Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
Praxedes, um operário no
poder
Praxedes:
Um Operário no poder
A Insurreição de
1935 vista por dentro
Moacyr de Oliveira Filho
Editora Alfa-Omega,1985
Nosso
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de Produção
6.
Nova prisão, dessa vez com deportação...
e fuga
O partido
já havia se fortalecido bastante em Natal,
com células formadas em diversas empresas
e uma comunicação permanente com
Mossoró, onde havia uma organização
bem estruturada, inclusive com homens armados.
A linha política do partido continuava
a mesma. Atacar o Governo Vargas e denunciar publicamente
às amplas massas que nada havia sido feito
para melhorar as condições de vida
do povo. “Nós começamos a
conquistar o apoio de elementos da classe média
que concordava com as coisas que a gente dizia”
– afirma Praxedes. A luta pela convocação
da Constituinte, pela jornada de oito horas de
trabalho, pela participação das
mulheres no processo eleitoral, pelo voto secreto
e pelo voto dos analfabetos eram as principais
bandeiras da propaganda política dos comunistas.
A liberdade
de Praxedes, no entanto, não duraria muito.
Uns seis dias depois de ter sido chamado por Café
Filho para lhe pedir uma trégua, Praxedes
voltaria a ser preso, dessa vez com mais rigor.
Seu relato:
“Um
belo dia a polícia cerca toda a minha casa,
pela frente e pelos fundos. A casa tinha um quintal
grande que dava para outra rua. Eles cercaram
tudo. Quem comandou a operação foi
um tal de João, de Mossoró, que
era homem de confiança de Café.
Esse sujeito bateu na porta, pediu licença
e entrou. Logo foi vendo uns jornais que estavam
espalhados pela sala (eu sempre gostei de ler
jornais), botou debaixo do braço e disse:
‘Dá licença. Nós vamos
dar uma busca’. No meio deles tinha policiais
de Pernambuco, gente com experiência em
lidar com presos políticos. Eles traziam
inclusive um flash-light para iluminar o quintal.
Entre a minha casa e a do vizinho tinha um beco,
onde eu havia escondido o reco-reco, utilizado
para impressão dos materiais do Partido.
O sujeito que estava com a luz foi vasculhando
o quintal e achou o reco-reco. Quando ele o pegou,
não se onde eu fui achar tanta coragem
assim e o tomei das suas mãos, empurrando
o sujeito no chão. Ele caiu em cima de
umas madeiras que estavam jogadas no quintal.
Aí todos os policiais partiram para cima
de mim e foi uma confusão danada. Rolamos
pelo chão e eu acabei sentado de costas
dentro de uma bacia. Aí um safado me bateu
na cabeça com o cano Ed um 38, abrindo
um corte fundo que sangrou muito. Me levaram preso
pela rua, todo ensangüentado. Foi um escândalo
danado. A rua ficou cheia de gente olhando. Me
colocaram num carro, e dessa vez, me levaram direto
para a Casa de Detenção. Dentro
do carro estava um sujeito que conversava comigo
na fábrica de calçados. Quando entrei,
falei pra ele: ‘Rapaz, você por aqui?
Pra onde nós vamos?’ Ele disse que
não sabia. E eu comecei a esculhambar com
Café e ele só dizendo: ‘Tenha
calma’ ”.
“Na
detenção me deixaram dormir sem
fazer nenhum curativo no ferimento. No outro dia
de manhãzinha veio um médico me
examinar e um enfermeiro fez um curativo com iodo
no ferimento. La pelas onze horas da manhã,
mais ou menos, sem que eu esperasse, abrem o xadrez
e entra o meu padrinho, aquele que me criou. Ele
veio me visitar. Perguntou o que tinha havido
e eu contei tudo, sempre dizendo que tinha sido
o João Café que mandou me prender.
Depois que ele saiu entrou um tira e disse que
precisava de uma autorização minha
para mandar apanhar umas roupas lá em casa.
Ele perguntou onde era a casa e eu respondi: Ué,
vocês não sabem? Não foram
me buscar lá?’ Ele insistiu dizendo
que eu precisava autorizar. Então, disse
que estava tudo bem. Podiar ir até lá
e apanhar as roupas com a minha mulher. Ela já
sabia o que fazer. Quando eles voltaram com a
mala, me puseram num carro e fomos para o cais
da Ribeira, na avenida Tavares de Lira. O tempo
todo eu ia perguntando pra onde iriam me levar
e eles não falavam nada. Quando descemos
no cais, lá estava a Polícia Marítima
para me receber e aí eu pensei: ‘Bom
já sei pra onde vou. Vou embarcar’
”.
“O
delegado da Polícia Marítima era
um sujeito que tinha sido meu professor de francês
na Escola de Comércio e, quando me vê,
abaixa a cabeça. Eu então falo com
ele: “Professor Anísio, pra onde
vão me levar?’ – ‘Eu
não sei’ – responde. A ordem
que eu tenho é de te entregar para o comandante
do navio’. Embarquei então no navio
Almirante Jaceguai, do Lloyd Brasileiro. Me colocaram
no porão, na terceira classe. Foi só
eu embarcar e o navio zarpou. Parecia que estavam
só me esperando. Era muita honra”.
A primeira
parte da viagem foi tranqüila. De Natal até
Cabedelo foram seis horas de viagem, sem que ninguém
o incomodasse. O Jaceguai chegou em Cabedelo ainda
com o dia claro, ancorou por algumas horas e de
madrugada zarpou com destino a Recife. Até
aí ninguém havia incomodado ou sequer
falado com Praxedes. Ele era um passageiro solitário
de destino incógnito. Às 6 horas
da manhã do dia seguinte o navio ancora
no Recife e as coisas começam a ficar mais
definidas. Praxedes desce do navio e é
recebido pela polícia de Recife. “Assim
que vi os policiais pensei: ‘Estou desgraçado.
A polícia de Recife é miserável
de ruim’. Dito e feito. Logo que piso em
terra, um sujeito truculento e bruto me pega com
estupidez no ferimento e diz: ‘O que é
que é isso? Foi a polícia?’
Eu respondi havia sido a polícia de João
Café e ficou por isso mesmo. Ali na beira
do cais o sujeito foi direto ao assunto: ‘Cadê
o Barreto? Onde está o Barreto?’
Barreto era um camarada nosso que havia chegado
recentemente de Moscou e estava visitando os organismos
do Partido. Nós tínhamos feito em
Natal uma conferência sob a sua direção,
onde ele nos falou sobre o trabalho nas cooperativas
soviéticas. De lá ele seguiu para
o Ceará. Eu sabia que ele estava no Ceará
mas não falei nada. Disse que não
conhecia nenhum Barreto. ‘Ah, não
sabe quem é Barreto, né?’
– retrucou bravo o policial e mandou me
colocar no xadrez da Polícia Marítima
ali mesmo no cais. Fiquei ali o dia todo, sem
nada pra comer. Quando foi no final da tarde,
abriram o xadrez e me mandaram de volta para o
navio. Outra vez, foi só eu entrar, para
o navio sair. Eles só me embarcavam na
hora do navio zarpar com medo que eu fugisse”.
Fraco,
por ter ficado o dia todo sem comer, Praxedes
começa a reclamar que estava com fome e
aproveita para fazer seu proselitismo particular
contra João Café Filho. “Fiz
um escândalo danado, sempre dando um jeito
de dizer que o Café era um traidor dos
trabalhadores” – brinca Praxedes.
A manobra dá certo, pelo menos com relação
à comida. O comandante do navio toma conhecimento
dos seus protestos e manda que lhe seja servido
o pigual – uma comida que é fornecida
durante a noite aos foguistas do navio. Essa agitação
rende outros lucros para Praxedes. Seu protesto
chamou a atenção do pessoal de bordo
e é com surpresa que alguns deles se apresentam
como membros do Partido Comunista do Brasil.
O navio segue seu rumo, passando pela Bahia, onde
Praxedes é impedido de descer, e pelo Espírito
Santo, onde a proibição se repete.
A essa altura, já estava mais à
vontade dentro do navio, mantendo contatos com
os camaradas de bordo e, em algumas oportunidades,
fazendo verdadeiros comícios em defesa
dos comunistas e de críticas a Café
Filho. Tudo isso desperta a curiosidade de alguns
passageiros e um deles, vindo do Amazonas, chega
a comentar com Praxedes: “Se você
pegasse esse João Café agora jogava
ele no mar. . .”
Quando
o Almirante Jaceguai zarpa do porto de Vitória,
no Espírito Santo, Praxedes fica inquieto:
“Estou danado. Para onde vão me mandar?”
– pensou, inseguro. A essa altura, ele já
era bastante conhecido do pessoal de bordo e recebeu
de um desses camaradas um endereço no Rio
Janeiro de gente do partido que ele deveria procurar
caso conseguisse fugir.
Era
perto de meia-noite quando o Almirante Jaceguai
passa por Cabo Frio, no Estado do Rio de Janeiro.
Do convés do navio, os marujos mostram
as luzes da costa que cresciam à medida
que a embarcação se aproximava da
terra. Às 4 horas da madrugada, o navio
fundeou na costa do Rio de Janeiro, esperando
a chegada do prático para levá-lo
ao cais. Os companheiros do partido resolveram
dar uma ajuda decisiva para a fuga de Praxedes.
É ele mesmo quem conta:
“O
nosso pessoal me procurou e montou uma estratégia
comigo. Eles disseram que ninguém sabia
o que iria acontecer caso a polícia do
Rio me pegasse e que, então, o melhor era
eu tentar fugir. Disseram para eu me vestir de
marujo e ficar escondido no alojamento. Quando
a polícia entrasse para me procurar, não
me encontraria e, depois que eles saíssem,
eu cairia fora. Dito e feito. Me escondi no alojamento
dos marujos, a polícia entrou, fez a visita
e, como não me encontrou, foi embora. Esperamos
um pouco e depois, eu desci junto com uns três
marujos que iam para terra. Quando passamos do
portão do porto eu fui embora, atrás
do endereço que haviam me dado”.
Livre,
Praxedes pega um ônibus na Praça
da República e vai atrás do endereço
que lhe deram, que ficava no bairro do Irajá.
Feito o contato com o partido, é encaminhado
ao Socorro Vermelho, um organismo partidário
que dava abrigo e proteção aos militantes
perseguidos e com dificuldades financeiras, onde
encontra outros companheiros do Rio Grande do
Norte, como Lauro, Reginaldo, Augustinho, Acrísio
e Vicente, que também tinham sido deportados.
Durante um tempo fica hospedado no Socorro Vermelho
até arrumar emprego como modelador na Fábrica
de Calçados Turano, na rua São Cristóvão.
Empregado, Praxedes continua sua militância
nos organismos partidários, atuando prioritariamente
na segurança de manifestação
e comícios-relâmpagos. Ele ficou
no Rio de outubro de 1932 até junho de
1933, quando é designado para participar
de um curso de formação política
em São Paulo.
No
dia 28 de junho de 1933, às 7 horas da
noite, eu embarco de trem para São Paulo,
chegando na Estação do Braz no dia
seguinte de manhã. Lá estava um
camarada me esperando. Havia uma senha. O sujeito
deveria estar cheirando um dente de alho e tinha
com ele metade de um papel onde estada escrito:
Praxedes, curso. A outra metade eu levava comigo.
Eu deveria me aproximar desse sujeito e mostrar
o papel. Feito o contato e verificada a senha,
fui levado para os fundos de uma oficina de um
judeu, na Avenida Rangel Pestana. Fazia um frio
com o qual eu não estava acostumado. Dormi
nessa oficina e no dia seguinte de manhã
chega um paraguaio e me leva para a Casa Verde,
onde o partido tinha um aparelho. Era uma casa
em reboco e lá estavam umas dez pessoas.
Havia comida como o diabo e a gente fez uma escala
de cozinha. Cada dia um de nós era o responsável
pela comida. Me lembrou bem que no dia que eu
cheguei era dia de São Pedro, dia 29 de
junho, e durante a noite toda a gente ouvia o
barulho dos foguetes. Ficamos nessa casa uns três
dias, quando veio um carro e nos levou para a
escola do Partido que ficava no bairro do Butantã.
O curso durou seis meses. Nós passamos
um mês e meio nessa casa e depois tivemos
que mudar de local porque a polícia estava
em cima. As aulas era dadas pelo Harry Berger,
por um tal de Lino, que era secretário
do Comitê Estadual de São Paulo,
por um tecelão chamado Mauro e pelo Rodolfo
Ghiodi. O curso foi muito bom para mim. Até
aquele momento eu sabia muito pouco da teoria
marxista-leninista. Tudo o que eu fazia era guiado
pela prática, pela vida. Só lia
o jornal do partido A Nação, mais
nada. Depois do curso eu obtive uma formação
teórica mais sólida para me ajudar
na luta” – conta Praxedes.
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