Insurreição
Comunista de 1935
ÀS ARMAS, CAMARADAS!
A Insurreição Comunista e o Governo Popular de 1935 em Natal
Natanael Sarmento
A “Batalha” da Serra do Doutor
Espelhando-se
no Barão
de Itararé, e
aproveitando a temporada de pantomimas, reivindica o autor deste
opúsculo o título nobiliárquico de Grão-Duque
da Serra do Doutor. Pois,
se nunca houve batalha em Itararé, tampouco houve a propalada
epopeia da Serra do Doutor. Trata-se de mais uma farsa forjada na
bigorna do bloco hegemônico do poder, no Rio Grande do Norte.
O Governo
Popular Revolucionário despachou três colunas para o avançar pelo interior do Estado:
Norte,Sul e Oeste. Sobre as façanhas das colunas, há mais fábulas
e aumentos nas redes das histórias de pescadores.
O
episódio Batalha da Serra
do Doutor abrilhanta os
anais da História norte-rio-grandense
. O célebre confronto da reação sertaneja atribuída
ao seridoense Dinarte de Medeiros Mariz. Feito difundido, nos jornais
do país, com destaque para o
heroísmo e o
paladino da legalidade,
o comerciante de algodão, do Seridó Mariz. Valeu-lhe o epíteto de General da Serra a
bravura
,
da mobilização dos homens e das armas, que barraram o avanço dos
comunistas. E deram início à derrocada da revolução.
Nessa
lenda da batalha da Serra do Doutor, tingiram-se com sangue as rochas calcárias, brasileiros tombados na luta
fraticida, insana. Caim e Abel eternizando a luta do bem e do mal,
dos mártires da liberdade e do bem, contra forças
os
malignos extremistas comunistas. A santifica
das
cruzes da cristandade, a demarcar o território santificado pelo
triunfo do comandante Dinarte Mariz à frente dos sertanejos. Ali ele
bateu pelas armas, as hordas vermelhas. Essa reação sertaneja
obstou o avanço do comboio de três caminhões, que seguiam a
Currais Novos e Caicó.
Esse
combate sanguinolento, da Serra do Doutor, tem registros memoráveis
de epopeia, de bravura. Dinarte maior que o Sol, e só não o encobria para evitar trevas no Rio Grande. Houvesse
escultor à altura do Apeles, na Serra do Doutor, erguer-se-ia estátua equestre do bravo sertanejo Dinarte de Medeiros
Mariz! Louvado seja!
A
coluna patriótica sertaneja do Dinarte avançou e libertou a
Capital, conquista mais jubilosa que a entrada de Júlio César, na
Roma Imperial da campanha gálica. O chefe de polícia descreve assim
a epopeia do Cesar do Seridó:
Dinarte
Mariz, líder revolucionário de 1930 e 1932, ex-prefeito de Caicó e
Chefe da Campanha popular de 1934, possuía nessa época, sob sua
guarda, 150 fuzis e mais de 20.000 cartuchos de munição, armamento
esse remanescente da Revolução de 10930. [...] O chefe de Polícia
justificao arsenal privado do coronel Dinarte, que recebeu as
primeiras informações da rebelião, através de telefonema do Enoch
Garcia, Ciente que ele seria o “único” capaz de organizar a
resistência. Dinarte diligencia junto ao Governador da Paraíba
Argemiro de Figueiredo, armou eassumiu o comando de homens na
companhia de Enoch Garcia, Humberto Gama, José Epaminondas, Raimundo
Duarte, Derossi Mariz, José Ermírio de Medeiros, Capitão Severino
Elias, Tenente Antonio de Castro, uma espécie de seu Estado Maior,
partiram para a luta e numa ação rápida, já pelas 18:00 horas, em
Serra Caiada, depois de caminharem 200 quilômetros em estrada de
barro, cerca de 60 quilômetros da Capital, tiveram o primeiro choque
com as forças comunistas, sob o comando do Sargento Wanderley.
Derrotados, os comunistas recuaram sofrendo baixas e deixando algum
material bélico. No dia seguinte 25, continuou o avanço sobre o
terreno inimigo e pelas 10 horas da manhã ocuparam o povoado de
Panelas, prendendo o Sargento Wanderley comandante da coluna
comunista, obrigando-os a um novo recuo. Depois de receberem reforço
de Natal voltaram os comunistas e atacaram Panelas onde já sem
munição os legalistas recuaram até a Serra do Doutor, encontrando
ali emissários que tinham sido enviados à Paraíba a procura de
munição, permitindo armar nova resistência. No dia 26 os
comunistas voltaram a atacar os sertanejos que numa ação fulminante
rechaçaram o inimigo, abrindo caminho para Natal, onde chegaram no
dia 27, já encontrando a cidade ocupada pelas forças da Polícia
paraibana [...] Dinarte viajou a Campina Grande e João Pessoa,
regressando com o material bélico oferecido por Argemiro de
Figueiredo, a tempo de, na SERRA DO DOUTOR, na entrada entre Santa
Cruz e Currais Novos, tomar parte na peleja de que resultaram dezenas
de mortos e a debandada dos insurretos.
A
saga da Serra do Doutor da versão policial foi determinante à
derrota
da
subversão. História repetida à exaustão, pelos jornais que se
tornou verdadeira e aceita no imaginário
social. A Serra do Doutor
foi emblemática da bravura sertaneja, do mitificado General da
Serra, que colheu os bons frutos da bazófia até os fins dos seus
dias
,
na velhice.
Dinarte
Mariz, até então, era coronel prefeito,
político
regional, influência restrita a Caicó e adjacências. Na engenharia
da política de
compromissos, da política dos governadores, hegemônica
na República Velha e ainda sobrevivente na nova república, o coronel servia de arruela
de ligação dos terminais de poder. Não tinha a mesma importância
das porcas e parafusos, mas serviam à engrenagem
.
No aperto dos parafusos, as arruelas ajustam os votos dos “currais
eleitorais”, elegem
o governador estadual. As porcas ajustadas recebem favores do parafuso federal que aperta e alivia a pressão.
Nos grotões, esses mandarins de chiqueiros agiam com carta
branca e poder absoluto.
Nos respectivos domínios, parafuso, porcas e arruelas, governavam,
como queriam, no dizer do brejeiro, manda
quem pode, obedece quem tem juízo.
A
fama do Dinarte Mariz foi ungida às alturas, pelos feitos memoráveis
na Serra do Doutor. Arruela não chegou a parafuso, mas foi das
porcas sextavadas. Liderou como poderes de faraó durante décadas, a
fração oligárquica hegemônica do Estado. Na antessala do Estado
Novo, o episódio da Serra semeava o terreno fértil das fraudes,
estelionatos e vigarices oficiais. O líder seridoense fazia o
comércio do algodão e na política o seu califado era Caicó.
Ampliava os domínios dos califado
do
Seridó para o estado, e alguma projeção nacional, no senado
republicano. Bendita Batalha da Serra do Doutor. Jamais tão poucos, ganharam tanto, à custa de
tanta mentira.
Quarenta
e dois anos anos de uso e fruição de glórias da Serra do Doutor depois, em sessão do Congresso Nacional, o senador Dinarte Mariz
ainda destilava o anticomunismo que tanto o promovia: não
sou anticomunista de gabinete; sou anticomunista de fuzil na mão. Na
tribuna, ele diz que comandou a reação
sertaneja. Que juntou cento e oitenta homens, armou e combateu.
E
que a Polícia Militar comandada pelo Coronel Júlio e o Governador
Argemiro de Figueiredo, da Paraíba, o ajudaram. Eles reprimiram os
comunistas:
Quando
empunhei armas contra os comunistas e pude telegrafar, dando notícias
ao Presidente da República, não era eu um correligionário de Sua
Excelência, não estava ali por dever político, estava ali, sim,
por dever cívico. [...] quando tive a oportunidade de me encontrar
com aquele eminente Estadista, o saudoso Presidente Getúlio Vargas,
ele me disse: “O Sr. já me prestou um grande serviço (pausa) Não
a mim, mas ao País”.
O
Presidente Getúlio Vargas confundia a sua pessoa e seus próprios
interesses com o país.
Caçava comunistas, inimigos da família,
da propriedade e da Pátria.
O Brasil podia contar com os seus paladinos e guardiões Getúlio
Vargas, Rafael Fernandes, Filinto Müller,
Gois
Monteiro, Mourão Filho, João Medeiros et
caterva.
A
decantada Batalha
da Serra do Doutor não passou de rápida
troca de tiros, uma escaramuça. Sem vítimas. E o
“general” Dinarte Mariz distava léguas do local nesse momento. O
breve tiroteio não merece nome de batalha. Muito menos, ser
comparada à epopeia. Prejuízo material de um caminhão abandonado
na estada
,
e explodido, com dinamite. Explosão, aliás, perdulária, depois da
escaramuça, da rápida troca de tiros. Combatentes de lado a lado
debandam, cada qual que superestima a força do adversário.
Há
certa nebulosidade sobre as mortes do breve tiroteio da Serra
.
Há quem assegure que não morreu ninguém no local. Também há quem
afirme um caso de morte de soldado, lá enterrado. Outros aumentam a
conta, às dezenas.
Todavia,
não há nebulosidade alguma, não restam dúvidas que Dinarte estava
longe do tiroteio, da escaramuça. Lá ele só chegou várias horas
depois, quando o barulho que se ouvia era dos grilos. Porém, a
polícia potiguar e os áulicos do califa criaram e sustentaram a
tese do Grande General.
Com o passar do tempo, o General passou a acreditar na própria mentira.
Relatos
há, à esquerda e à direita, que desmentem a versão da Batalha
da Serra do Doutor. Na
banda esquerda, tem-se o relato do sargento Santos, comandante da
Coluna:
O
pessoal recua para Caicó, com certeza para refazer as forças,
certamente imaginando que tivéssemos um grande contingente. O
pessoal nosso também exagerou a força do lado de lá, quer dizer,
foi uma batalha que não houve, como a batalha de Itararé.
Mas,
o governo do PP, aliado de Mariz, com a polícia partidária, aumenta a façanha do califa para fortalecê-lo.
Mariz agiu no sentido de solicitar auxílio ao governador da Paraíba.
E na mobilização dos jagunços, dele e de outros fazendeiros.
Porém, foi transformado no Júlio César seridoense, no General da Serra do Doutor pela estratégia propagandística. Pela sintonia
do parafuso federal com a porca estadual, ajustada e apertada à
direita, com auxílio da arruela. A mão de Vargas apertava a chave
de fenda, criando para si e para seus aliados, uma aura de
combatentes do comunismo e de heróis da Pátria. Com amplificação
de feitos, manipulação, falsificações, e outros meios, todos
justificáveis, no combate ao comunismo. O inimigo eletivo e
preferencial, agentes de
Moscou.
Se
sobre a Batalha
da Serra do Doutor discrepam as versões e há
desencontros de mortos e de feridos,
fora das falsificações históricas, o Dinarte Mariz não
soltou sequer um traque de massa. A propalada epopeia digna do Júlio
César do Seridó é tão
fantasiosa quanto o título de Grão-Duque
da Serrado Doutor deste
escriba.
Nas
palavras do delegado Enoch Garcia
Todo
mundo queria que Dinarte tivesse tomado parte na Serra do Doutror.
Ele não tomou parte na Serra do Doutor, como eu não tomei, como
Humberto Gama nãotomou. Lá tomaram parte Pedro Graciliano, José
Epaminondas, Genesio
Cabral Antonio de Castro. Tampouco Dinarte passou telegrama aos
prefeitos do Seridó, solicitando homens para combater os
comunistas.
Ele
acompanha Dinarte à Serra do Doutor e lá
não tinha mais ninguém. Descemos a ladeira e viemos para Natal.
Dinarte
Mariz nem passou telegrama nem combateu, mas tais bazófias, deturpações históricas, ganharam
vulto. Paulo Moreira Brandão trabalhava nos Correios de Currais
Novos desmente:
“Essa história de ‘General da Serra do Doutor’ nunca existiu,
pois Dinarte nunca esteve lá”. Ele correu para a Paraíba, como muitas pessoas, e somente apareceu dois dias depois. “Sobre
o tiroteio, posso dizer que apareceu muita gente corajosa, braba e
disposta a tudo, mas na hora H, correu para todo lado”.
Paulo Brandão afirma que esteve no local e trouxe os cadáveres de
três revoltosos, mortos na Serra, todos enterrados no Cemitério de
Currais Novos. “Agora
herói não houve nenhum, pois correu todo mundo logo que começou o
tiroteio. Acho que ainda tem gente correndo. No dia seguinte ao
tiroteio, apareceram algumas pessoas dizendo que tinham matado muita
gente. Tudo mentira [...]”.
Certo
Monsenhor Walfredo Gurgel, integralista, esqueceu a batina e trocou o
missal por um revólver, a combater na Serra do Doutor. O padre
santíssimo assumia o risco de matar comunistas? Felizmente, para
ele padre, e para os comunistas, Walfredo Gurgel voltou sem disparar
a arma. Quem laborou a valer, em Currais Novos, foi o médico Mariano
Coelho e o boticário Tristão de Barros. A dupla se esfalfou para
cuidar da repentina epidemia gástrica, a diarreia que assolou a
cidade. O medo acabou o estoque dos medicamentosos da urbe. A água
da cidade permanecia a mesma, potável, própria para o consumo. Os
doutos concluíram diarreia emocional, eufemismo dado para... nas
calças.
Dos
sertanejos efetivos no tirotear da Serra do Doutor, destacaram-se os camisas-verdes.
Eles fizeram tocaias e trincheiras, nas pedras da Serra. Quando a
coluna comunista aproximou-se, em três caminhões, os camisas-verdes mandaram bala. Mal os caminhões adentram, no alcance, da linha dos
tiros. Nos veículos, os soldados militares bem treinados, saltam e
rapidamente respondem ao fogo.
Colocam uma metralhadora ponto cinquenta para funcionar e bastou o
barulho e pedaços de rochas despencarem, para a valentia acabar. Foi camisa-verde para todo lado. Cada lado tratou de recuar, debandado. Nessa
debandada, os rebeldes abandonam um dos caminhões. Não houve
baixas, mortos
nem feridos. Houve muita
correria, e nenhum general para receber os louros da vitória.
O bravo General Sertanejo Dinarte Mariz chegou à
Serra pela madrugada, do dia 26, nada restava da escaramuça, senão
trincheiras destroçadas e a carcaça do caminhão queimado. O
jornalista Luiz Cortez, entrevistou partícipes e coletou
depoimentos. O jornalista juntou documentos e desmascarou a farsa do General Dinarte
Mariz.
As
deturpações, contudo, representam o registro da historiografia
dominante. Versões infundadas, adulteradas, mas, oficializadas e
reproduzidas em livros e jornais. Registro fabricado pelas
autoridades governistas, pelo consórcio de políticos e policiais da
mesma facção.
Acari,
Manoel Lúcio de Melo Filho
,
integralista do Acari, anota:
A
batalha da Serra do Doutor foi travada entre comunistas que viajavam
em dois caminhões e os integralistas aliciados pelo padre
integralista vigário de Acari Walfrido
Gurgel [...] com medo, não foi à Serra, viajando para Santa Luíza,
no vizinho Estado da Paraíba. Quanto a Dinarte Mariz, não
participou de qualquer combate, só aparecendo na serra por volta das
19h00, quando tudo havia acabado
.
Luiz
Cortez também descreve a fala de dona Otávia Bezerra Dantas:
Depois
da debandada geral, sem nenhum integralista ferido, Dinarte apareceu.
Padre Walfredo e o seu motorista José Francisco Lúcio, apareceram
no outro dia, de manhã, num chevrolet. Dias depois, andaram dizendo
que Dinarte foi o “general” da Serra do Doutor. Eu respondia na
hora: “É
mentira. Foram os doze “bobos” de carnaúba
que fizeram as bombas e estragou a fuga dos comunistas
.
No
mesmo sentido é o depoimento de José Paulino de Sousa, coronel da
PM. Ele
nega que Dinarte foi o General da Serra do Doutor: “Dinarte
foi para Santa Luzia, na Paraíba, a procura de meios de defesa.
Depois que tudo terminou, Dinarte voltou com uma tropa da Paraíba”.
O
autoproclamado Grão Duque
da Serra do Doutor, no uso
das suas atribuições nobiliárquicas, decerta o seguinte: Decreto
nº 0001/2016. Considerando, os sucessos da Serra do Doutor, domínios
territoriais do Ducado; Considerando, a Autoridade Suprema no aludido
território; E tendo em vista que o comerciante e político Dinarte
de Medeiros Mariz não disparou um traque de massas nos tiroteios da
Serra do Doutor, tampouco o fazendo, nas adjacentes Serra Caiada,
Panelas ou qualquer outro rincão, localidade, ou grota, na
revolução; Considerando a patente do Generalato ser a mais elevada
do Exército do Grão-Ducado; Determina, a imediata degradação da
patente de General da Serra usurpada pelo impostor. Considerando, todavia, que
o cujo prestou serviços ao ducado, concede ao indigitado a patente
de Capitão. Assim, Dinarte não é General, mas Capitão do
pé de Serra.
Atentai
à fidalguia do Grão
Duque da Serra do Doutor.
Não foi impiedoso para degradar o General Napoleão de trapaças a Capitão de pé de cama, uma
expressão vulgar ao nobre recipiente arredondado, em ágata ou
louça, usado como vaso sanitário, sob as camas, o popular penico.
Nosso
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