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Insurreição Comunista de 1935

ÀS ARMAS, CAMARADAS!
A Insurreição Comunista e o Governo Popular de 1935 em Natal
Natanael Sarmento


Cenas de teatro

 

Séquito faraônico acompanhou o Governador Rafael Fernandes Gurjão ao Teatro Carlos Gomes. Lá, oficialmente, o novo donatário prestigiaria formatura de alunos do colégio Marista. Mas a plateia servia às congratulações pela recente vitória eleitoral. Memorável cortejo de fâmulos, secretários, auxiliares, serviçais e áulicos, a lembrar a coroação de Carlos Magno. Sem falar nos valorosos cavaleiros pares, autoridades eclesiásticas, civis, militares do beija-mão real, Aldo Fernandes, Secretário-Geral, Capitão Genésio Lopes, Delegado Auxiliar, Capitão José Bezerra de Andrade, Ajudante de Ordens, Gentil Ferreira, Prefeito da Capital, Paulo Pinheiros de Viveiros, Chefe do Gabinete do Governador, Edgar Barbosa, Diretor do Jornal Oficial A República, Monsenhor João da Matta Paiva, Presidente da Assembleia Legislativa.

           O mais belo e imponente prédio da cidade, o Teatro Carlos Gomes, fica na Praça Augusto Severo, bairro da Ribeira. Ponto alto da cidade baixa que sofre com alagamentos, nas invernadas. Das águas das chuvas a escoar pelas ladeiras e inundar a Praça. O rico Teatro Carlos Gomes e os pobres pardieiros ficam ilhados. Quer conhecer de perto, a aflição, a dor, dos inundados? Basta morar nas ribeiras, nas moradas dos pobres, sem eira nem beira.

Teatro Carlos Gomes, o antigo nome mantido mais por birra do que pela fidelidade histórica, mudariam de nome , para Teatro Alberto Maranhão. Mas não ousaram mudar a arquitetura art nouveau. Uma combinação de ostentação burguesa e refinamento aristocrático, é possível numa mesma construção? É o caso da arquitetura eclética do Carlos Gomes. São nobres os austeros portões de ferro, fundidos em Paris. Eles guarnecem as portas da entrada. As esculturas clássicas e neoclássicas, em bronze. O espaço vestibular, antecedente do pátio e do jardim de inverno, anteposto, graciosamente, ao salão das poltronas e frisas, do auditório. Lustres e espelhos, de cristais . Na sala da entrada destaca-se o lustre central com pingentes. Na fachada predial frontal, exulta o gosto burguês dos excessos, a superposição de nichos, frisos, relevos e estátuas. O observador perde-se no mosaico informativo, se não for atento. Lá estão, em alto relevo, as duas máscaras simbólicas, a tragédia e a comédia. No centro superior, a lira, o instrumento musical de Orfeu. Templo das artes cênicas, templo da música. Teatro Carlos Gomes! Quanta coisa mudou? Quanto de ti há em mim? Mudaram até o teu nome. Quis o destino afastar-me de ti. Mas, não mudou a tua beleza, tão intensa que de tão longe me comove. Teatro que vem da infância, o mais belo teatro do mundo! Não encrespai, fidalgo leitor, com os disparates saudosistas, do autor. Se a retórica presta-se a explicar as mais pífias e vis ações humanas, por que negá-la, às mais belas lembranças que temos? Teatro Carlos Gomes ou Alberto Maranhão, vá lá que seja, o mais belo teatro do mundo da minha infância. Outros teatros mais belos do mundo não são mais belos e teatro da minha infância eles foram . Encerramos a digressão teatral com Chaplin: “somos todos atores no Teatro da vida onde não há ensaios”. Diferente do escriba, o Carlitos não precisava de voz. E, no entanto, brindava a nossa melancólica comédia humana, com risos e lágrimas.

Sem favor, aos padrões locais, uma edificação luxuosa, ambiente social de lazer e cultura, ao deleite da elite potiguar. Lugar de concertos musicais, apresentações de peças teatrais de companhias nacionais e estrangeiras, das grandes solenidades, enfim, latrottoir d’élégance du grand monde. Dos senhores de casacas e cartolas, das senhoras de espartilhos e anquinhas, dos moços janotas, das moçoilas coquetes e melindrosas. Do exalar de perfumes, farfalhar da sedas , da exibição da moda, das passadeiras e tapetes do glamour, de afetações e de luzes...                  

Nem sempre. Apenas, nos dias de função. Sob as luzes e os holofotes que destacam as linhas do Verssailles da Ribeira e iluminam a Praça Augusto Severo. Nos dias ordinários, sem as luzes, sem função, sem festa, mais uma sombra espectral, na escuridão das trevas da decadente da Ribeira. Da vizinhança decaída dos cortiços abandonados, dos pardieiros arruinados. Das oficinas barulhentas e sujas. Na metáfora platônica, o mundo das sombras, projetado arquetipicamente no bruxulear das velas e dos candeeiros. Das vidas pobres, precárias, improvisadas, mundo oposto ao das luzes, dos brilhos, das ideias.  

Calhava de a exuberância do Teatro Carlos Gomes desaparecer, na escuridão, encoberta no manto da noite. Na Praça Augusto Severo, quando escura como calabouço dos condenados, ninguém percebia a beleza do Verssailles. Sem luzes, sem os ruídos das elegâncias, sem os tapetes e os pajens a caráter, um castelo fantasma, teatro de sombras, de desolação. Tão sombrio e espectral quanto os cortiços da vizinhança. Talvez, porque a sombra das noites iguale os desiguais. Por dificultar os requintes das distinções, das diferenças. Nas trevas, nos confundimos. Cometemos erros, alguns fatais, como registra o cronista da revolução francesa. Certo Nicolas Villeron, jacobino, foi condenado à guilhotina. Qual o crime do indigitado Villeron? Ele atacou e matou cinco jacobinos, todos confundidos, erroneamente, com os girondinos. Traído pela escuridão da noite, Nicolas Villeron jurava ter atacado os inimigos. O não salvou a sua cabeça. Mas ficou popular: de nuit, tousles chatssont gris! Pois se à noite todos os gatos são pardos, com mais razão, as noites turvadas com fumaças de pólvora, gritos de revolução, mentes agitadas e entorpecidas, pelos eflúvios das paixões.  

O manto de Nix, a deusa da noite, suas asas escuras de morcego encobriram, Natal, em 23 de novembro de 1935, trazendo flagelos e castigos. Os castigos alcançariam a todos, súditos e reis, reis impostos e depostos.

Os estampidos sucessivos, dos tiros na noite, alteraram a programação e o Gurjão governador, acompanhado do secretário geral e do ajudante de ordens passou a noite escondido na casa do comerciante Xavier Miranda, na Av. Duque de Caxias. As outras autoridades, partiram em diferentes direções, Gentil Ferreira, o Prefeito de Natal, Monsenhor João da Mata Paiva, o Presidente da Assembleia Legislativa, o chefe de gabinete do governador Paulo Pinheiro de Viveiros e o diretor do jornal oficial A República, Edgar Barbosa albergaram-sena casa de Amador Lamas, irmão do cônsul do Chile, Carlos Lamas.

O Governador Rafael merece registo do livro dos recordes mundiais, com três asilos políticos, em 82 horas. Primeiro ficou protegido sob a bandeira consular do Chile. Consulado improvisado, pelo cônsul chileno, Carlos Lamas, que transferiu placa, diploma e a bandeira a conferir a extraterritorialidade da legação diplomática à casa do Xavier. Mas, o rabo do gato ficava do lado de fora. Os rebeldes zanzavam, nos arredores euma patrulha foi à casa do Xavier reivindicar os proscritos. Porém, ante as provas documentais da proteção consular do governo chileno, exibidas as cartas e patentes, o pelotão vacilou. Aceitou a pulha, que o consulado chileno ficava na cidade alta. A patrulha recua e vai consultar instâncias superiores. Cientes da precariedade, das cujas garantias diplomáticas desse consulado de improviso, os asilados buscaram alternativa segura. Vem o segundo asilo dado pelo cônsul da Itália, Guilherme Lettieri. Porém, seguro morreu de velho, já diz o velho brejeiro. Os comunistas controlavam, cada vez mais, a situação, formavam o tal governo popular. Quem garante que a malta enfurecida não atacaria a casa do Lettieri? Assim, no segundo dia da revolução, quando ninguém previa o desfecho da revolução, toma-se outra decisão. Calhava asilo em lugar mais seguro. O terceiro asilo do exilado recordista foi nas naus mexicanas, surtas no porto. Assim, o Rio Grande do Norte saía da bernarda, em débito com Chile, Itália e México, como diz o outro, de potência para potência.

  Se durante a altercação arribou de asilo em asilo, sem poder chamado ou encontrado, nem mesmo por edital, após a revolução o Gurjão ficou valente. Nos jornais, oficialmente, em todos os momentos, o Governador e as autoridades, permaneceram impávidos e destemidos. Teve até quem comparasse ao Imperador Carlos Magno com os doze pares da França. Sucede que desde 1500, São Nicolau de Florença leciona que na política as aparências enganam, pois nada é o que aparenta.

 

 

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