Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
Velhos Militantes
Velhos
Militantes
Depoimentos
Depoimento de João Lopes,
o Santa
Ângela de
Castro Gomes (coordenadora), Dora Rocha Flaksman,
Eduardo Stotz
Jorge Zahar Editor
Nosso
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de Produção
No
Partido: Ilha Grande, Moscou e Natal
- Quando o senhor foi para a Ilha Grande?
Como foi isso?
- Foi um pouco depois. Eu estava no sindicato,
o Otávio Brandão foi lá e
me chamou para ir a um comício, em frente
ao prédio que estavam fazendo, do jornal
A Noite. Chegando lá, ele começou
a meter o pau no Getúlio, e muita gente
foi presa, inclusive eu. O Batista Luzardo disse
que era por medida de segurança, mas levei
12 meses preso, porque veio uma ordem de Getúlio
dizendo que ninguém podia sair. Só
depois que normalizasse tudo.
Quando cheguei na Detenção, encontrei
lá um camarada que era do Arsenal de Marinha
e tinha sido expulso do Partido porque o pessoal
chamava ele de policial. E ele foi para a polícia
mesmo. Ele me viu e veio falar comigo: "Olha,
o teu nome é o que está mais visado
aqui. E daqui a pouco vão embarcar vocês
num navio para mandar para a Ilha Grande."
Ih, teve nego chorando, dizendo que tinha que
telefonar para casa...
- Quem estava preso na Detenção
com o senhor?
- Uma porção de gente, de político.
A Detenção estava cheia mesmo. Quando
foi na hora de embarcar fizeram a chamada, e deu
um bolo danado com o meu nome. Chamaram: "João
de Souza Lopes!" E eu fiquei quieto. "Está
faltando um!" Vieram para mim: "ô
rapaz, é você!" Eu disse: "O
meu nome é João Lopes de Souza."
E eles: "Bota esse cara lá!"
E fomos. Chegamos à Ilha Grande às
seis horas da tarde. O navio não podia
encostar, ficava longe, e eles iam buscar a gente
de bote. Sabe o que fizeram quando viram o navio
chegar? Dispararam as armas. Sabe por quê?
Para intimidar, para a gente ficar manso, que
era tudo povo vindo da revolução.
Duzentas e tantas pessoas no navio, rebocador
Laurindc Pita.
- Tinha mais gente do Partido além
do senhor?
- Só oito. Eu, Alberto, Caetano da Fonseca,
João Júlio, Pafúncio, Cipriano,
Zé Maria e mais outro. Mas quando cheguei
na Ilha Grande encontrei aqueles ladrões
do morro do Pinto, que eu conhecia do tempo que
eu morava na Saúde. Todos eles me apoiaram,
porque eu era muito cotado. Avisava eles quando
a polícia vinha chegando, acoitava, ajudava.
Os negociantes me pediam: "Avisa essa turma
para não assaltar aqui não."
Eu falava com eles, e eles me obedeciam. Quando
cheguei na Ilha Grande, eles disseram: "Ué,
você por aqui!" O outro pessoal dizia:
"Sai do meio desses ladrões, rapaz!"
Eu explicava: "Não, estou só
estudando."
- Que tratamento os presos recebiam na
Ilha Grande?
- Ah, quando chegamos lá, um tenente brabo
como o quê foi logo dizendo: "Aqui
quem trabalha tem tudo, quem não trabalha
apanha." Me disseram: "Aqui você
não chama mais nada, chama 168. Se não
atender a chamada pelo número, já
sabe."
- O senhor chegou a apanhar?
- Nunca apanhei, não. Mas vi três
morrerem de pancada. Queriam que eu tocasse na
banda de música, e eu disse: "Não
quero banda de música, nunca mais. Eu vou
tocar para o sujeito morrer? Vi um cara morrer
na pancada, com o padre rezando e a música
tocando. Não quero mais."
- E o que o senhor fazia lá?
- Trabalhava. Primeiro me mandaram trabalhar nos
botes. O sujeito veste uma capa, mas fica todo
molhado e tem que dormir com aquela roupa mesmo.
Aí o Souto Maior, que era o chefe da administração,
veio fazer uma inspeção, e eu disse:
"Não posso apanhar friagem porque
tenho uma doença venérea" -
que eu tinha mesmo. Ele então me perguntou:
"Você é ferreiro mesmo? Porque
vou precisar de um ferreiro aqui. Vamos lá
na oficina." Fui lá e fiquei como
encarregado. Um dia o Souto Maior me falou: "Olha.
vou fazer o seguinte, vou arranjar a sua libertação,
mas você vai me ajudar. Preciso fazer uma
estrada de ferro até o Abraão,17
preciso fazer uma lavanderia, e você é
que vai fazer isso."
- E o Souto Maior conseguiu de fato a
sua libertação?
- Conseguiu. Vim embora, e logo que cheguei fui
chamado pelo pessoal do sindicato para contar
o que se passava na Ilha Grande. Fizeram uma reunião
na sede de um partido lá, na rua da Conceição,
e eu falei: "Vi gente morrer, vi isso assim,
assim. Cumpri ordens do engenheiro da oficina,
que arranjou a minha libertação.
Deixamos um companheiro lá" - era
o Zé Maria. "Desde que chegou, fiz
tudo para ele vir trabalhar comigo, porque ele
era um bom mecânico. Não foi porque
despedaçaram o rapaz." Estava um monte
de gente lá, o Casini, o Josias Leão,
tudo ali. Quando acabei de falar, o Vinagre saltou,
e ficou contra mim. Ele disse: "Quero que
o companheiro diga qual é o seu destino."
Respondi: "No meu destino, quem manda é
o sindicato. Mas, se forem continuar como estão,
eu me retiro daqui."
- Ou seja, ele pôs em dúvida
a sua conduta na Ilha Grande. E o que o Partido
resolveu sobre o senhor?
- Tive um mês e pouco de estágio
para fazer um balanço, para contar qual
foi o meu procedimento. Estive quase para ser
expulso do Partido, porque os companheiros não
gostaram de eu ter ficado como encarregado do
Souto Maior, disseram que eu estava traindo. Me
mandaram dizer a minha posição,
e expliquei que todo o dinheiro que eu arranjava
trabalhando na oficina e vendendo coisas, eu mandava
para o coletivo. Aí, para me castigar,
me mandaram fazer um comício na praça
da Bandeira e ser o orador. Um comício
de combate ao capitalismo. O Batista Luzardo tinha
avisado que seria um suicídio se a gente
fizesse comício de protesto. Eu falei:
"Que diabo, vocês não têm
outro? Saí agora da cadeia!" Eles
disseram: "Não, tem que ser você."
Fui lá, fiz o comício, meti o pau,
fui aplaudido e fui me embora. Mas senti aquilo.
Pensei: "Poxa! Eu vim agora daquela ilha,
e eles querem me jogar na cadeia de novo!?"
- Em 1931 o governo promulgou uma lei
sindical subordinando os sindicatos ao Ministério
do Trabalho. Nos anos seguintes houve um grande
debate entre os antigos sindicalistas sobre a
adesão ou não ao sindicalismo oficial.
O senhor participou dessas discussões depois
que voltou da Ilha Grande?
- Eu dizia o seguinte: eu queria a autodeterminação
do sindicato, como era feito lá na América
do Norte. O Mário Sá Freire,18
que era um advogado safado do Getúlio Vargas,
disse que ninguém fosse na minha proposta,
que era uma proposta que eu aprendi fora do pais,
contra o país.
- Como é que o senhor teve contato
com essas idéias da América do Norte?
- Minha filha, eu fui andar para aprender. Me
mandavam, eu tinha que ir.
- Foi através de alguma pessoa,
de algum livro?
- Fui lá, está entendendo? Fui lá,
vi, conversei, que lá também tem
comunismo, minha filha.
- O senhor está dizendo que esteve
na América do Norte?
- É, a gente foi lá.
- Pelo Partido?
- Minha filha, como é que eu ia ter meio
de ir?
- Em que cidade da América do Norte
o senhor esteve?
- Só sei que era América do Norte.
Fiquei só três dias, por que estava
em trânsito.
- E como é que o senhor se entendia
com os americanos?
-
Eu não sabia falar inglês, mas tinha
uma cicerone. Eu também não sabia
falar russo. Como é que eu ia fazer? Levei
uma espanhola da Argentina, a Antônia, que
foi minha cicerone. Mas também não
demorei muito lá não, porque só
ficava mais tempo quem ia para a Escola Leninista.
- Então o senhor também
foi a Moscou. Como é que o senhor fez essa
viagem, seu João?
- Clan-des-ti-no. Viajei como praticante de máquina.
A polícia dizia: "Estamos atentos,
não sei o quê..." Mentira. Tinha
navio que levava gente para Hamburgo em camarote
de primeira.
- Mas como é que ficou acertado
que o senhor faria essa viagem, como foi feita
a combinação?
- Foi o seguinte. Nessa época, tinham arranjado
para eu trabalhar no Arsenal de Guerra. O Fernando
Lacerda19
foi lá no meu trabalho e disse: "Olha,
Lopes, você hoje vai comigo a uma reunião
no Irajá, porque você foi fazer uma
viagem. Vai estudar, acho que você deve
estudar um bocado, e tal." Dos metalúrgicos,
o primeiro que tinha ido para fora estudar era
o Casini. Depois me escolheram, queriam que eu
fosse ver o 1º de maio em Moscou. Fui a essa
tal reunião, e lá me deram dinheiro
e falaram: "Só compra sabonete e toalha
de rosto." Comprei aquilo, pedi uma licença
sem tempo no trabalho dizendo que estava doente,
e fui para casa esperar o camarada que ia me levar.
Nessa época, eu já tinha me separado
da mulher, morava com a minha mãe e as
minhas irmãs. Fiquei em casa esperando,
e comecei a ficar nervoso de bater a repressão
lá e complicar a vida delas. Três
dias depois apareceu lá a Vera, dizendo
assim: "Ô João, o que foi que
houve com você? Está todo mundo revoltado,
porque você combinou de viajar e não
apareceu." Eu disse: "Como é
que eu não apareci? Estou aqui esperando,
com a mala pronta!" Aí eu vi que ela
ia mandar o homem. Afinal foi o cara lá
em casa e me pegou.
- Foi mais alguém junto com o senhor
nessa viagem?
- Fomos quatro. Eu, Salvador Cruz e dois de São
Paulo. Fui com um de São Paulo para Montevidéu,
e de lá para Barbados, onde encontramos
com os outros. De lá fomos para a América
do Norte, depois para Hamburgo. Nessa época,
já tinha a reação de Hitler.
E sempre nesses lugares tinha camaradas esperando.
Em Hamburgo encontrei com essa Antônia,
de quem já falei, e de lá fomos
para Odessa. E Odessa já é Rússia.
- Quanto tempo o senhor ficou em Moscou?
- Três meses. Ficamos numa concentração,
numa escola. Tinha gente lá de quase todos
os países que hoje são socialistas.
Era gente à beça, não era
brincadeira não.
- E o que o senhor fazia?
- Estudava. Fazia o que você está
fazendo, conversava. Me perguntavam como era a
vida dos trabalhadores aqui, quanto ganhavam,
quantas horas trabalhavam, se tinham férias,
se tinham aposentadoria. Eles também contavam
a vida dos líderes deles, diziam como foi
a revolução. Eram quatro horas de
estudo por dia, e toda semana tinha uma sabatina.
- O senhor visitou fábricas, escolas?
- Visitei uma escola, umas igrejas. Levaram a
gente nas igrejas para testemunhar que elas existiam.
Fomos também convidados para assistir a
um casamento numa fábrica, porque aqui
eles diziam que lá não casava ninguém,
que lá o amor era livre. Eu mesmo queria
ver como é que vivia a juventude lá,
compreendeu? Uma vez nos levaram a uma praia de
nudismo. Cheguei lá, tinha aquelas fileiras
de chapéus-de-sol grandes, com duas, três,
quatro cadeiras. A gente chegava, tirava o roupão
e sentava ali. Fui até censurado, sabe?
Desculpe estar falando isso com vocês, não
pensem que é abusar...
- Não.
- Chega uma mulher bonita, forte, revolucionária.
Tira o roupão e senta ali, nua - bem perto,
que nem você está sentada aí.
A carne reina, não é? A Antônia
me passou uma esculhambação: "Mas
que homem! Você está pensando...
"Eu disse: "Não estou pensando
em mulher, não. Você é que
fica aí toda nua sentada na minha frente."Diz
ela: "Olha que você perde ponto, hein?"
- O que é que o senhor acha que
aprendeu de importante nessa viagem?
- Vou dizer. Sou brasileiro, está vendo?
Eu ganhei muito, porque a Antônia me auxiliou
e falei a realidade. Falei o que estou falando
com vocês. E todos queriam ouvir o que eu
fiz, como eu nasci, como era a questão
racial no Brasil, isso tudo. Por isso, nas sabatinas,
eu passava à frente dos intelectuais. Eles
não sabiam dizer, porque nunca fizeram
o que eu fiz, só estudaram.
- O senhor conhecia a vida dos trabalhadores.
- É. Para ser um profissional, não
precisa ser intelectual, não. A gente aprende.
Na questão social, eu ganhava de todo mundo,
daqueles intelectuais bons de lá que nunca
te entendem.
- Portanto, foi ao voltar dessa viagem
que o senhor foi acusado por Mário Sá
Freire de ter idéias estrangeiras sobre
o sindicato. Mário Sá Freire era
ligado ao Ministério do Trabalho.
- Ele era secretário do Getúlio,
lá do Catete, minha filha! Queria controlar
os sindicatos. Queria fazer um estatuto para os
metalúrgicos, mas nós não
aceitamos, botamos ele para correr com estatuto
e tudo. Quando cheguei da viagem, fui ao Palace
Hotel, onde trabalhava o Bartolomeu Wanderley,20
e ele me avisou: "Olha. o Sá Freire
veio lá de Botafogo e está querendo
fazer um sindicato assim, assim."21
- Ele queria que os sindicatos se registrassem
no Ministério do Trabalho.
- Ele queria, e eu era contra. A minha luta era
contra, como essa que tem aí agora na Polônia.
O princípio do sindicato é a luta
independente de classe. O que é a independência
de classe? Nós obedecermos a nós
mesmos.
- E como terminou essa luta?
- Perdemos. O Ministério do Trabalho ia
fazer isso, ia fazer aquilo, e o povo balançou.
Portanto, o sindicato ficou como um adendo ao
Ministério do Trabalho. Teve até
um congresso aqui, para a filiação
dos sindicatos ao Ministério do Trabalho,
e eu e outros companheiros ficávamos em
cima dos delegados: "Não vota com
o Salgado Filho,22
não vota com esse cara, não."
Aí, na véspera do congresso, me
avisaram que eu ia ser preso, e tive que fugir.
Fui para o Espírito Santo e passei uma
semana lá. Os companheiros que sustentaram
a nossa tese perderam. A maioria não quis.
- Em relação ao Partido,
quais foram suas tarefas ao voltar de viagem?
- Depois que voltei da viagem, fui trabalhar na
comissão de organização do
Partido. Tinha a comissão sindical, a de
finanças, a de agitação,
mas quem dava as ordens era a de organização.
Ia ter uma conferência do Partido, e eu
tinha que fazer um estudo para o temário.
Levei 71 dias correndo as empresas e fábricas,
vendo se tinha higiene, se tinha luz, quanto ganhavam
os operários, quantas horas de serão
faziam. Tinha que fazer um relatório disso
tudo.
- O senhor visitava só as fábricas
onde havia bases do Partido?
- Acontecia o seguinte: chegava muita gente de
fora, e o Partido sempre arranjava emprego para
esse pessoal. Sempre tinha um numa fábrica,
nem que fosse um só. Esse sujeito me dava
informação do que se passava lá.
Algumas fábricas também davam consentimento
para eu entrar, porque eu era do sindicato.
- Já que o senhor visitou tantas
fábricas, como eram as condições
de trabalho dos operários?
- Péssimas. Era uma luta. Ganhamos as oito
horas, mas tinha muito patrão que não
obedecia e não pagava extraordinário.
- Havia uma pausa no trabalho para comer?
- Parava para comer. O Arsenal de Guerra, por
exemplo, dava uma comida boa: ensopado, arroz,
um copo de leite. Muitos não almoçavam,
levavam aquela bóia para casa. Eu era sozinho,
não tinha família, não levava
nada. Mas tinha um rapaz com quatro filhos que
trazia um garrafão e uma lata de banha
pra botar a comida e o leite que sobravam, para
sustentar a família.
- E as condições de moradia?
Onde moravam os trabalhadores?
- Os trabalhadores não eram muito chegados
lá para cima dos morros, não. Preferiam
pagar aluguel aqui embaixo. As fábricas
de tecido, principalmente, faziam casa para operário.
Agora, se saísse da oficina, perdia a casa.
Tinha que ficar escravo daquele negócio
ali. Muitos gostavam daquilo, porque sabiam que
a mulher ficava em casa ali perto. O sujeito não
queria mulher trabalhando, não. Havia essa
concepção aqui. Mas vi na Rússia
que a mulher tinha que trabalhar. Mulher não
é só para cama e mesa, não.
- O senhor participou da conferência
do Partido?23
- A conferência foi num sítio lá
para dentro de Niterói. Durou seis dias,
mas só cheguei no último, porque
se desencadeou uma porção de greves
no Rio, e eu tinha que estar aqui para ver, para
escolher os sujeitos mais destemidos, mais combativos,
para serem dirigentes.
- Para que foi feita essa conferência?
- Para receber Prestes dentro do Partido. Ele
estava trabalhando como engenheiro em Moscou,
teve vontade de pertencer ao Partido, mas lá
não podia. Só aqui. Fizeram a proposta,
e todo mundo apoiou. Teve também a questão
de fazer o secretariado do Nordeste. Na verdade
já estava feito, mas tínhamos que
aprovar. Cristiano Cordeiro, Zé de Lima,
esse pessoal todo é que era do secretariado
do Nordeste.
- O senhor se lembra de outras questões
que tenham sido discutidas na conferência?
- Discutimos sobre o integralismo, o fascismo,
não é? Discutimos a questão
do petróleo.
- Depois dessa conferência, o senhor
recebeu alguma outra missão do Partido?
- Passei três meses em Barra do Pir,aí,
organizando os camponeses. Chegando aqui, logo
me mandaram para Niterói, para fazer um
plano de greve geral. Eu era o cachorrinho para
mandar para todo canto. Fui para lá com
Zé Medina e João Medeiros, que era
o mestre das barcas da Cantareira, e começamos
a preparar.
- Qual era a razão dessa greve?
- Reivindicações do povo, barcas
mais baratas, essas coisas. Mas o problema é
que não tinha uma federação
organizada. Só se pode fazer uma greve
geral quando tem uma federação no
comando. Uma greve qualquer se faz por uma situação
econômica. Uma greve geral já é
uma greve política. Então fizemos
um comitê de greve geral, que saía
instruindo a massa, fazendo manifesto, e um comitê
ilegal, que era dos comunistas. Muito bem, quando
estamos no meio da preparação, chega
lá um deputado que esqueço o nome
e diz assim para mim: "Santa, trago aqui
um recado para você. Tem uma catraia te
esperando para você ir para o Rio às
11 horas, que estão precisando de você
urgente." Fiquei até com medo. "Meu
Deus! Será que fiz alguma coisa?"
Afinal vim.
- Antes da greve começar.
- Antes. Depois eu soube que a greve não
foi satisfatória como tínhamos planejado,
porque não foi geral. Teve uma num estaleiro,
outra noutro. Afobaram, e saíram sem o
pessoal estar organizado.
Por isso é que no começo da luta
nós queríamos ter uma federação.
- Ao chegar ao Rio de Janeiro, o que aconteceu
com o senhor?
- Me puseram num carro e me levaram para uma casa
rica lá no alto de um morro, passando a
Praça Saens Peña. Estavam lá
o Cristiano Cordeiro, o Fernando Lacerda e uns
outros. Eles disseram: "Olha, Santa, chegou
uma carta do secretariado do Nordeste dizendo
que eles botaram um rapaz lá para tomar
umas fazendas e houve um choque com a polícia.
Há três pessoas feridas internadas
na Santa Casa. Já mandamos um companheiro
para lá - era o Miguel, um engenheiro da
Light, rapaz jovem - e queremos que você
vá também. Escolha aí alguém
para seguir com você."
- Para onde o senhor tinha que ir?
- Para o Rio Grande do Norte. Chamei o Jabatão,
que era de Natal, mas estava fora há um
ano, recebemos um dinheiro e fomos embora.
- O que exatamente o senhor ia fazer no
Rio Grande do Norte?
- Eu ia fazer o seguinte: tapar aquele buraco
errado que fizeram, botando o povo da roça
para assaltar as fazendas. Também me disseram:
"Olha, o Partido lá está dividido.
Está havendo uma briga de irmão
com irmão por causa de uma cooperativa
de sapateiros. Um grupo não quer obedecer
à direção, e você vai
para fazer a unidade."
- Tratava-se portanto de uma missão
difícil. O senhor aceitou ir para o Nordeste
por disciplina, ou foi porque ficou com vontade
de ir?
- Aceitei porque sempre gostei de respeitar a
opinião dos camaradas. Eu não adulava
ninguém, não pedia a ninguém
para ir a lugar nenhum. Havia uma certa simpatia
sobre mim. Quando tinha algum trabalho duro, logo
apontavam o "Santa". O Fernando Lacerda,
quando precisava de alguma coisa, logo dizia:
"Manda o Santa, que ele resolve esse problema."
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Notas
17
- Abraão é uma pequena localidade
com atracadouro existente na Ilha Grande, do lado
oposto ao presídio.
18 - Mário Bolívar
Peixoto de Sá Freire era fluminense, advogado
e funcionário público. Durante os
anos 20 praticou a advocacia para alguns sindicatos
cariocas, e certamente devido a esses contatos
foi designado oficial de gabinete do ministro
do Trabalho, Indústria e Comércio
em 9 de abril de 1932, função que
exerceu até 23 de março de 1933.
Nessa data foi nomeado procurador do Departamento
Nacional do Trabalho, continuando a manter seus
vínculos tanto com sindicatos quanto com
autoridades ministeriais.
19 - Fernando Lacerda era médico
e, tal qual seu irmão Paulo, ingressou
no Partido Comunista nos anos 20. Nos inícios
dos anos 30, foi um dos principais dirigentes
do PC e um dos maiores responsáveis pela
vitória da linha de "proletarização",
que envolveu, inclusive, o afastamento de Astrojildo
Pereira.
20 - Bartolomeu Maurício
Wanderley (1892-1968) era baiano e metalúrgico,
Aproximou-se do movimento anarquista em 1917,
e em 1918 associou-se a União Geral dos
Metalúrgicos. Em 1922, quando já
se afastara do anarquismo participou da fundação
do efêmero Partido Laborista do Brasil,
juntamente com outros ex-militantes que não
ingressaram no comunismo. Em 1923, colaborou na
reorganização da União dos
Operários Metalúrgicos do Brasil,
tende integrado o grupo que derrubou Amaro de
Araújo em 1926. Em 1932, foi um dos principais
articuladores do movimento de "reorganização
sindical", que reuniu a "velha guarda",
ou seja, aqueles que haviam militado em um sindicato
"livre do Estado". Escreveu um depoimento
intitulado Histórico sobre a vida operária
metalúrgica, datado de 1959, mimeo.
21 - Desde 1929, o antigo sindicato
metalúrgico atravessava um período
difícil. Fechado nesse ano, reabriu em
1930 logo após a vitória da revolução,
para ser mais uma vez colocado fora da lei por
manter uma linha politicamente independente. Foi
nesse contexto que surgiu, através das
articulações de Mário Bolívar
de Sá Freire, uma nova entidade sindical:
o Sindicato dos Operários em Artefatos
de Metal. Instalado a 12 de abril de 1931, logo
após a primeira lei de sindicalização,
c situado na Rua Mena Barreto, em Botafogo, foi
liderado pelo operário Mário Coelho
Teixeira. Esse sindicato foi reconhecido oficialmente
pelo Ministério do Trabalho em 3 de agosto
de 1931, mas só subsistiu até a
"reorganização sindical"
em 12 de novembro de 1932, que resultou na União
dos Trabalhadores na Indústria Metalúrgica,
nova designação da tradicional associação
de classe dos metalúrgicos, dessa feita
sob chancela oficial.
22 - João Pedro Salgado
Filho (1885-1950) era advogado e em 1930 apoiou
a revolução. Com a vitória
do movimento foi designado 4° delegado auxiliar
da polícia do Distrito Federal, função
que ocupou até 6 de abril de 1932, quando
foi nomeado ministro do Trabalho, Indústria
e Comércio em substituição
a Lindolfo Collor. Nessa posição
coordenou e exerceu influência no processo
que elegeu os deputados classistas da Assembléia
Nacional Constituinte de 1933. Permaneceu no ministério
até 23 de julho de 1934, quando da promulgação
da nova Constituição.
23 - A I Conferência Nacional
do PCB realizou-se em 1934, e nessa ocasião
Antônio Maciel Bonfim (Miranda) foi eleito
secretário-geral do partido, integrando,
juntamente com Lauro Reginaldo da Rocha (Bangu),
Honório de Freitas Guimarães (Martins)
e Adelino Dúcola dos Santos (Tampinha),
o Secretariado Nacional. Data dessa época,
com a entrada de Luis Carlos Prestes no PC, a
predominância de uma linha putschista que
iria provocar reações tanto na ANL
quanto no interior do próprio partido.
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de Serviço
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