista. Poucas horas de subversão, pois a ocupação de Angicos sucedeu no dia 27, concomitantemente às primeiras notícias da derrota da insurreição. Chegavam à cidade, junto com os rebeldes, as informações do avanço das tropas legalistas pela Paraíba, da descida da tropa federal, na fronteira do Ceará , de que a casa havia caído. Foi o derradeiro ato de conquista da Coluna Norte.

No tocante aos sucessos da Coluna do Sul, o comando calhou ao militar de ofício, Tenente Oscar Mateus Rangel, da Polícia Militar. Rangel estava preso na Casa de Detenção de Natal, sendo solto na revolução. Ele cumpria pena de prisão pelo assassinato do filho de Juvenal Lamartine, ex-governador e liderança do PP. Um crime famoso, na época, o crime da Fazenda Ingá, no Município de Acari, em fevereiro de 1935. Numa desastrosa diligência de busca e apreensão de armas, na fazenda, houve a tragédia. O Procurador carregou à condenação do Rangel: “Destas famigeradas colunas, uma que muito se destacou pelos atos de vandalismo que praticou, foi sem dúvida a comandada pelo ex-tenente Oscar Rangel”.63

Contudo, a Coluna Sul adotou os mesmos procedimentos das outras, sem tirar, nem pôr. Ocupação de cidades, destituição, prisão de autoridades, requisições de dinheiro. Rangel recrutou aderentes à revolução, fracionou a coluna para novas conquistas, seguindo pela trilha férrea da Great Western. A primeira cidade conquista foi São José de Mipibu. Lá o prefeito foi deposto. Requisitou o dinheiro da prefeitura. Há registro da destruição de processos, no cartório. Deu seguimento à marcha, chegou a Arêz. Lá, Oscar Rangel fracionou a Coluna. O Comando da nova foi para Pedro Hermógenes da Cunha, com tarefa de arregimentar aliados e manter o controle de Arêz. Moacyr Ferreira Furtado, ex-prefeito, foi reconduzido ao cargo, pelos rebeldes. E foi à forra, prendendo os adversários, demitindo todos os funcionários da prefeitura. E a Coluna do Tenente Rangel, prosseguia, em busca de novas conquistas.

A coluna chegou à cidade de Papari, ambiente açulado por disputas ideológicas e rixas das facções. Os rebeldes prendem elementos da força pública local e autoridades aliadas do PP. Vários escaparam, avisados, arribaram. Assumem o controle da cidade, sem oposição. Temiam resistência dos adeptos de Plínio Salgado. Havia o foco da Ação Integralista no município, mas, eles fugiram. Alguns foram presos. Nos relatórios, a sede da ABI foi invadida e arquivos com documentos queimados. Os rebeldes danificam o retrato do líder Plínio Salgado64.

Seguindo a trilha, a próxima cidade a conquistada foi Canguaretama , rapidamente, na madrugada do dia 25. A patrulha do Sargento Oscar Alves Maciel adentrou e derrubou o Prefeito Abílio Xavier, empossou Fernando Dias Abreu, identificado com a Aliança Social na prefeitura. Os rebeldes requisitaram dinheiro da prefeitura , 500 mil réis, mais 400 mil da mesa das rendas.

A terceira Coluna, comandada pelo Sargento Oscar Wanderley, foi a mais controversa e com aspectos obscuros. Guarda peculiaridades que merecem investigação mais aprofundada. Destoava das outras colunas. A começar pela composição social. Enquanto as outras colunas são formadas com civis e militares juntos, a Coluna do Sargento Wanderley, foi exclusiva militar . Essa particularidade, talvez a menos relevante.

As peripécias da Coluna Wanderley, que partiu da capital rumo à região Central do Rio Grande do Norte, constam dos Processos nº 2º e nº 76º, do TSN. Processos falhos, lacunosos. Falta clareza sequencial, às ações. Nos depoimentos, nas provas coligidas aos autos. Os acusadores ecingem-se aos sucessos do assalto do 21º BC e da Serra do Doutor. Preocupação em livrar imputações em outros locais? Ou interesse em majorar a implicação com agravamento dos crimes? Qualquer se seja a estratégia, a acusação centraliza a denúncia nos fatos de Natal e Macaíba.Tangencialmente, refere-se aos sucessos da cidade de Santa Cruz, da adesão dos civis a distribuir boletins subversivos. Sem registros seguros e sistemáticos, sem o “iter” e a cronologia dos “crimes” das ações e omissões da Coluna. Falta uma descrição detalhada dos sucessos, da continuidade delitiva, cidade por cidade, cada povoado atacado, invadido.

Estranhável a interpretação do tenor, o comportamento do comandante da coluna Sargento Oscar Wanderley. O depoimento no TSN afirma não estar no 21º BC, na ocasião do levante. Diz que chegou depois, atraído “pelo toque de recolher” do corneteiro e que lá chegando, aderiu à revolta, para não ser preso. Declara ainda que se ofereceu para patrulhar a região das Quintas, pois “queria sair da anarquia reinante”, o Wanderley.65 Mentiu por que estava e pegou em armas no levante do 21º BC. E não explicou a espichada das léguas que separam o bairro das Quintas, em Natal da cidade de Macaíba.

De qualquer forma, o tal sargento Wanderley, com a coluna militar bem armada, ocupou a cidade de Macaíba. Foi uma ocupação inusitada, fora totalmente dos padrões insurgentes. Modalidade diplomata. Não prendeu o prefeito, nem o delegado, nem os vereadores. Apenas mandou desarmar o destacamento policial. Realizou embaixada junto ao Prefeito, conversa mediada pelo amigo Paulo Teixeira. O amigo Paulo Teixeira foi nomeado Delegado Militar. O sargento Wanderley expediu ordem para não deixar tropas rebeldes acantonarem na cidade, elas podiam passar, não podiam acantonar na cidade.66 Evidenciava-se o boi na linha.

A sucessão de ocorrências estranhas foi observada pelo Comando revolucionário em Natal. No dia 25, o Paulo, Delegado Militar, informou o ao amigo sargento Wanderley sobre o deslocamento de tropas sertanejas, advindas do Seridó. O Prefeito de Macaíba, embora não deposto, por iniciativa própria, abandonou a cidade. O Sargento Wanderley assumiu a prefeitura. Cuidou do lacre de arquivos e cofres, sem encaminhar o dinheiro ao Comando em Natal. Confiou a guarda do material lacrado ao amigo Paulo Teixeira. O comandante Wanderley decidiu “diligenciar” sobre as tropas inimigas, para evitar banho de sangue. O dinheiro do Banco do Brasil ficou lá mesmo. O da mesa de rendas, também. Sem registros de saques, nem de casas do comércio. 67

O sargento Wanderley, chefe militar local, da revolução, hospedou-se em casa de particulares, onde atendia populares, fazendo vezes de chefe do governo. Com a notícia da aproximação das tropas sertanejas de Mariz e Enoch, apressou-se. Transmitiu o comando de Macaíba para o Cabo Geraldo Magela e partiu em missão de reconhecimento, na companhia, de dois soldados.

Na estrada deparou-se com as tropas de Enoque e Dinarte. Rende-se, sem esboçar qualquer reação, sem tentar fugir. Dali em diante, o Wanderley passou a dar informações, úteis aos legalistas. Sobre situação militar dos revolucionários , em Macaíba e alhures . Escreveu ao cabo Geraldo o preposto de Macaíba solicitando armas, para retomar Panelas. Mensagem capciosa, interceptada, pela Coluna Oscar Rangel, deslocada a Macaíba . O salafrário traidor Wanderley queria desarmar os rebeldes, para facilitar a retomada pelas tropas legais. Mas, o Oscar Rangel, comandante de Coluna, enfrentou as tropas sertanejas inimigas, forçando a retirada. José Pacheco confirma o tiroteio da cidade de Panelas, atual Bom Jesus. Diz que houve a fuga dos sertanejos, que Panelas foi ocupada pelos revolucionários. Os Sertanejos mobilizados por Dinarte Mariz, transportados nos caminhões de Theodorico Bezerra, Flávio Mafra e do próprio Mariz. Combater comunistas em Panelas, um prato cheio. O Comandante Wanderley não foi fazer reconhecimento algum, foi se render: Vim me entregar, disse Wanderley.68

Apagando-se os atos de covardia do sargento Wanderley, chefe da coluna, traidor e aumentado o feito dos sertanejos de Mariz, forjava-se a versão ideal: a prisão do “chefe Rebelde”. A capitulação pusilânime não dava divisa a ninguém. Nos anais da “história militar”, consta versão briosa:


caiu prisioneiro dos sertanejos de Dinarte Mariz o Srg. Wanderley Comandante das Forças Revolucionárias Populares do governo comunista instalado na cidade de Natal no dia 25. Na segunda parte da jornada os Sertanejos se retiraram para a Serra do Doutor, onde, bem posicionados, rechaçam ataques dos revoltosos, já em processo de debandada, deixando mortos e feridos.69


A má escolha do sargento “rebelde”, Sargento Wanderley , pelo Governo Popular Revolucionário, para chefiar a Coluna Central, figura entre os maiores equívocos dos revolucionários. O sargento Wanderley foi efetivo, no levante do 21º BC, em Natal. Sua negativa perante o TSN justifica-se, afinal, como réu, não produzia provas contra si mesmo. Porém, Wanderley foi muito além da autodefesa. Seu depoimento foi desmoralizante, foi conduta de traidor. E se foi absolvido pelo TSN por que traiu, jamais será absolvido, pelo tribunal da história.

O Wanderley, chefe da coluna e comandante militar de Macaíba, amoleceu a mão pesada do Tribunal de Segurança Nacional. A marreta transformada em pluma, e a absolvição, suspeitosa, do Wanderley. O TSN de exceção e ocasião indiciou vinte e dois Sargentos, no Rio Grande do Norte, gente com participação bem menor nos sucessos. Dezessete sargentos do 21º BC e cinco sargentos da PM. Todos que pegaram armas foram condenados. Exceto, Wanderley. Absolvição estranha a do Wanderley, a presumir, compensação pelos serviços de dedo-duro e de traição prestados.

Durante essa revolução, o movimento expansionista, não se limitou às ações das colunas que saíram de Natal. Cidades e povoações foram ocupadas por revolucionários, com lenços vermelhos no pescoço, por iniciativas locais. Gente que formava as próprias colunas. Caso da cidade de Nova Cruz, invadida no dia 26 de novembro, foram três brigadas autônomas. A brigada do Guarda Civil Joaquim, o Mossoró, comunista, e as lideradas por Miguel Morais e pelo médico Orlando Azevedo, de Santo Antônio do Salto da Onça. Azevedo mantinha ligação com a Aliança Social. A ele se atribui a coordenação das brigadas autônomas. Um médico formado na Alemanha, o Dr. Azevedo, colocou o lenço vermelho sobre o jaleco branco e avançou a Nova Cruz . Ocupou a cidade, em duas horas, em meio a grande tumulto. Tiros para o ar, interrupção da feira livre, gritos de vivas à ANL e a Luís Carlos Prestes. Às dez da manhã, os rebeldes ocuparam Nova Cruz, com adesão da população. Há a distribuição dos boletins revolucionários. Pedro Nunes foi nomeado prefeito. Liberados todos os presos da cadeia cheia de comunistas, João Galdino, Francisco Rocha e Francisco Tito, presos pelo prefeito deposto.70 Com o efetivo da segurança preso e os presos libertados, uma coluna deixa Nova Cruz e prossegue na direção do sertão. Dominaria, sem dificuldades, Panelas. , prendem as autoridades e algumas personalidades. Outras, avisadas, fogem a tempo.

Mas, a historiografia faz registro deturpado da Batalha de Panelas. O Dicionário das Batalhas Brasileiras reproduz a deturpação. Os combatentes da região contam versão bastante diferente do episódio registrado no verbete do dicionário.

O ex-prefeito de Santana do Seridó, Seráfico Batista, e o casal de integralistas Otávia Bezerra Dantas e Manoel Lúcio, desmentem a fábula do General Dinarte. Seráfico Batista servia ao Tiro de Guerra de Parelhas. Guarnição comandada pelo Sargento José Nunes, com os 70 praças, convocados a combater os comunistas, em Panelas. A guarnição do Tiro de Guerra e a tropa sertaneja sofreu no ataque a Panelas. Elas recuam até Currais Novos. Decidem voltar à Serra , porém passam a segunda-feira carregando pedras, levantando às trincheiras. Receberam ordem para não atacar, até a chegada das tropas, da Paraíba. Por volta das seis e meia, caminhões empilhados de rebeldes, fortemente armados, com metralhadora pesada, começam a atirar no bloqueio. Uma hora depois,


o medo se apossava de todos nóse nós resolvemos correr.Eu achava que a expedição a Serra do Doutor ia ser um passeio, [...] quando notei que estava sendo enganado, pois os fazendeiros ricos não tiveram coragem de ir ao local dos tiroteios, a solução foi fugir para os cafundós. Corri da Serra do Doutor até Currais Novos, onde vi muita gente jogar as armas no chão e correr mundo afora. Na opinião do “combatente” da reação sertaneja, Perdemos na Serra do Doutor porque os soldados eram treinados pelo exército e nós não tínhamos conhecimento das táticas de guerra. O delegado de Parelhas era treinado para ser policial [...] As forças aliciadas pelos fazendeiros do Seridó viajaram para Natal depois [...] Na fuga de Panelas para Currais Novos, paramos em Santa Cruz, a cidade cheia de camisas verdes. Depois que contamos o combate com os comunistas na Serra foi um corre-corre.71


Sucedeu o caso, como o caso foi, sem soltar uma estrelinha de artifício, o Dinarte Mariz virou General da Serra do Doutor e desfrutou prestígios e pompas, as glórias de Napoleão por mais de meio século!

O relatório do delegado Enoch Garcia, que foi ampliado e alterado pelo Chefe de polícia João Medeiros Filho, descreveu as consequências caóticas das colunas comunistas, pelo interior do Estado: Macaíba, Ceará-Mirim, São José de Mipibu , Vila Nova, Lagoa de Montanhas, Nova Cruz Goianinha, Canguaretama, Panelas, São Gonçalo, Santa Crus, Arêz e outras localidades:


saqueados e depredados pelos amotinados, que, numa fúria tresloucada, iam implantando o terror e a desolação por toda parte. As populações refugiavam-se nos matos apavoradas ante as hostes temíveis dos revolucionários em correrias constantes por todo o interior.72


Contudo, nos arquivos do TSN, não constam os ditos saques e depredações da cidade de Macaíba. A cidade sob o comando militar do sargento Wanderley, que foi absolvido de culpas, pelo Tribunal fascista criado por Getúlio Vargas para condenar os arruaceiros comunistas. Mas, no julgamento da história, tipos como Wanderley, Mariz, Medeiros et caterva, não serão absolvidos.

 

 

 

 

 

 

 

 

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