Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
Praxedes, um operário no
poder
Praxedes:
Um Operário no poder
A Insurreição de
1935 vista por dentro
Moacyr de Oliveira Filho
Editora Alfa-Omega,1985
Nosso
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de Produção
9.
A precipitação do levante
No
dia 23 de novembro de 1935, um sábado,
a cidade de Natal amanheceu em calma, mas iria
dormir com o espoucar dos primeiros tiros da Insurreição
Comunista. Ninguém em Natal poderia prever
que aquele sábado ficaria definitivamente
marcado para a História do Brasil como
o dia em que explodiu o chamado “levante
vermelho”. O próprio chefe de polícia,
João Medeiros, registrou posteriormente
sua surpresa com o desencadear da rebelião
naquela noite, contrastando, com a tranqüilidade
– vivida durante todo o dia.
“Dia
normal, sem uma preocupação maior.
Apenas, pela manhã, recebi um telefonema
do ‘21’, informando que alguns praças
do Batalhão tinham sido expulsos por incapacidade
moral. Fato banal esse, em polícia. Tomei
as providências comuns, recomendando aos
delegados que se precatassem contra esses elementos”,
relata João Meideiros em seu livro 82 Horas
de Subversão¹.
A previsão
do chefe de polícia de Natal estava totalmente
equivocada. Aquele dia, que ele considerou normal,
e a expulsão de alguns praças do
quartel, considerada por ele como um fato “banal”,
ao contrário, contribuíram, certamente,
para precipitar a eclosão da insurreição.
Versão semelhante é dada pelo general
Antônio Carlos Muricy que, em seu livro
sobre a revolta, afirma: “Tudo indica que
o movimento deveria eclodir apenas nos últimos
dias de novembro, ou mesmo depois. Entretanto,
na sexta-feira, dia 22 de novembro, um grupo de
cabos ligados à intentona (sic) foi envolvido
em incidente grave, que resultaria obrigatoriamente
em sua prisão. É corrente a versão
de que, sabendo que com isso ficariam impedidos
de tomar parte na ação prevista
para a semana seguinte, resolveram antecipar a
luta”².
As
versões são muitas – fala-se
até mesmo em infiltração
policial –³, mas em todas elas há
um ponto comum: não havia nenhuma determinação
oficial do partido para que a insurreição
fosse desencadeada no dia 23 de novembro em Natal.
o que aconteceu lá foi, sem duvida, uma
precipitação dos militares do 21º
BC, cujo principal responsável foi o cabo
Giocondo Dias. O próprio Luiz Carlos Prestes
reconhece em suas memórias essa precipitação:
“E acabou com a insurreição
eclodindo, espontaneamente, em Natal. Não
creio que tenha havido uma provocação.
Foi um erro de agitação. . . O que
aconteceu em Natal fugiu ao nosso controle. .
. Há muitas versões sobre esse levante.
Fala-se de provocação, mas a verdade
é que foi um movimento espontâneo,
sem ordem da direção do partido”4.
Às
três horas da tarde daquele sábado,
Giocondo procura a direção do partido
que estava reunida desde manhã para comunicar
a Praxedes e Santa que a revolta era iminente.
“Giocondo nos expõe que o Batalhão
estava em pé de guerra e que era impossível
evitar a eclosão do movimento rebelde naquele
dia. O Giocondo disse que a revolta no quartel
era muito grande porque iria haver uma dispensa
de diversos soldados. Na verdade, o que havia
no quartel é que os elementos da Guarda
Civil organizada por João Café e
dissolvida pelo governador Rafael Fernandes estavam
por lá insuflando os soldados a se revoltarem.
O Giocondo chegou nessa reunião, fez esse
relato e disse que não dava mais para esperar.
Nós não tínhamos condições
de assumir o início da rebelião
porque não havíamos recebido nenhuma
instrução oficial do partido em
Recife e dissemos isso para Giocondo. Eu propus
que esperássemos uns 10 dias, prazo para
que a direção do partido em Recife
fosse consultada a respeito da oportunidade de
se desencadear o levante naquele momento. Giocondo
não aceitou. ‘Não pode passar
de hoje’, retrucou. O Quintino ficou calado
o tempo todo. Estava criado o impasse e nós
não podíamos fazer nada. Éramos
a direção política do partido,
mas Giocondo é quem controlava o trabalho
entre os militares no quartel e, se ele ordenasse
o início da revolta, nós não
teríamos condições de impedir.
Nessa situação, dissemos para ele
que, se era assim, iríamos, convocar o
conjunto do partido para pegar em armas também,
embora nossa opinião fosse de que seria
melhor esperar mais uns dias para consultar a
direção em Recife” –
conta Praxedes.
Praxedes
justifica seu pedido de um prazo de 10 dias para
a eclosão do movimento: “Pedi a Giocondo
dez dias de prazo para consultar a direção
do partido em Recife porque não havíamos
recebido nenhuma instrução para
desencadear o levante. Nós sabíamos
que havia esse plano mas não tínhamos
nenhum sinal verde da direção. Eu
não poderia fazer um negócio desses
por minha conta. Giocondo foi indisciplinado e,
com essa atitude, revelou toda a sua formação
golpista. Ele foi o principal responsável
pela precipitação dos acontecimentos
em Natal”.
Giocondo
Dias dá uma versão diferente desses
fatos, afirmando que a direção da
ANL queria que o batalhão se levantasse
às duas da tarde e os militares discordaram
preferindo que o movimento começasse às
sete horas da noite5. Essa versão, no entanto,
parece estar longe da verdade. Em primeiro lugar,
porque em novembro de 1935 não havia mais
em Natal nenhuma célula organizada da ANL,
muito menos uma direção formal.
Aliás, a ANL propriamente dita sempre foi
incipiente no Rio Grande do Norte6, principalmente
depois de decretada a sua ilegalidade. Quem dirigia
o trabalho político e de agitação
era o Partido Comunista do Brasil. Depois, porque,
além do depoimento de Praxedes, existem
outros registros bibliográficos dando conta
de que a direção do partido em Natal
foi comunicada de insurreição horas
antes de seu início. O brasilianista Robert
Levine, por exemplo, registra em seu livro O Regime
de Vargas, Os Anos Críticos, 1934-1938,
que o chamamento às armas “fora transmitido
diretamente aos líderes rebeldes no quartel
do Regimento e não aos chefes do PCB local.
Santa, agente do partido, diria mais tarde aos
seus superiores no Recife que fora informado do
iminente levante apenas quatro horas antes da
sua eclosão, muito embora o comitê
regional do PCB estivesse em sessão desde
a manhã do mesmo dia”7. Essa versão
coincide com o relato de Praxedes, inslusive no
horário. Ou seja, a direção
do partido foi informada do levante às
três horas da tarde. Quatro horas antes
dele explodir.
Diante
da posição intransigente e decidida
assumida pelo cabo Giocondo e referendada pela
sargento Quintino, o dirigente do trabalho do
partido no quartel do 21º BC – “Nós
consultamos o Quintino, que tinha ficado calado
o tempo todo, e ele confirmou o que Giocondo dizia.
‘É, não dá para segurar.
Está tudo preparado’, disse Quintino”
– relembra Praxedes; a direção
do partido decide engajar seus militantes na rebelião
e só fez uma exigência. É
Praxedes quem conta: “Está certo
– eu disse. Quando vocês tomarem o
batalhão, nós vamos colocar nossa
gente lá. Eu quero fardas. Vamos fardas
todo mundo”.
Essa
reunião, segundo Praxedes, durou até
às cinco horas da tarde, quando Quintino
e Giocondo voltaram ao quartel. “Imediatamente
nós passamos a informação
para todas as células, colocando todo o
nosso pessoal a informação para
todas as células, colocando todo o nosso
pessoal de prontidão. O secretário
de organização do partido era um
funcionário do porto chamado do José
Costa, um sujeito muito eficiente e, em pouco
tempo, todos os organismos já estavam preparados
para participar do movimento. Na hora marcada
nós enviamos um emissário ao quartel
e o Quintino lhe transmitiu a informação
de que tudo estava correndo bem. O batalhão
estava sob o comando dos rebeldes, sem que tivesse
havido nenhuma resistência” –
rememora Praxedes.
A
tomada do 21º BC foi rápida e eficiente.
Aproveitando-se do fato de que apenas um oficial
de dia estava no quartel, os rebeldes assumiram
o comando sem nenhuma resistência, liderados
pelo sargento Eliziel Dinis Henrique, pelo cabo
Estêvão e pelo sargento Quintino,
que, depois de controlada a situação,
assumiu o comando da rebelião8. Um estafeta
do Partido fazia a ligação entre
o comando no quartel e o Comitê Regional
que ficara reunido numa casa distante do Batalhão.
Seguindo
a estratégia previamente combinada, depois
de dominada a situação, os militantes
do partido entraram no quartel e receberam fardas,
armas e munições, engrossando as
fileiras dos rebeldes. Entre eles estavam diversos
estivadores e trabalhadores das docas, fato citado
na denúncia do Procurador da República
no Rio Grande do Norte, Carlos Gomes, de Freitas,
que, depois da derrota, da insurreição,
arrola mais de vinte estivadores como participantes
ativos da rebelião, citando, inclusive,
o fato de todos terem se fardado9. Segundo Praxedes,
a distribuição de fardas prosseguiu
toda a noite e a manhã do dia seguinte,
quando ele estava pessoalmente no 21º BC
para verificar como estava a situação.
“No dia seguinte bem cedo eu fui ao quartel
e encontrei o Quintino no comando, com uma metralhadora
portátil e uma caixa de fardas no chão.
Quem estava distribuindo as fardas era o cabo
Manoel Simão, do Esquadrão de Cavalaria
da Polícia. Fardou-se todo mundo. Até
as mulheres” – conta Praxedes. Logo
depois de dominada a situação no
quartel, os rebeldes se dividiram em grupos para
atacar o Quartel da Polícia Militar, a
Casa de Detenção e o Esquadrão
de Cavalaria. Outro grupo dirigiu-se ao Teatro
Carlos Gomes, onde o governador Rafael Fernandes,
inúmeros assessores e líderes políticos
de Natal assistiram à solenidade de formatura
dos alunos da Escola Santo Antônio10. Os
dois ataques estavam programados para ocorrer
para ocorrer simultaneamente. Um grupo prendia
as autoridades e outro dominava o Quartel de Polícia,
único lugar de onde poderia haver resistência
armada ao movimento. No entanto, o ataque ao teatro
praticamente acabou sendo frustrado porque, com
os tiros disparados no quartel de polícia,
as autoridades se deram conta do levante e tiveram
tempo de fugir.
Segundo
a versão do cabo Giocondo Dias, isso não
estava previsto. Ele afirma que os rebeldes contavam
com o apoio do cabo da guarda do quartel de polícia
e, portanto, ele também, seria tomado sem
resistência. No entanto, segundo Giocondo,
um sargento que comandava o grupo de ataque ao
quartel atirou antes da hora, alertando as autoridades
no Teatro. Com isso, o governador e os civis tiveram
tempo de fugir e os oficiais conseguiram chegar
ao quartel de polícia. Antes disso, Giocondo
diz ter sido ferido quando se dirigia ao teatro,
durante um tiroteio com um soldado da polícia.
Antes disso, Giocondo diz ter sido ferido quando
se dirigia ao teatro, durante um tiroteio com
um soldado da polícia que estava na rua¹¹.
O fato é que o cabo Giocondo Dias, um dos
principais responsáveis pela precipitação
do levante, acabou tendo uma participação
bastante reduzida na Insurreição
de 1935. Depois de levantado o 21º BC, Giocondo
é ferido e hospitalizado, só deixando
o Hospital nas horas finais do movimento. “O
Giocondo não participou de mais nada. Ele
foi ferido na cabeça e levado para o hospital.
Daí em diante ele não viu mais nada
até a madrugada do dia 27 quando reapareceu”
– conta Praxedes.
O
governador Rafael Fernandes e as demais autoridades
refugiaram-se primeiro na casa de Xavier de Miranda,
na rua Duque de Caxias e, depois, quando perceberam
a extensão do movimento rebelde, se asilaram
no Consulado Italiano, embora diversos autores
sustentem que o asilo se deu no Consulado Chileno.
Isso, na verdade, deve-se a uma confusão,
pois algumas autoridades, entre elas a prefeito
de Natal, o chefe de gabinete do governador, o
presidente da Assembléia Legislativa e
o diretor do jornal A República, com efeito,
se asilaram na residência do Cônsul
chileno, Carlos Lamasy¹². Já
o chefe de polícia, João Medeiros,
imprudente, foi ao quartel do 21º BC verificar
o que estava acontecendo e acabou preso pelos
rebeldes. A Casa de Detenção foi
tomada sem resistência e os presos libertados.
Segundo o general Antônio Carlos da Silva
Muricy, foram soltos e armados pelos rebeldes
sessenta e oito presos¹³. O Esquadrão
de Cavalaria, também, foi tomado sem resistência.
“Quando as tropas foram atacar o Esquadrão
de Cavalaria, também, foi tomado sem resistência.
“Quando as tropas foram atacar o Esquadrão
de Cavalaria não havia mais ninguém.
O seu comandante, tenente Lamartine, fugiu com
a tropa pelas matas” – conta Praxedes.
No
entanto, o ataque ao Quartel de Polícia
foi árduo. Por mais de 19 horas, os policias
resistiram ao ataque dos rebeldes, só se
rendendo quando a munição acabou.
O quartel ficava num barranco e seus fundos davam
para o rio Potengi. Cercado por todos os lados
e sob o fogo cerrado dos rebeldes, não
havia outra saída para os policiais militares
que não fosse tentar uma fuga pelos fundos
através do mangue que dava no rio Potengi.
Alguns conseguiram, mas a maioria foi presa ao
tentar fugir.
O comandante
do quartel do Polícia Militar, major Luiz
Júlio, num ofício ao governador
do Estado, datado de 24 de dezembro de 1935, descreveu
a situação: Já há
muito havia soado as suas badaladas das 14 horas
quando vimos que se aproximava o fim. A munição
ia se esgotar e, enquanto as praças ainda
tiroteavam, este comando reuniu os oficiais e
expôs-lhe sinceramente a situação.
Ficou resolvido que os combatentes, na impossibilidade
de continuar a luta, deixariam a praça
que defendiam saindo com o auxílio de cordas
pelas janelas do apartamento da retaguarda, onde
ficam o rancho e a cantina. . . Deu-se a última
rajada com a última fita carregada da metralhadora
e procedeu-se a retirada como fora antes combinado.
Era o fim! Oficiais e praças procuraram
aproveitar melhor a natureza do terreno para a
fuga, alguns se atiraram ao rio Potengi, como
o tenente Bilac de Faria, que foi o nado dar à
Redinha e ao sargento Celso Dantas Netto, que,
ferido, foi dar ao porto do Padre. O signatário
seguia em companhia do tenente-coronel Pinto Soares,
rumo à Escola de Aprendizes Marinheiros,
quando um troço (sic) de insurrectos chefiado
pelos indivíduos Odilon Rufino e Sizenando
Filgueira, fardados de sargento do Exército,
os aprisionam a uns duzentos metros do quartel
tiroteando, sendo ambos recolhidos presos ao quartel
dos rebeldes”14.
Com
o governador refugiado, o chefe de polícia
preso e o controle total sobre o 21º Batalhão
de Caçadores, o Quartel de Polícia,
a Casa de Detenção e o Esquadrão
de Cavalaria, não restava mais nenhuma
autoridade do velho regime na cidade. Natal estava
nas mãos dos rebeldes. A Insurreição
estava vitoriosa.
__________
1.
MEDEIROS, João Filho, 82 Horas de Subversão
(Intentona Comunista de 1935 no Rio Grande do
Norte), Edição do Centro Gráfico
do Senado Federal, 1980, pág. 13.
2.
MURICY, Antônio Carlos da Silva, obra citada,
pág. 32.
3. SILVA, Hélio, obra citada, pág.
315.
4. MORAES, Dênis e VIANA, Francisco, Prestes:
Lutas e Autocríticas, Editora Vozes, Petrópolis,
1982, Págs. 71, 73 e 75.
5.
DIAS, Giocondo, obra citada, pág. 151.
6. LEVINE, Robert M., obra citada, pág.
163.
7.
LEVINE, Robert M., obra citada, págs. 165/166.
8. LEITE, Mauro Renault e JÚNIOR, Noveli
organizadores, Marechal Eurico Gaspar Dutra: O
Dever da Verdade, Editora Nova Fronteira, Rio
de Janeiro, 1983, pág. 88; SILVA, Hélio,
obra citada, pág. 281; LEVINE, Robert M.,
obra citada, pág. 164.
9.
MEDEIROS, João, obra citada, pág.
124.
10. LEVINE, Robert M., obra citada, pág.
164.
11. DIAS, Giocondo, obra citada, pág. 152.
12.
MEDEIROS, João, obra citada, págs.
15/16.
13. MURICY, Antônio Carlos da Silva, obra
citada, pág. 32.
14.
in MEDEIROS, João, obra citada, pág.
83.
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