Insurreição
Comunista de 1935
ÀS ARMAS, CAMARADAS!
A Insurreição Comunista e o Governo Popular de 1935 em Natal
Natanael Sarmento
O primeiro Governo Popular Revolucionário das Américas
Nos
dias da sedição em Natal, foram grandes os transtornos. A confusão
generaliza-se, depois do levante do 21º BC. Insegurança, com
roubos, saques e incêndios. Temeridade de pessoas armadas e dos
boatos. Os rebeldes ocupando e tomando quartéis,
libertando presos, da Casa de Detenção. Alguns presidiários pegam
em armas e aderem à revolução; outros, aproveitam a ocasião,
saqueiam e roubam.
O
tiroteio prolongado, no sítio do quartel da Polícia Militar,
varando a noite do dia 23 e a manhã do domingo, 24, praticamente
imobiliza a cidade. Ninguém, de bom senso, botava a cabeça na rua,
as casas trancadas. As novas autoridades a baixar ordens e expedir
boletins, fazer apelos e ameaças. As autoridades depostas, sumidas,
em local incerto e não sabido.
Amálgama
de temor, desconfiança e curiosidade, dos cidadãos comuns com o autoproclamado Governo
Popular Revolucionário.
E os inevitáveis pescadores
de águas turvas, os
safados aproveitadores de ocasião, a jogar as suas redes. Temerosos
com a segurança, os comerciantes fecham os estabelecimentos. Os
transportes públicos, declarados de uso gratuito, por decreto do
Comissário da Viação, desaparecem.
Transporte de bonde gratuito, porém, sem bonde para ninguém ser
transportado. Nada funciona senão a difusora central
de boatos.
Notícias alarmistas por todos os lados, sem que se soubesse a
origem. Roubos, invasões, estupros de moçoilas da Escola
Doméstica,
fuzilamentos, invasões. Os meios de comunicação sociais são
precários, sem emissora de radiodifusão, jornais sem funcionar,
telefonia cortada, restrita aos boletins espalhados na cidade, pelo
governo popular, e aos boatos sabe-se lá por quem.
Os
setores e locais estratégicos de Natal são ocupados, pelos
rebeldes. Somente o quartel da Polícia Militar, teimosamente,
escrevia capítulo diferente, combatendo e resistindo. Mas, a
rendição da PM estava selada, sitiada militarmente, uma questão de
tempo.
La
Petite Russie referia-se à capital conquistada pelos comunistas o Jornal
do Commércio
.
Durante a manhã desse domingo 24, o Comitê Regional do PCB em Natal
reuniu-se, nas Rocas. Presentes, o cognominado Santa, negro filho de
escravos, assistente do Comitê Central, o João Lopes que estudou em
Moscou e era o mais experiente dos comunistas. Essa reunião do
Comitê debateu e escolheu os nomes à composição do primeiro Governo
Popular Revolucionário das Américas. Queriam o Santa na Presidência da Junta, mas a proposta foi recusada, pelo próprio. Incompatível com o papel de
“assistente do CC”, estava ali para assistir. No
anonimato, a eminência parda, prego
batido e ponta virada. Os
novos governantes, Comissários do Povo são: Lauro
Cortês Lago, servidor da Polícia Civil, Ministro do Interior; João
Batista Galvão, funcionário do Atheneu, Ministro da Aviação; José
Macêdo, tesoureiro dos Correios, Ministro das Finanças; José
Praxedes de Andrade, sapateiro, Ministro do Abastecimento e Quintino
Clementino de Barros, sargento-músico do 21º BC, Ministro da
Defesa.
O
governo revolucionário, recém-constituído,
nomeou o Presidente do Sindicato dos Estivadores João Francisco
Gregório à função de Comandante
Militar do Cais do Porto.
Delegou poderes para permitir e proibir, entradas e saídas de
pessoas e embarcações, bloquear o Porto, com as três corvetas da
Marinha do México, o cargueiro britânico e o Santos de
bandeira brasileira. Para suspender econtrolar, temporariamente, as
comunicações radiotelegráficas e desativar, temporariamente, o farol marítimo.
Este estivador João Francisco
,
comunista, exercia grande liderança entre estivadores das docas. O
Procurador da República denunciou todos os estivadores de Natal, sem
exceção. Cento e vinte cinco estivadores indiciados, acusados da
participação na luta armada. Desses, onze foram condenados.
Os
revolucionários observaram as leis internacionais, não invadiram a
casa “consular” improvisada do Chile, tampouco as naus
estrangeiras, surtas no porto. Em ambos os casos, sabedores do asilo
dado a foragidos da revolução. No vapor Santos, de bandeira
brasileira, vão a bordo,
desativam a estação radiotelegráfica e confiscam armas e munições.
Encontram dinamites que são utilizadas, na luta revolucionária.
Porém,
Nicácio Gurgel, que liderou as diligências no porto, foi acusado
tachado
de elemento
extremista pelo
Procurador da República. Nicácio Gurgel esteve à frente da escolta armada que abordou navios surtos
no porto. Para os jornais da reação ele fez exigências
descabidas e ameaçadoras no Cais.
O radical Nicácio andava acompanhado do filho criança, parlamentou
com a oficialidade mexicana sobre os brasileiros asilados nas
corvetas. Com a denegação do pedido de repatriamento, o delegado
informou a imediata prisão de qualquer tripulante dos navios no
território nacional, aplicando a reciprocidade. E ficou por isso.
Eis o radicalismo inaceitável, os atos de insolências e ousadias,
as exigências descabidas, da imprensa venal e dos serviçais do
governo da República.
Segredode
Polichinelo para toda Natal que as autoridades estavam asiladas, nas corvetas
mexicanas. O primeiro lote, seguiu diretamente do Teatro Carlos
Gomes, logo na noite de sábado, 23. Os oficiais da esquadrilha eram
convidados de honra do governo deposto eos comandantes estavam no
Teatro Carlos Gomes. Quando a boiada estourou, chisparam as respectivas naus, asilando alguns próceres que solicitaram arrego.
As levas se sucedem, nos dias seguintes. E a extraterritorialidade
definida nas convenções internacionais a navios militares foi
respeitada. O Governo Popular Revolucionário já tinha muito abacaxi
para descascar, não fazia sentido embrulhar-se em confusão com o
México.
Também
no domingo, a Junta governamental delegou tarefa ao motorista
Epifânio Guilhermino para requisitar veículos e compor frotas
rodoviárias. Os veículos indispensáveis ao transporte de cargas e
deslocamento de tropas, armas e munição. Epifânio juntamente com
Domício Fernandes requisitaram
,
conforme a orientação, preferencialmente, caminhões e veículos de
carga. Nos inquéritos figuram como vítimas de requisição
comerciantes e revendedores, Severino Alves Bila e José dos Santos.
O
Epifânio Guilhermino e sua companheira Leonila Felix
,
ambos militantes do Partido Comunista, foram ativíssimos, nos
sucessos revolucionários. A Leonila Félix, talvez pela condição
de mulher revolucionária, em sociedade conservadora, machista e
patriarcal, foi das mais discriminadas. Jornais e documentos oficiais
tratam a revolucionária aguerrida Leonila como “amante”,
“amásia” ou mulher
vestida de homem. A ela e
as outras mulheres, Chica Pinote, Chica da Gaveta, Maria da Cruz e
Reymunda Pires, as abnegadas
servidoras do ideal comunista,
no dizer do Procurador da República.
A
historiografia do Rio Grande do Norte com viés liberal
burguês costuma ressaltar
o “pioneirismo” do “voto
feminino” e
o feito da investidura da primeira Prefeita. Contudo, procura apagar
do registro histórico o pioneirismo das revolucionárias de 35. As
guerreiras revolucionárias, partícipes dos sucessos que culminaram
com o primeiro Governo
Popular Revolucionário das Américas, foram tesouradas, no traçado dominante da história.
Na
visão dos arautos da reação, o comunista Epifânio Gilhermino
fazia tipo desprezível, inculto, boçal, perverso, ladrão e
assassino:
O
que se revelou mais sanguinário e anarquista foi Epifânio
Guilhermino. Esse extremista, não contente com o crime no dia 24,
assassinando, assassinou, com requintes de perversidade o Sr.
Octacílio Werneck, agente da Companhia de Navegação Costeira,
ainda matou um soldado do exército no interior da Mercearia Machado,
incendiou o 1º cartório judicial, saqueou diversas casas comerciais
e tentou matar outro soldado do exército que se achava comigo preso.
Medeiros
acusa Epifânio de matar o agente da navegação costeira por motivo
fútil, para testar o poder da arma, nas costas do burguês. O
militante Epifânio receberia a mais pesada pena, condenado a trinta e três anos, dos mais de mil indiciados, do RN.
O
sapateiro José Praxedes foi o Comissário do Abastecimento. Entre os pares, comunista
experiente. Mobiliza populares na manhã do domingo 24, à Praça do Mercado, subiu à mureta do 21º BC e
proclamou o Governo. Declinou os nomes dos membros da Junta para dar
conhecimento ao público, proferiu breve discurso e deu vivas à
Revolução e a Luís Carlos Prestes. Acostumado às meias-solas,
deu os proclamas por encerrado e correu à sede do Governo, na Vila
Cicinatto.
João
Batista Galvão, funcionário do Atheneu
,
escapou da vigilância materna com truta de ida ao açougue, na rua,
junta-se aos revolucionários. A casa materna ficou sem bifes, mas em
compensação, a revolução ganhou um ministro.
Chegou, festivamente, à sede do Governo Popular, na Vila Ciccinato,
nos braços de populares.
Estava
constituído o primeiro governo popular revolucionário das Américas. Que fazer? Os
bolcheviques souberam assimilar a resposta dada por Lenine, em 1917,
na Rússia. Mas, a junta revolucionária de 1935, em Natal, saberia?
As primeiras medidas decretadas foram a destituição do Governador
Rafael Fernandes e a dissolução da Assembleia Constituinte
Estadual. A segunda, a publicação e distribuição de boletins,
para esclarecer os propósitos da revolução e tranquilizar a
população.
Dar
tranquilidade e segurança. Notadamente, às pessoas ligadas ao
comércio e aos serviços públicos da cidade. Natal precisava
retomar a normalidade. Revoluções desorganizam e organizam: derrubam ordens
velhas e criam outras novas. Sucede da nova ordem também envelhecer,
mas aí é outra história, para ser escrita por outros
revolucionários. Por enquanto, calhava aos revolucionários do
momento tranquilizar a população da cidade. Ganhar confiança e
apoio popular às novas perspectivas revolucionárias
.
Tarefa hercúlea, porém, indispensável. Somente assim a revolução
lograria as transformações necessárias. Era preciso divulgar,
amplamente, o Programa da Aliança
Nacional Libertadora, a
bandeira do progresso e da prosperidade do país.
Tem
conteúdo pacificador o Comunicado aos Camaradas em Armas e ao Povo em Geral do
Governo Revolucionário, apelando à manutenção da ordem
e
o respeito à integridade física de pessoas e propriedades. Na mesma
direção pacífica, o boletim AOS SENHORES
COMERCIANTES, com apelos ao funcionamento
normal do comércio para o
povo não sofrer com falta de gêneros de primeira necessidade.
Assim,
o governo popular acenava com garantias e seguranças, para o livre funcionamento do
comércio. Prometia discutir a redução dos tributos. Ao mesmo
tempo, advertia: sem o abastecimento regular e o funcionamento normal
do comércio, o governo não respondia pelos assaltos e saques. Os
chamados atos extremados do
povo. Essas notas
governistas, ao que parecem, surtem mais efeito
intranquilizador. Em geral,
o comércio cerrou suas portas. Algumas casas abriram mediante ordem
revolucionária; diversas foram saqueadas e arrombadas, menos por
turbas populares e mais por ladrões que se aproveitavam da ocasião.
As
comunicações são controladas, rádios dos quartéis, os Correios e
Telégrafos, das naus no porto. A junta, ocupando a casa do
Governador, verificou precisar de bastante dinheiro para executar o
13º Trabalho de Hércules: promover as mudanças e reformas do
programa da ANL e da revolução. A reforma agrária, a reforma
política, fiscal e tributária. Confiscou bastante dinheiro, mas
sequer teve tempo para intentar reforma alguma, acabou distribuindo o
dinheiro confiscado com a população.
Na
matéria tributária, a única medida da governança revolucionária
registrada foi a prisão dos fiscais achacadores dos feirantes. No
âmbito dos transportes, a decretação da gratuidade do bonde. No
abastecimento, a redução do preço do pão, para 100 réis. Sem
empresa de bonde e as padarias, afinal, a revolução era nacional
e libertadora.
Parte
do dinheiro confiscado da Recebedoria de Rendas pagou os salários
atrasados, da extinta Guarda Civil. Na massa da recebedoria de
rendas, queimam papéis de multas e cobranças. Na rua Ulisses
Caldas, Cidade Alta, queimam livros, hipotecas, promissórias,
duplicatas e títulos. Junto com os papéis, o fogo consome todo 1º Cartório.
As
duas belonaves da Companhia Aérea Condor são requisitadas para sobrevoar Natal e lançar boletins
informativos do Governo sobre a cidade. Com a bandeira vermelha a
tremular, os pequenos aviões faziam chover papéis sobre Natal. Esses boletins
foram os únicos meios de comunicação da Junta popular. O governo
revolucionário intentou e até editou o jornal oficial. Porém, as
tropas reacionárias ocupam as oficinas gráficas do Jornal A
República e A
Liberdade
, o
jornal oficial do Governo Popular Revolucionário, não circula.
A
Liberdade, o jornal oficial revolucionário, mais parece obra de ficção. Um artigo
sobre a Marcha
da Revolução Libertadora traz informações
apologéticas e inverídicas da revolução no país.
Um amontoado de notícias sobrelevantes, greves e vitórias do
movimento Nacional Libertador, inverídicas:
Cumprimos
o grato dever de, com alegria, verdadeiramente revolucionária,
comunicar ao povo desse Estado a marcha ascensiva da revolução.
Isto podemos fazer porque estamos de posse do Telegrapho e dos rádios
e controlando todas as notícias que por eles veem.Nós sabíamos que
o Brasil era um imenso “Barril de Pólvora” e que bastaria uma
centelha para que ele explodisse, que nós rio-grandenses do norte
acendemos, podemos dizer ao Brasil extasiado que fomos a primeira
pedra desse grande edifício que vai ser o governo popular. Ao echo
da nossa metralha já responderam os companheiros da Parahyba do
Norte, Pernambuco, Alagoas, Espírito Santo. E do Rio de Janeiro e
Maranhão, as quais já estão nas mãos dos Nacionais Libertadores.
São Paulo está insurrecionado com o povo em armas e o proletariado
em greve revolucionária, tudo indicando que o governo não se
sustentará por muitas horas, e mais para o Sul o proletariado se
atira a greves combativas aclamando o nome de Luís Carlos Prestes. A
Gloriosa Marinha brasileira também já virou os seus canhões contra
a tyrania, estando revoltada na baía da Guanabara e bem assim no
Pará, Santa Catharina levantou-se a
poucos minutos, sob o comando do valente companheiro Hercolino
Cascardo.
Viva
a Aliança Nacional Libertadora!
Viva
Luís Carlos Prestes!
Viva
o Governo Popular Revolucionário!
A
tarefa da edição de A
Liberdade foi confiada ao
Raymundo Reginaldo da Rocha, que usou tintas panfletárias. Apresentou o Programa da ANL – Sob
a Aleluia da Liberdade! – e elencou os propósitos da revolução: reforma agrária, democracia,
proteção dos trabalhadores, proteção da cultura e do ensino,
moratória da dívida externa, nacionalização dos bancos e de
empresas estrangeiras. A tribuna da luta revolucionária
anti-imperialista bate forte nos lacaios e vendilhões da nação.
Não
deixa de ser pitoresca a preocupação de A
Liberdade com temas
considerados eruditos, para a maioria do povo. Na página Cultural, o artigo de André Malraux sobre reencarnação
da arte. Nele, o
articulista analisa o simbolismo em máscaras egípcias, crucifixos
medievais e outras representações. Noutro artigo, a resposta do
humanista Georges Duhamel, conhecido autor de Vie
des Martyres. Uma resposta
crítica à enquete literária provocativa do fascista Jacques
Ploucard, autor de Les
Letres de L’intransigeant.
Contudo,
o fato mais pitoresco dessa histórica edição foi, indubitavelmente, a estampa publicitária do Sal de Frutas Eno,
fabricado pelo laboratório estrangeiro Glaxo
Simithkline. Tendo sobrado
espaço na quarta página, o gráfico, prontamente, preencheu o
espaço vazio com a estampilha do Sal
de frutas Eno. Pérola da
publicidade: jornal oficial do Governo Popular Revolucionário Nacional Libertador fazer
publicidade gratuita para produto de laboratório estrangeiro. O Sal
Eno é remédio à base de bicarbonato de sódio, utilizável no tratamento de azias e
más digestões. Certamente, os comunistas recorreram ao Sal
Eno depois dessa grande
gafe.
No
entanto, para o bem ou para o mal, A
Liberdade, sequer chegou a
circular. A tiragem de mil exemplares foi apreendida, na oficina. As
tropas da contrarrevolução ocupam a gráfica e prendem todos:
editores, gráficos, jornaleiros, eventuais distribuidores. E quem
mais estivesse na gráfica e adjacências.
São
Nicolau de Florença dava conselhos aos príncipes para eles serem amados e
temidos. O príncipe ideal, metade raposa, metade leão, agisse
com força e esperteza, que os
fins justificam os meios. No Governo
Popular Revolucionário faltavam leões e raposas.
Os revolucionários bem que tentam ser amados
.
Baixaram preços, soltaram presos, distribuíram dinheiro. Se o Banco
é do Brasil, o dinheiro pertencia ao
povo brasileiro. Mas o povo não é ninguém, e o dinheiro pertence
aos banqueiros.
Quem
apoiava a revolução? Militares e civis, comunistas, filiados da
ANL, mulheres da UFB, deputados, prefeitos, cabos eleitorais ligados
a Café Filho e a Mário Câmara. Bastavam para dar sustentação a
um governo estadual? Talvez sim. Mas, o RN era parte da Federação.
Não estava sozinho, mas unido ao pacto nacional de poder. E dependia
da correção de forças locais e nacionais. Localmente até poderiam
tentar alguma resistência. Mas, nacionalmente, isolado, nem pensar.
No RN a derrota da revolução não se deu pela reação de forças
internas. A lenda do General
do Seridó não funcionaria
sem as forças da Polícia da Paraíba e sem o Exército dos estados
vizinhos. Os revolucionários, tão ilegítimos, essencialmente,
quanto os legítimos governantes depostos. Eleitos na fraudado
bico da pena, nos currais eleitorais. A maior parcela da população
de Natal e do Estado permanecia do lado fora do banquete. Sem assento
à mesa. Por isso, não chorou na deposição do Rafael, nem chorou
na debacle dos revolucionários. Maioria excluída e silenciosa, neceninneccontrarium
.
Ativa
e barulhenta foi a postura das classes
produtoras. Pouquíssimos
proprietários restaram indiferentes: cinco aderiam à revolução,
mas a elite econômica, agrária e comercial do Estado, como todo,
defendeu a antiga ordem, o governo deposto. E boicotam a ação dos
revolucionários. Dois proprietários rurais e treze comerciantes,
foram condenados, no Tribunal de Segurança.
A
tensão social no RN aumentava, no passar das horas. As falhas do
transporte público, a falta de abastecimento e a insegurança. As
medidas interventivas de confisco de mercadorias, as requisições
forçadas, geravam, mais e mais, desconfianças. E mais retaliações,
dos prejudicados. O governo popular precisava e requisitou, veículos,
armas, munição e dinheiro. Mas a história costuma ser contada
pelos vencedores, e como eles perderam, ficaram como vândalos,
violentos, ladrões.
Com
esse escopo, o Relatório Policial do responsável pelas masmorras
reais, registra os saques nos cofres do Banco do Brasil, da
Recebedoria de Rendas eda Inspetoria de Polícia e a pilhagem de
casas do comércio, Chilenita, M. Martins & Cia, Severino Alves
Bila, Viúva Machado, Cia. Sul América, M. Alves Afonso, Armazém
Copacabana, no Mercado Público e em quiosques. Também no interior
do estado, em Macaíba, São Gonçalo, Vila Nova, Canguaretama,
Goianinha, Panelas, Santa Cruz, entre outras localidades.
Naturalmente, pescadores de águas turvas aproveitaram a ocasião,
saqueadores, ladrões, assaltantes. Contudo, as requisições dos
revolucionários foram expropriações e
“requisições à
luz do dia com recibo passado e assinado formalmente pelo comissário
do Governo Popular responsável. É razoável dizer que na
perspectiva do “expropriado” ou “requisitado”, não pouca diferença fazia, já que “atendia” as demandas dos
ditos comissários, coativamente. Contudo, diferenças há, na forma
e no conteúdo, de requisições e roubos, de ordens da Junta
governamental constituída com a ação solerte dos ladrões, do
crime motivado pela ação política com o crime de motivação torpe
e comum.
No
entanto, os documentos policiais classificam todos
saques
e roubos, atribuindo a autoria aos comunistas. Relatórios, denúncias e
ofícios grotescos, sem considerar, provas documentais, fatos
notórios e de domínio público quais os boletins da Junta contra o
vandalismo, com ameaça de punir os saqueadores e as medidas
ostensivas das patrulhas e rondas montadas, para dar segurança à
propriedade.
Porém,
o núcleo dirigente da polícia norte-rio-grandense,
intencionalmente, não diferençava comunistas, cangaceiros,
saqueadores, ladrões, incendiários e assassinos. Para eles, os
comunistas eram os inimigos os quais deviam aparecer como a síntese
de toda hediondez criminosa. Núcleo de estagiários da escola
nazista de Josep Goebbels, cujos ensinamentos, rompiam fronteiras.
Na
segunda-feira, dia 25, José Macedo, o Comissário de Finanças do
Governo Popular Revolucionário, apresentou-se ao Sr. Carlyle Magalhães, gerente do Banco do Brasil, e determinou a abertura
do cofre forte da agência. O gerente recusou. O perigoso
comissário extremista José
Macedo adotou solução salomônica. Não mandou fuzilar o gerente
sabotador da revolução. Foi buscar um mecânico munido de maçarico
para resolver o problema da revolução e do gerente, sem derramar
sangue. O Comissário
de Finanças José
Macedo viajou no navio-presídio com o escritor Graciliano Ramos. Em suas Memórias
do Cárcere, Graciliano
relembra a preocupação do preso Macedo, em alto-mar, rumo ao Tribunal de Segurança Nacional para ser julgado, com a
contabilidade do Governo Popular.
Da denúncia consta que Macedo liderou a escolta revolucionária que conduziu o mecânico
Manoel Severino ao BB. A porta do cofre do BB foi arrombada no fogo
de maçarico. Quase três mil contos de réis foram “confiscados”, recebidos e assinados. A fotografia do cofre
arrombado chocava. E foi estampada, nas primeiras páginas dos
jornais, a demonstrar o vandalismo dos extremistas.
Pela
contabilidade do delegado de Ordem Social, Enoch Garcia, e do Chefe
de Polícia, João Medeiros,
Do
Banco do Brasil foi roubada a quantia de R$$ 2.944:104$500 (dois mil
novecentos e quarenta e quatro contos, centro e quatro mil e
quinhentos reis), sendo recolhido ao Tesouro do Estado R$$
886:124$500 (oitocentos e oitenta e seis contos, cento e vinte e
quatro mil e seiscentos e cinquenta reis).
Contudo,
a conta sobe, no telegrama destinado ao Presidente Getúlio Vargas,
após a retomada da governança. O Governador inflaciona o tamanho da
conta, fala em numerários superiores a 5 mil réis. Certamente, o
Gurjão computava o Banco do Brasil, as Recebedorias, o Banco do
Estado e inelutáveis rubricas ocultas.
Nessa
gangorra da dinheirama pública, dois mil e novecentos contos
saqueados, apenas oitocentos mil foram devolvidos, pelas autoridades.
Mais de dois terços da fortuna, ninguém sabe, ninguém viu.
O
chefe de Polícia opina que o dinheiro não devolvido ao tesouro
ficou com os comunistas, muito
bem escondido. Muita gente
opina que a dinheirama ficou na polícia. E com outros cidadãos,
acima de qualquer suspeita.
O mistério do dinheiro desaparecido deu origem à lenda dos “achadores
de dinheiro”, do
folclore de Natal. A questiúncula será examinada, oportunamente.
Por enquanto, fiquemos com as efemérides da governança popular
revolucionária. O brejeiro popular diz que se o
tatu está gordo, alguma coisa ele come. Bastaria
o Sherlock atrapalhado adotar a técnica investigativa do tatu
gordo. Seu olhar agudo
sobre a cidade de Natal, os sinais exteriores de riqueza, se o tatu
estiver acima do peso, calhava explicar a origem dessa engorda.
Interiorizar
a revolução passou à prioridade do Governo Popular
.
Impulsionar e consolidar a revolução, rumo ao interior do estado,
atrair novos adeptos. Com esse objetivo foram formadas três Colunas
: a primeira seguiria em direção ao litoral Sul, rumando à divisa da
Paraíba; a segunda partia em direção ao litoral Norte, alcançando Macau,
Mossoró e chegando à divisa do Ceará; a
terceira rumava em
direção ao Sertão, passando por Nova Cruz, Caicó, Santo Antônio
e toda extensão do Seridó.
Ditas
Colunas deviam ocupar as cidades, tomar nas mãos as prefeituras,
invadir as cadeias e soltar os presos de opinião, localizar os
cofres e confiscar o dinheiro, confiscar as armas encontradas e
munições, aliciar novos revolucionários, formar os governos
populares.
Quase
metade, do total dos quarenta e um municípios existentes no Estado, conheceu a passagem do tufão revolucionário
de 1935. Em algumas cidades, formaram-se
governos populares, com personalidades e lideranças locais ligadas
ao PCB, à Aliança Social ou à Aliança Nacional Libertadora, dês
que opositores do PP.
Pequena
escolta foi enviada à praia da Redinha, na outra margem do rio
Potengi, onde se suspeitava da ocultação de pessoas e de armas. Uma
vila de pescadores e balneário de veraneio dos ricos de Natal. Lá,
o Sr. Arnaldo Lyra, integralista, reagiu à abordagem da escolta e recebeu voz de prisão. Imediatamente, foi
conduzido preso à Vila Cincinato, sede do Governo Popular, em Natal.
Nesse local, o Arnaldo Lyra envolveu-se noutra discussão e recebeu
um golpe de sabre, no abdômen. O soldado agressor foi preso na hora
e a vítima ferida levada ao hospital. Arnaldo Lyra veio a falecer,
alguns dias depois, em decorrência dos ferimentos, não resistiu.
O
cabo Giocondo Dias a dizer que não se fazem omeletes sem quebrar os ovos expediu
e assinou a ordem de prisão e de fuzilamento contra outro cabo que
desertou. No telegrama assinado, usa nome e sobrenome e a patente.
Para sorte de ambos, ordenador e condenado, o desertor não foi
preso, tampouco foi fuzilado: “Felizmente
ele conseguiu passar sem ser preso. Depois ele veio para o Partido,
trabalhou muitos anos, era meu amigo. E achava que eu agira certo,
que estava com a razão”.
Caprichosa
a roda da fortuna, em seus giros inimagináveis das revoluções
sociais. Uma desfrutando passava o verão, em tranquila vila de
pescador e balneário, longe dos ruídos da revolução, estocado com
sabre morreu por motivo fútil. Outro mais afortunado, pegou o fuzil,
assaltou o quartel, escapou ileso. Depois desistiu e debandou, em
guerra fuga é traição, recebeu condenação, não foi preso nem
morreu, escapou vivo, lépido e fagueiro, na mão e contramão, da
tal revolução. Sobre tais desatinos da sorte, Dona Rosa, mater
semper, lecionava: até
entre as flores, há diferença de sorte, algumas enfeitam a vida, já
outras enfeitam a morte.
Nosso
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