Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
Praxedes, um operário no
poder
Praxedes:
Um Operário no poder
A Insurreição de
1935 vista por dentro
Moacyr de Oliveira Filho
Editora Alfa-Omega,1985
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de Produção
Introdução
Durante
quatro dias o Brasil teve um governo comunista.
Isso aconteceu em novembro de 1935 em Natal, capital
do Rio Grande do Norte, quando um grupo de cabos,
sargentos e militantes do Partido Comunista do
Brasil sublevaram o quartel do 21.º Batalhão
de Caçadores, fizeram dezenas de prisioneiros,
entre eles o chefe de polícia da cidade,
João Medeiros, e proclamaram a constituição
de um Governo Popular Revolucionário, integrado
por cinco membros, enquanto o governador do Estado,
Rafael Fernandes, se asilava na sede do Consulado
italiano.
A rebelião
começou às 7 horas da noite de um
sábado, dia 23 de novembro, e resistiu
até as primeiras horas da manhã
do dia 27, quando, com a notícia da chegada
iminente das tropas legalistas sediadas em Recife
e em João Pessoa, os últimos membros
do Governo Popular Revolucionário optaram
por abandonar a Vila Cincinato, palácio
residencial do governador e que serviu de sede
para os rebeldes, pondo fim à primeira
e única experiência de um governo
comunista no Brasil.
Apesar
da importância histórica do movimento,
conhecido como a Insurreição Comunista
e chamado discricionariamente pelos militares
de “Intentona Comunista”, o material
bibliográfico disponível sobre o
assunto, se não chega a ser precário,
é, sem dúvida, cheio de lacunas,
principalmente no que diz respeito exatamente
aos 4 dias em que Natal esteve sob o domínio
do Governo Popular Revolucionário. Só
para se ter uma idéia, a obra mais completa
sobre o tema ¹ – o livro do historiador
Hélio Silva, 1935 – A Revolta Vermelha
– dedica apenas seis das suas 476 páginas
ao desenvolvimento da revolta em Natal, citando
apenas de passagem a ação desenvolvida
durante aqueles 4 dias pela Junta do Governo.
Provavelmente
por essa deficiência bibliográfica,
acentuada pelo fato de nenhum dos líderes
do movimento ter deixado registrada essa experiência
², pouco se sabe do que efetivamente ocorreu
naqueles dias de novembro de 1935, em Natal. Segundo
relato de Hélio Silva, “o levante
de Natal foi uma revolta de cabos, sargentos,
operários, funcionários públicos.
A maioria nada sabia de comunismo. Nem mesmo os
dirigentes do movimento, os poucos declaradamente
comunistas, tinham formação marxista.
Eram revoltados, simplesmente. O elemento de mais
popularidade, o sargento Quintino, da banda de
música do Regimento, não era letrado.
Acreditava apenas que o comunismo solucionaria
os problemas brasileiros. O grosso dos adesistas
julgava tratar-se de um movimento para repor o
interventor Mário Câmara” ³.
A Versão histórica apresentada por
Hélio Silva não está totalmente
desvinculada da realidade. No entanto, não
chega a conferir exatamente com o depoimento que
revelamos neste livro. Se é verdade que
a maioria dos participantes da Insurreição
pouco sabia da teoria marxista-leninista, também
é verdadeira a versão de que todo
o movimento insurrecional foi preparado e executado
sob o comando e a direção do Partido
Comunista do Brasil e de seus militantes. Seja
em Natal, onde foi vitorioso por 4 dias, seja
em Recife ou no Rio de Janeiro, onde embora derrotado
logo no início, ganhou mais notoriedade
e repercussão, principalmente pela divulgação
exagerada das versões oficiais dando conta
de assassinatos a sangue-frio, execuções
de soldados dormindo e outras atrocidades que
fazem parte mais do folclore e do surrado discurso
que serviu de base à implantação
de uma ideologia anticomunista entre nossas Forças
Armadas, do que retratam com fidelidade o que
efetivamente ocorreu. São, segundo Hélio
Silva, versões deturpadas.
Embora
se reconheça que houve erros na deflagração
do movimento insurrecional de 1935, principalmente
no que diz respeito à sua precipitação,
à falta de um melhor trabalho político
entre as massas e à sua restrita ação
dentro dos quartéis, principalmente nos
casos de Recife e do Rio de Janeiro, já
que Natal foi o único lugar onde houve
efetivamente uma maior participação
popular na revolta, não se pode negar a
sua importância histórica.
A Insurreição
de 1935 surgiu no contexto de uma certa liberdade
política existente no Brasil depois da
promulgação da Constituição
de 1934, de fortes características liberal-populistas.
Dentro desse clima, aliado ao fortalecimento do
pensamento integralista no país e aos evidentes
sinais de simpatia do Governo Vargas pelo fascismo,
então em Ascenso na Europa, a situação
política no Brasil de 1935 viveu um processo
crescente de ebulição. De um lado,
uma relativa liberdade permitia o crescimento
dos movimentos reivindicatórios. De outro,
os setores de direita pressionavam o governo no
sentido de endurecer o regime. Essa situação
levou a uma radicalização do processo
político, criando as condições
subjetivas para a eclosão da revolta.
Ao
lado, disso, as dificuldades econômicas
vividas principalmente pelas classes menos favorecidas
alimentavam o clima para uma rebelião.
A Insurreição de 1935 está
intimamente ligada com o surgimento da Aliança
Nacional Libertadora, um amplo movimento de massas
que pretendia unir os setores democráticos
e populares para se opor ao crescimento do fascismo
e em oposição ao Governo Vargas
que, àquela altura, já começava
a apresentar os primeiros sinais de uma postura
autoritária e antipopular.
Centrada
num programa mínimo que defendia a suspensão
do pagamento da dívida externa, a nacionalização
das empresas estrangeiras, a divisão das
terras dos latifúndios com a adoção
da Reforma Agrária, a defesa das mais amplas
liberdades políticas e democráticas
e a instauração de um governo de
cunho popular, a ANL crescia e empolgava as massas.
Essa
intensa atividade política gerava instabilidade
social e radicalização entre as
forças de direita e de esquerda. Com o
fechamento da ANL em julho de 1935 por Getúlio
Vargas, essa instabilidade atingiu o ápice.
O governo deveria optar por consolidar a democracia
ou buscar uma alternativa autoritária que
contivesse as pressões populares. Foi dentro
desse clima que eclodiu a Insurreição
de 1935.
Depois
do fechamento da ANL, o Partido Comunista do Brasil
– que participava dessa aliança popular
– passou a orientar seus militantes para
a preparação de um movimento armado
contra o regime de Vargas. Em agosto de 1935,
o delegado do partido ao VII Congresso da Internacional
Comunista dava o seguinte informe sobre a situação
no Brasil: “A luta revolucionária
atingiu agora seu ponto culminante. Entre as classes
e os partidos dominantes reina profunda divisão.
Os imperialistas e seus agentes métodos.
É evidente no país uma crise revolucionária.
Nós nos aproximamos rapidamente dos combates
decisivos para a derrubada do governo nacional-revolucionário.
A palavra de ordem ‘Todo poder à
Aliança Nacional Libertadora’ une
as mais amplas massas populares”.4
A insurreição
ocorrida logo depois estava, portanto, de acordo
com a orientação política
traçada pelo partido. É evidente
que o movimento insurrecional foi preparado e
dirigido pelo Partido Comunista do Brasil, fato
esse admitido no relatório do delegado
Eurico Bellens Porto, encarregado do inquérito
policial sobre a revolta no Rio de Janeiro, que
afirma: “Uma série de documentos,
reunidos nos autos, evidenciam que o Partido Comunista
do Brasil foi o verdadeiros organizador e orientador
da insurreição, estendendo a ação
que desenvolveu desde a propaganda de caráter
doutrinário nas escolas e quartéis,
à explanação e traçados
de planos de luta e técnicas de combate”5.
Essas
breves considerações históricas
sobre a Insurreição de 1935 servem
para situar o pano de fundo da vida política
brasileira naqueles dias. Este livro não
pretende ser um tratado histórico, uma
análise política daquele movimento.
Ao contrário, ele é apenas um depoimento
jornalístico de um dos principais participantes
da Insurreição em Natal, o sapateiro
José Praxedes de Andrade, secretário
de aprovisionamento do Governo Popular Revolucionário
e membro da direção Regional do
Partido Comunista do Brasil, na época da
revolta.
Citado
de passagem das obras escritas sobre a Insurreição,
Praxedes nunca havia sido ouvido sobre esses episódios.
Alguns historiadores chegam mesmo a mencionar
que o sapateiro José Praxedes nunca mais
foi visto desde a derrota do movimento em Natal
6. Vivendo na mais absoluta clandestinidade e
sob o nome falso de Eduardo Pereira da Silva,
desde que conseguiu fugir de Natal, no começo
de 1936, só em 1984 – quando o localizei
vivendo próximo de Salvador, sob sua nova
identidade – é que Praxedes deixou
sua clandestinidade voluntária, ao prestar
um longo depoimento sobre sua vida e a Insurreição
de 1935.
Apesar
de prejudicado pela morte de Praxedes em dezembro
de 1984, menos de um mês depois de deixar
gravado mais de 10 horas de depoimento, este trabalho
preenche uma lacuna na memória política
brasileira. Sem ter a pretensão de analisar
o conteúdo, as causas e as conseqüências
da Insurreição de 1935, este livro
resgata para a memória histórica
nacional a experiência política do
sapateiro Praxedes. Pelo caráter documental
do trabalho, preocupei-me apenas em checar as
informações históricas básicas.
No fundamental, os fatos aqui narrados constituem
a íntegra do depoimento e a versão
que José Praxedes de Andrade dá
aos episódios em Natal, em novembro de
1935. Em alguns pontos ela difere das versões
já publicadas, acrescenta fatos novos ou
dá informações até
então inéditas. A publicação
desse depoimento, (salvo engano, o primeiro de
um dos membros do Governo Popular Revolucionário
de 1935) contribui para a memória e a historiografia
nacional, ao mesmo tempo que fornece novas informações
para se tentar reconstituir com mais detalhes
o que foram os 4 dias do primeiro governo comunista
instalado no Brasil.
Além
de reconstituir a preparação, a
eclosão, o desenvolvimento e a derrota
da Insurreição, o livro aborda passagens
significativas de trajetórias de vida do
sapateiro José Praxedes de Andrade, desde
o seu nascimento em 6 de abril de 1900 até
sua morte em 11 dezembro de 1984. A título
de complementação histórica,
publico dois anexos a este livro: o “Programa
do Governo Popular Nacional Revolucionário”,
e um documento intitulado “A gloriosa bandeira
de 1935”, de autoria do líder comunista
Pedro Pomar, publicado no jornal A Classe Operária
n.º 102, de novembro de 1975, onde o Partido
Comunista do Brasil faz uma avaliação
crítica do movimento de 35.
Agradeço
ao deputado Haroldo Lima, incentivador desse trabalho
e um dos responsáveis pela localização
de José Praxedes; aos companheiros Renildo
de Souza e Paulinho Batucada, que me acompanharam
durante as seguidas viagens até Mapele;
ao companheiro e amigo Walter Madeiros, jornalista
de Natal, que me enviou alguns materiais bibliográficos
importantes para as pesquisas históricas
complementares; e ao jornalista Danúbio
Rodrigues, que, igualmente, me municiou de documentou
históricos básicos sobre a Insurreição.
1.
SILVA, Hélio. 1935 – A Revolta Vermelha,
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,
1969, págs. 279 a 284.
2. Dos cinco integrantes do Governo Popular Revolucionário,
localizei apenas um curto depoimento de João
Galvão, secretário de Viação
do Governo rebelde, publicado em História
das Revoluções Brasileiras, volume
2, de Glauco Carneiro (Edições O
Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1965). Dos participantes
ou contemporâneos do movimento, existem
ainda duas obras de João Medeiros Filho,
chefe de polícia de Natal, na época
da revolta – “Meu Depoimento”
(Imprensa Oficial, Natal, 1937) e “82 Horas
de Subversão” (Imprensa Oficial,
Natal, 1980); uma entrevista de Giocondo Dias,
à época cabo do 21.º BC e um
dos líderes do movimento no quartel, publicada
em Giocondo Dias: Os objetivos dos comunistas
(Editora Novos Rumos, São Paulo, 1983,
págs. 139 a 164); o livro A vida de um
revolucionário, de Dinarte Mariz (Editora
Centro Gráfico do Senado, Brasília,
1975), e o livro Vertentes, de João Maria
Furtado, à época juiz de direito
da Comarca de Baixa Verde (Gráfica Olímpia
Editora, Rio de Janeiro, 1976). Embora não
diretamente ligado ao movimento de Natal, o tema
é, também, abordado no livro Do
Sindicato ao Catete, de João Café
Filho (José Olympio Editora, Rio de Janeiro,
1966, nas págs. 80 a 92), que na época
da Insurreição era deputado federal
pelo Rio Grande do Norte.
3. SILVA, Hélio, obre citada, pág.
280.
4.
“A Manhã”, Rio de Janeiro,
5 de junho de 1936, publicado em SODRÉ,
Nelson Werneck, Contribuição à
História do PCB, Global Editora, 1984.
5.
Relatório do delegado Eurico Bellens Porto,
“A Insurreição de 27 de novembro”,
Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1936.
6. O brazilianista Robert Levine afirma em seu
livro o Regime de Vargas: os anos críticos
1934-1938 (Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro,
1980, pág. 166) que Praxedes “fugiu
logo depois do desmantelamento da revolta e nunca
mais foi visto”. Em outro trecho, numa nota
na página 189, o autor afirma: “Nos
primeiros anos da década de 60, um mulato
claro que trabalhava de sapateiro em Salvador
foi identificado por pessoas simpáticas
à causa da ANL como sendo o famoso Zé
Praxedes”.
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