Insurreição
Comunista de 1935
ÀS ARMAS, CAMARADAS!
A Insurreição Comunista e o Governo Popular de 1935 em Natal
Natanael Sarmento
Quando
a banda do 21º Batalhão tocou diferente
A banda do 21º Batalhão de Caça de quando em vez dava concertos, na
Avenida Rio Branco, em Natal. A banda tocava dobrados, valsas,
maxixes e merengues. O meeting da
banda do 21º BC, atraía populares, boa diversão na cidade de
poucas opções de lazer. Contava com o Café
Cova da Onça, na
Ribeira, para convescotes de amigos. Com os cinematógrafos do Royal,
na Ulisses Caldas, o São Pedro, no Alecrim, e os Politheama e Teatro Carlos Gomes, da Praça Augusto Severo. E
acabou-se o que era doce. O pudor salesiano não permite colacionar
às opções de lazer da cidade, o Beco
da Quarentena. O
estreitíssimo arruado, zona da prostituição mais chula e vil,
próximo do porto. Tampouco casas rosadas, do ramo, supostamente,
mais imunes às gonorreias, cancros, tifos e varíolas. O balneário
da praia da Redinha, às férias
de
verão dos abastados. Da gafe jornalística do cronista da Redinha,
Paraíso dos abastados que
foi publica
da Redinha,
Paraíso dos bastardos
. E
até hoje não se sabe se a mudança foi erro ou dolo, do tipógrafo.
Era
sábado, 23 de novembro, a banda do21º BC não daria concerto algum,
não estava programado. O quartel mantinha sua rotina. Logo cedo, o
toque da alvorada, depois, o café da manhã e a ordem do dia, as
instruções, os exercícios e o rancho. Essa rotina inalterável de quartéis
militares sempre motivou mofas e chistes, mundo afora. Na invasão de
Portugal, pelas tropas napoleônicas, a rotina do quartel de Abrantes
não mudou, dando origem ao ditado: Tudo
está como dantes, no Quartel de Abrantes!
Portanto,
nada alterava a rotina do 21º BC, a despeito dos boatos e alarmistas
sobre as dispensas e baixas. O clima agitado da cidade e a dissolução
da Guarda civil, coisa de paisano que não interferia, na ordem
diária do quartel. O Major comandante da unidade gozava folga.
Enfrentava o maçante compromisso de bajular o novo governador, no
Teatro Carlos Gomes. No quartel, restavam alguns poucos oficiais,
meia dúzia de sargentos e de cabos e praças do serviço. E os
presos de má conduta, junto com os acusados de badernas com
marinheiros, no Beco da Quarentena. Boatos de dispensas saneadoras, a
limpar o nome do exército nacional da malta indigna, sempre
existiram, sempre existirão, enquanto existir o exército e uma
malta indigna de servi-lo.
As
sentinelas deram continência ao sargento Quintino e ao cabo Dias,
eles adentram juntos, apressados. O sargento Quintino, tocador de
pistom, o soldado Raimundo, tocador do Tarol, o cabo Giocondo, baiano
branquelo de olhos aclarados, não tocava nem berimbau, mas balançava
corações. Neste sábado, esses três pegam no fuzil
e
o dobrado da banda do 21º BC foi bem diferente.
Por
volta das dezoito horas, circulavam, militares e civis, apressadamente, pelas proximidades do
quartel. Na Avenida Rio Branco, casa frontal ao batalhão, morava
Joaquim Torres, professor do Colégio Atheneu.
O professor
Torres costumava fumar o charuto, sentado, na calçada da casa. Lá
estava, como sempre, quando um soldado, bem apressado, oadverte: Seu
Torres, melhor entrar! Vai começar a revolução no quartel!
O
professor sequer procurou saber detalhes, que devia ser trote do
milico para perturbar. Depois, se fosse verdade, que revolução era
mais urgente e relevante que fumar o seu charuto? Seu Torres
permaneceu sentado por mais uma hora e nada. Então passou um cabo do
outro lado da calçada e o professor gritou: “E
a revolução? Vem ou não vem?”. Do
outro lado o cabo responde: “vem
sim!”, convencido
que o professor sabia dos planos da conspiração.Passado
o movimento rebelde, durante a devassa, o professor Torres precisou
usar de seus conhecimentos em química para explicar que
o focinho do porco não era tomada.
Em
torno das 19:30,
o Sargento Quintino Clementino de Barros, o Soldado Raimundo
Francisco de Lima, vulgo Raimundo do Tarol, e
o Cabo Giocondo Alves Dias, o Cabo Dias, começaram a tocar a
insurreição. Os três quebravam a hierarquia, rendiam a guarda,
prendiam os oficiais. Tomaram o quartel em questão de minutos, sem
dificuldade. Os oficiais não aceitaram aderir à revolução. Foram
presos no cassino, a cadeia dos sonhos, se se pode falar
.Uma
ação rápida e eficaz, surpreendente. Sem tempo a resistência, a
reações de valentia, sem tiros. Todos são convidados à revolução.
Algumas aderem e outros preferem a prisão. O cabo Dias, com o fuzil
na mão, notificava a prisão: Os
senhores estão presos em nome do capitão Luís Carlos Prestes!
Naquele
momento, alguém se importava se as ordens vinham do capitão Luís
Carlos Prestes ou do Diabo
.
Importava o fuzil engatilhado, ameaçadoramente, na mão do cabo
rebelde. Os oficiais optam por aceitar a voz de prisão, melhor jogar
gamão, dominó e buraco e aguardar o desfecho da bernarda.
Foram
presos o chefe da Guarda e os oficiais. Os rebelados ocupam as
posições estratégicas do 21º BC. E soltam os praças que estavam
presos. Alguns aderem, agradecidos, aderem à revolução.
Outros, preferem voltar à tranquilidade atrás das grades. Em pouco
tempo, o pátio do quartel foi transformado em ágora. Mais
democrática que a dos gregos, porque esta contava com a participação
das mulheres. Eles calçavam coturnos, vestiam as vestimentas de
campanha
e
pegavam as armas. Os militares rebelados concitavam o povo a pegar
armas pela revolução. Vários civis pegam armas, se juntam ao
exército popular, à revolução de Luís Carlos Prestes. Era necessário mais gente com treinamento militar.
Foi dada ordem da convocação da prontidão para o corneteiro repicar sucessivamente os toques a fim de atrair os
praças, cabos, sargentos e oficiais à unidade.
E
alguns deles escutam os toques e respondem, outros fazem ouvidos de
mercador. Os achegados são concitados à luta e, conforme a
resposta, eram armados ou eram presos.
Quintino
Clementino de Barros chefiou a ação militar do 21º BC. E garantiu a integridade física
dos oficiais e praças presos, no quartel. Fato seria reconhecido,
pelo Monsenhor José Landim: Quintino “demonstrou
equilíbrio nos dias que se sucederam, evitando ou condenando
violências e arbitrariedades. Fez recolher, presos no cassino, os
poucos oficiais que atenderam ao toque, em número de sete, sendo um
capitão e seis tenentes”.
O
quartel do 21º Batalhão contava com dezoito oficiais. A maioria
deles, estava fora da unidade militar, quando a bomba estourou. E de
fora procurou ficar, quando soube da bernarda. Procuraram se esconder
nas chácaras, fazendas e casas de amigos e parentes. Afinal, para
que servem os parentes? O levante do 21º BC, na perspectiva dos
rebelados, transcorreu conforme o planejado, no melhor dos cenários,
rápido, sem baixas, sem problemas.
O
PCB mobilizou suas bases civis para comparecer ao quartel a fim de se
fardarem e armarem à revolução
.
Lá comparecem estivadores, bancários, poetas, sapateiros,
alfaiates, professores, donas de casa, lavadeiras. As mulheres com
atuação na União Feminina responderam ao chamado partidário e os
Relatórios Policiais anotam esse detalhe de estarem “vestidas
de homem”. O
que incomodava mais os policiais dos inquéritos? Vestidas
de homem significava
travestir-se de homem porque elas gostariam de ser ou parecer ser
homens? Vestidas
de homens significava
mais que as roupas e aparências de homens, mas a capacidade de lutar
com as mesmas armas, a igualdade de ser sujeito ativo na conquista de
direitos e deveres da própria história? Seja qual for a motivação
do registro, releva
que as mulheres potiguares empunharam armas na revolução e tiveram
participação ativa em todos os momentos, durante a luta armada e
nas atividades-meio da breve governança revolucionária. Essa participação feminina,
quase sempre omitida na historiografia, será mais detalhadamente
tratada neste opúsculo, no capítulo 13 – Guerreiras
Esquecidas.
Foi
intenso e agitado o movimento de pessoas, no 21º BC rebelado.
Dezenas de populares sem habitualidade com armas e sem treinamento, a
receber os fuzis, revólveres e instruções básicas do
funcionamento. O bancário Paulo Martins da Silva, funcionário do
Banco do Brasil, foi o mais exaltado a conclamar e açular os ânimos,
oferecer fuzis e cartuchos a quantos passassem na frente do quartel.
Meio século depois,
aposentado, confessaria ter se infiltrado com objetivo de detonar a
célula comunista do BB. O dedo
duro Paulo Martins da Silva apontou dezenas de pessoas. Os presos foram
barbaramente torturados pela polícia. Deve se vangloriar do papel de delator, quais outros,
da mesma laia. Mas, para suas vítimas, os torturados, e para a história, seu papel foi do cachorro delator, do traidor, do canalha que
envergonha a condição humana. Sentença do tribunal da história,
canetada do escriba válida a todos os agentes infiltrados, vivos e
mortos, que a morte pode levar os canalhas às quintas, mas não
redime os seus crimes.
Sobre
a rapidez do assalto ao 21º BC, o Cabo Gicondo resume:
não foi
necessário um tiro sequer para tomarmos o batalhão. Nós
éramos de tal forma organizados que a coisa não levou mais de vinte
minutos. Tínhamos organizado tudo de modo que as autoridades fossem
presas no teatro da cidade. Estavam todos lá, em uma comemoração.
A
tarefa que se colocava a seguir era a ocupação de outras unidades
militares, assim faltava tomar o quartel da PM, dos Bombeiros e da
Cavalaria. E também ocupar os pontos estratégicos da cidade,
Central Elétrica, Companhia de Águas e Esgoto, Recebedoria
de Rendas, Banco do Brasil, Porto e outros prédios públicos.
Sabiam
que as autoridades governamentais estavam no Teatro Carlos Gomes, a
solenidade da noite foi anunciada nas folhas locais. E organizaram
uma patrulha para cercar e prender o governador e todo seu staff.
Porém, o General Acaso, mudaria
os planos. Irresponsavelmente, um soldado da patrulha disparara a arma contra policiais na Rua São
Tomé, próxima do Teatro. O polícia responde e começa o tiroteio.
O tirotear ecoou com nitidez, nas dependências, do Teatro. Ali, as
autoridades inquietam-se. Afinal, não obstante as badernas noturnas, alardeadas na imprensa, não era comum
tiroteios noturnos, na cidade. Algumas
auxiliares do governador deixam, discretamente, o auditório à cata
de informações. Em minutos, chegavam as primeiras notícias,
imprecisas e temerárias. Da rebelião do 21º BC. Da descida do
grupo armado do batalhão rebelado a caminho do Teatro para prender
as autoridades presentes. Corre-corre, deus nos acuda, e autoridades
tratando de fugir, em todas as direções.
À
tomada do 21º BC pesou o fator surpresa, por isso, em minutos, o
quartel foi ocupado. Mas, no quartel da PM, a banda tocou diferente.
Foram alertados pelo tiroteio, as autoridades determinaram a
prontidão. E o quartel da força pública sustentou dezessete horas
antes da ocupação das tropas rebeldes.
No
desastrado tiroteio da rua São Tomé, o cabo Giocondo Dias, líder da patrulha, foi
ferido e não comandou as ações do Teatro Carlos Gomes:
No
caminho, um recruta qualquer se afobou e atingiu um policial ali na
Rua São Tomé. Ele respondeu e eu levei três tiros. Daí eu fui
para o hospital. Esse tiroteio deve ter alarmado o pessoal que estava
no Teatro. O nosso plano era cercar o Teatro e depois entrar e dizer
que eles estavam presos e não adiantava resistir.
No
Hospital das Clínicas o cabo Dias foi atendido pelo Dr. Clóvis Travassos Sarinho, ligado
aos integralistas, porém, juramentado com Hipócrates. Sobre o tal
atendimento ele relata: “Cabo
Giocondo Dias apresentava dois pequenos ferimentos em um antebraço.
Foi feito o atendimento entre 20 e 21 horas, e logo após o paciente
retirou-se, voltando no dia seguinte domingo, 24, pela manhã, para
novos curativos”.
Esse depoimento do Dr. Sarinho confirma a declaração de Dias segundo a
qual, depois de medicado dos ferimentos leves, voltou ao quartel do
21º BC, no dia seguinte. Dias afirma que esteve com os presos do BC
e que eles temiam fuzilamento, sem motivo:
[...]
cheguei lá e eles estavam apavorados dizendo que iam ser fuzilados,
não sei o quê. Eu até falei para eles não, vocês estão com a
vida garantida, vocês vão ser julgados por um tribunal popular.
Naturalmente, aqueles que cometeram crimes responderão por eles, mas
enquanto esse tribunal não julgar, os senhores estão com a visa
garantida.
O
chefe de Polícia João Medeiros Filho estava preso e foi ele quem
conversou com Giocondo Dias. Dizia-se progressista e fundador do Rotary
Club.
Será que o Medeiros estava plantando para o caso de
a revolução medrar e ele se tornar o chefe da congênere potiguar da KGB?
Releva
que o chefe de Polícia protagonizou manobras astuciosas e dignas de cinema, segundo o próprio depoimento. Ele diz
que, por volta das dezenove horas, estava acompanhado do delegado
auxiliar, Capitão Genésio Lopes, na Avenida Rio Branco. Ouvidos os
primeiros tiros: “Dirigimo-nos
imediatamente ao local de onde partiram os tiros e lá nos deparamos
com forças do exército”.
O
arguto chefe de Polícia, com sua proverbial agudeza intelectual, decidiu procurar o Capitão Joaquim Moura, no quartel da PM: “depois
de breve entendimento [...] ficou a unidade de prontidão”. Resolvida
a prontidão da PM, calhava alertar também a Inspetoria da Polícia
e as autoridades no Teatro Carlos Gomes: “No
trajeto nosso automóvel é alvejado.Entramos no Teatro Carlos Gomes
e nos avistamos com o Governador e o Secretário-Geral, narrando as
ocorrências, sem poder explicar o seu significado”. João
Medeiros, o Aníbal do Potengi, resolveu então, observar as coisas
de perto. O
chefe de Polícia, sagaz como a raposa e destemido como o leão, caiu como patinho, numa
armadilha montada por ele mesmo. Investigar as coisas de perto,
investigour
,
o Sherlock do Potengi. Ele vai diretamente ao Quartel do 21º BC
perquirir. Sherlock lamenta ter caído na cilada do sargento Amaro
Pereira, que o teria recomendado a procurar a informação desejada, no
quartel: “Aí
então esqueci asadvertências que a mim mesmo fazia e me metiana
boca do lobo. Ao transpor o portão de 21º, cercaram-me, ansiosos,
sendo desarmado e recolhido ao xadrez das praças”. O
chefe de polícia foi no mínimo imprudente. Pode ter sido ingênuo
ou idiota. Mas com certeza mentiu, pois não preso
no
xadrez das praças, e sim no cassino dos oficiais.
O
depoimento do Capitão Genésio Lopes, Delegado Auxiliar, confirma
decisão voluntariosa do Chefe de Polícia ir ao quartel:
O
Dr. João Medeiros, que comigo se encontrava do lado de fora do
Teatro entendeu de ir ao quartel do 21º BC. Lá chegando dirigiu-se
ao sargento que era chefe do movimento e disse: “Eu sou o chefe de
polícia!”. O Sargento respondeu: “Está preso, doutor!” .
No
desenho tático da película da guerra
púnica potiguar, o Aníbal é preso, no acampamento das legiões romanas
para onde se dirigiu, sozinho, com escopo de obter informações.
Quem sabe a criativa e inusitada tática investigativa do João não
seria compilada, sem o brilho do original, claro, pelos maiores
centros de inteligência do mundo, CIA, KGB, M16, Mossad e tantos
outros.
Nosso
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