Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
Praxedes, um operário no
poder
Praxedes:
Um Operário no poder
A Insurreição de
1935 vista por dentro
Moacyr de Oliveira Filho
Editora Alfa-Omega,1985
Nosso
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Anexos
A Gloriosa Bandeira de 1935*
Novembro
de 1935 projeta-se em nossa vida política
como importante divisor de águas. A partir
de então, a contenda entre as forças
progressistas e as reacionárias, em torno
das mesmas questões e tarefas básicas,
se aguça, sempre mais. Assustados pelos
que consideram o mais terrível dos precedentes,
os inimigos do povo – a grande burguesia
e os latifúndios, associados ao imperialismo,
tendo à frente as Forças Armadas
– decidiram impedir por todos os meios que
o feito se repita. Vêem o “fantasma
do comunismo” em cada manifestação
de massas, em qualquer gesto patriótico.
Tentam esconjurá-lo, perseguem-no por toda
a parte. Em 1964 tiveram de estabelecer uma ditadura
militar sangrenta, terrorista, a fim de abafar
os anseios populares e arranjar uma pretensa solução
para as contradições sociais em
agravamento. Mas seu fracasso é rotundo.
São alvo do ódio crescente do povo.
Isolam-se mais e mais. Ainda que pretendam manter
sua tutela indefinidamente sobre o país,
sua derrota é inevitável. Ao passo
que as forças populares, apesar dos insucessos
estão confiantes em suas possibilidades,
mais conscientes e maduras. Retomam em melhores
condições o caminho da frente-única
e da luta armada, o único capaz de dar
solução aos problemas da revolução
democrática e antiimperialista, os mesmos
de 1935.
Os
comunistas, ao cumprir o imprescritível
dever de homenagear os aliancistas e camaradas
que se sacrificaram para conter a ofensiva fascista,
ressaltam a significação da iniciativa
heróica, procuram extrair as lições
da derrota, esforçam-se por empunhar com
maior firmeza e acerto a bandeira vermelha da
revolução. Hoje ainda mais convencidos
de que, por longo e difícil que seja o
caminho a trilhar, o futuro pertence ao povo.
Ninguém poderá evitar seu triunfo.
A
ameaça fascista
Compreender
o significado da insurreição de
novembro de 35 impõe-se o exame, mesmo
sumário, da situação concreta
daquele período tendo em conta o perigo
do fascismo que grassava após a I Guerra
Mundial. Os círculos mais agressivos do
imperialismo estavam temerosos do avanço
da revolução proletária,
socialista, e do movimento libertador dos povos
oprimidos. Buscavam salvar-se através dessa
modalidade de ditadura terrorista. E vendo acentuar-se
a crise geral do capitalismo com a irrupção
do craque econômico-financeiro de 1929/32
– o mais profundo que já haviam sofrido
– apegaram-se ao recurso dos métodos
fascistas de governo. Desse modo, pretendiam jogar
o fardo de suas dificuldades sobre as costas das
massas trabalhadoras, intensificar a exploração
dos povos atrasados, efetuar nova partilha do
mundo por meio da guerra. Em 1933, subiu ao poder
na Alemanha o Partido Nacional-Socialista de Adolfo
Hitler: a variedade mais reacionária e
feroz do fascismo. Utilizando desbragada demagogia,
os nazistas imediatamente revelaram seu caráter
bárbaro e belicoso. Montaram monstruosas
provocações para destroçar
as conquistas do tradicional e poderoso movimento
operário e democrático alemão;
entregaram-se ao extermínio físico
implacável de todos os seus adversários,
a começar pelas comunistas.
Pari
Passu com esse terrorismo delineava-se a sombria
ameaça de outra guerra mundial. O Japão
militarista, desde 1931, arrojara-se à
conquista da China, na presunção
de escravizá-la. Em outubro de 1935, a
Itália de Mussolini invadia a Etiópia,
e a convertia em sua colônia. A Alemanha
de Hitler armava-se febrilmente a fim de rever
pela força os tratados de paz do pós-guerra,
apoderar-se da Europa e arremeter sobre a União
Soviética, então o baluarte da causa
da revolução e do socialismo. Urdia-se
a intervenção ítalo-alemã
na Espanha, onde as correntes republicanas estavam
em ascensão. Em toda parte, o nazi-sino-fascismo
fomentava a constituição de bandos
de assalto e cabeças-de-ponte com o objetivo
de efetivar seus planos de hegemonia mundial,
sonhada para um milênio.
Os
povos, porém, não desejam submeter-se
passivamente a esses planos. Dispunham-se a resistir,
a preservar as liberdades democráticas,
a independência de seus países. Potentes
movimentos de frente-única antifascista
e ações armadas se desenvolviam,
assestando golpes contundentes nos selvagens inimigos.
Nos meses de julho e agosto de 1935, realizou-se
o histórico VII Congresso da Internacional
Comunista. A base do relatório de Dimitrov,
o Congresso fez uma completa caracterização
do fascismo, demonstrou que seu poder era feroz
mas precário, que sua ofensiva podia ser
detida e derrotada. Todavia, o proletariado devia
unir-se urgente e imperativamente, e formar uma
frente de todas as forças interessadas
na defesa das liberdades, do progresso social
e da paz. Também a União Soviética,
liderada por Stálin, desmascarava com energia
e de modo incansável a política
guerreira das potências fascistas, articulava
um pacto dos países amantes da paz e preparava-se
para qualquer eventualidade.
No
Brasil, eram evidentes as repercussões
dessa situação. Padecendo dos males
crônicos do predomínio do latifúndio
arcaico e da dependência ao imperialismo,
o país fora grandemente afetado pela crise
de 1929-32. Embora tivesse adotado algumas medidas
de conteúdo democrático e nacionalista,
a chamada revolução de 30 não
eliminara a sujeição aos trustes
internacionais nem o monopólio da terra.
Na verdade, desde que ascendera ao poder, o governo
de Vargas, representante da burguesia aliada a
setores latifundiários, seguira uma política
de adaptação do capitalismo aos
velhos interesses criados. Empenhava-se em pagar
antigas e novas dívidas contraídas
com os banqueiros de Londres e Nova Iorque; aceitava
como uma fatalidade o aviltamento dos preços
dos produtos agrícolas de exportação;
e com idêntico fatalismo tolerava o comércio
desigual do país com as metrópoles
imperialistas. Na medida em que avultavam as aperturas
financeiras, Vargas outorgava maiores privilégios
aos grupos econômicos estrangeiros e aos
latifundiários, agravando as condições
de vida e de trabalho das massas. Em 1935, iniciou
negociações para subscrever acordos
comerciais na base de moedas compensadas com a
Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini.
Com semelhantes concessões facilitaria
a penetração dessas potências
no Brasil, onde já vinham financiando ostensivamente
a Ação Integralista, de Plínio
Salgado.
No
terreno político, também a orientação
de Vargas sempre fora de compromisso com as velhas
oligarquias tendo em vista isolar e reprimir as
forças progressistas. Esse compromisso
reforçou-se, mesmo depois da derrota dos
grupos reacionários de São Paulo
na guerra civil de 1932. Em conseqüência,
a Constituição de 1934 só
formalmente inscreveu alguns direitos democráticos.
Na prática, as liberdades almejadas pelo
povo e tão prometidas pela Revolução
de 30 se restringiam. O Partido Comunista continuava
perseguindo, na clandestinidade. No entanto, os
integralistas recebiam franco encorajamento. Fruto
do conluio com Armando de Sales Oliveira, Júlio
de Mesquita Filho, Vicente Rau e companhia, em
princípios de abril de 1935 foi aprovada
pelo Congresso e sancionada por Vargas a primeira
Lei de Segurança Nacional, paradigma das
que viriam posteriormente. Nessas circunstâncias,
a Constituição transformava-se em
letra morta e o Parlamento, em apêndice
ineficiente. As Forças Armadas, após
terem sufocado algumas rebeliões de soldados,
cabos e sargentos e coarctado atitudes autônomas
de certos “tenentes”, retornavam à
sua habitual postura antipopular. Muitos oficiais
aderiam ao integralismo; e aos postos principais
da hierarquia militar eram guindados reacionários
ou fascistas notórios: Goes Monteiro, Gaspar
Dutra, Newton Cavalcanti, Juarez Távora
e outros. Havia divergências no seio das
classes dirigentes, mas o sentido da fascistização
do poder não podia ser ocultado.
Em
decorrência dessa política, generalizava-se
o descontentamento entre o povo. Nas cidades,
o proletariado e as massas lutavam em favor de
seus interesses vitais, das liberdades públicas,
fortaleciam suas organizações de
classe, adquiriam maior consciência dos
perigos de reação. No interior,
os camponeses criavam suas primeiras Ligas, pugnavam
por justiça e formavam pequenos grupos
de autodefesa para se opor à prepotência
dos latifundiários. Mesmo entre as camadas
da pequena burguesia, especialmente entre os “tenentes”,
que haviam participado do movimento armado de
30, eram visíveis as frustrações
diante da degenerescência da “revolução”
e dos rumos seguidos pelos governantes. Em suma,
a ausência de soluções para
os problemas candentes, o império da corrupção,
a escalada repressiva das Forças Armadas
e da polícia política, a pronunciada
ameaça integralista e fascista, inquietavam
com razão as forças progressistas,
polarizavam sua atenção, estimulavam-nas
para o encontro de uma saída correta, revolucionária,
que satisfizesse os interesses do povo.
A ANL
Nesse
ambiente de efervescência, de constante
diferenciação entre as forças
políticas, de crescente avanço do
fascismo, de ansiosa busca de um justo caminho
para a defesa da democracia, é que surge
a Aliança Nacional Libertadora.
A iniciativa
de aglutinar diversos setores sociais e políticos,
bem como destacadas personalidades, em defesa
de postulados nacionais e democráticos,
partiu os comunistas. Estes, depois de 1930, empenhavam-se
seriamente em romper por completo com suas posições
sectárias. Formularam uma linha e uma tática
que lhes possibilitassem integrar-se na vida política,
reforçar suas ligações com
as massas. A medida de seus êxitos traduziu-se
no aumento de sua influência nos meios operários
e sindicais, e entre a intelectualidade. A idéia
da frente-única, discutida desde fins de
1934, ganhava terreno. Apesar dos fortes preconceitos
anticomunistas, as propostas unitárias
do Partido iam encontrando boa acolhida. A unidade
dos antifascistas se impunha. Não havia
outro meio de opor-se aos planos tenebrosos de
domínio do fascismo e do imperialismo senão
mobilizar as grandes massas e constituir uma sólida
frente-única, com programa claro e sentido
revolucionário. Os argumentos dos democratas
sinceros que duvidavam das intenções
do Partido ou dos que manifestavam ressentimentos
e suspeitas sobre essas intenções
esboroavam-se diante dos fatos, bem como da conduta
leal, sem ambigüidades, dos comunistas. As
tergiversações ou as protelações
só favoreciam, como a vida mostrou, os
inimigos da nação.
Em
fins de março de 1935, a Aliança
Nacional inicia suas atividades legalmente, de
maneira auspiciosa. Exprimindo as sentidas aspirações
populares, a novel organização refletia
uma esplêndida vitória da unidade.
Englobava vários agrupamentos políticos,
nomes expressivos no parlamento, a cultura, no
“tenentismo”. Seu programa básico
consistia de reivindicações concretas,
a saber: 1) Suspensão em definitivo do
pagamento das dívidas externas, sob o fundamento
de que já haviam sido pagas há muito;
2) Nacionalização imediata de todas
as empresas imperialistas, “arapucas”
para as quais o povo trabalhava sob terrível
exploração; 3) Proteção
aos pequenos e médios lavradores; entrega
da terra dos grandes proprietários aos
camponeses e trabalhadores que as cultivavam,
visto serem seus únicos e legítimos
proprietários; 4) Gozo das mais amplas
liberdades pelo povo, nele incluídos os
estrangeiros; e 5) Constituição
de um governo popular orientado somente pelos
interesses do povo brasileiro. Esse programa simples
se expressou no lema: “Pão, Terra
e Liberdade!” No ato da instalação,
o nome de Luiz Carlos Prestes foi aclamado para
a presidência de honra da Aliança.
Ele desfrutava na época de reconhecida
popularidade. Em 1924, como capitão do
Exército, promovera um levante de quartel
e, a seguir, se tornara um dos chefes da Coluna
que, combatendo de armas na mão, atravessara,
durante dois anos, os sertões do Brasil.
Estava desfraldada, assim, uma grande
bandeira revolucionária.
O entusiasmo
com que as massas receberam a Aliança e
seu programa ultrapassou as expectativas. Em pouco
tempo, estruturaram-se núcleos aliancistas
na maioria dos Estados. Só na capital da
República, Rio de Janeiro, neles inscreveram-se
principalmente trabalhadores, soldados, marinheiros,
cabos e sargentos – as camadas mais pobres
das cidades. Caravanas percorriam as diferentes
regiões do país, multiplicavam-se
os comícios com enorme afluência.
Nunca se testemunhara tão poderoso movimento
patriótico de massas, tamanho interesse
pelo debate dos problemas nacionais. O jornal
diário A Manhã, do Rio, tornou-se
o porta-voz dos anseios antifascistas. Paralelamente,
cresciam as organizações sindicais
do proletariado, surgiam centros da intelectualidade
em defesa da cultura, associações
femininas, entidades juvenis. Sem dúvida,
com a criação da Aliança,
o movimento popular, democrático, adquiriu
vertiginoso impulso. As forças progressistas
descortinavam novos horizontes para suas lutas.
O governo
de Vargas, como depois confessou, vinha acompanhando
com apreensão o desenvolvimento impetuoso
das atividades da Aliança. Os grupos da
oligarquia e do imperialismo, os setores fascistas
da reação, desde o surgimento da
organização de frente-única
tramavam golpeá-la, liquidá-la.
E não
tardaram em fazê-lo. Mal completara três
meses de funcionamento legal, em julho, o governo
decretou o fechamento da ANL, sob a acusação
de que arquitetara “um plano comunista para
a tomada do poder”. Tanto os protestos como
as providências jurídicas cabíveis
contra o ato de força, ilegal, foram contraproducentes.
O nazista Filinto Müller, chefe de polícia
de Vargas, desencadeou imediata e drástica
perseguição não só
aos militantes aliancistas como aos dirigentes
de sindicatos independentes e demais organizações
democráticas. Sedes foram varejadas; ativistas
presos enquadrados na Lei de Segurança
como “subversivos”, “agentes
vermelhos a soldo do estrangeiro”.
Ao
mesmo tempo, o governo e a reação
continuavam a apoiar por todos os meios os bandos
integralistas. Criaram uma polícia especial
objetivando espalhar o terror, aumentaram os efetivos
da polícia política. Por seu turno
o Exército e a Marinha entregavam-se ao
expurgo de praças e oficiais suspeitos
de anti-fascismo, apresentavam-se para prevenir
qualquer intento do protesto popular.
Entre
as classes dominantes, porém, acirravam-se
as disputas. Se bem que nenhuma de suas facções
aceitasse a Constituição, a vigência
dos direitos democráticos, ou sequer se
inclinasse a favor do povo, cada qual pretendia
assenhorear-se do governo. Havia conspirações
de todos os lados perseguindo o propósito
de consolidar a reação ou instaurar
abertamente o fascismo, para conter a “agitação
e preservar a ordem”. Depondo anos depois
sobre essas rivalidades e apetites, Alzira Vargas,
filha do então presidente da República,
escreveu que se sucediam “episódios
deprimentes, ora cômicos, ora dramáticos”.
Em novembro de 1935, já lavrava intensa
agitação política. Devido
aos baixos salários, à carestia
de vida e à atuação provocadora
dos integralistas, o descontentamento popular
atingira grandes proporções. O estado
de ânimo dos militares sumariamente dispensados
da ativa chegara próximo da rebeldia.
Diante
dessa situação, que fazer? Sucumbir
sem luta ou enfrentar com coragem a onda repressiva,
os manejos da reação e os projetos
de fascistização do país?
A
Insurreição
O Partido
Comunista não vacilou: resolveu preparar
e desencadear a insurreição armada.
Mesmo na ilegalidade, o trabalho de propaganda
e arregimentação da Aliança
foi incrementado. Para unir o povo na resistência,
as bandeiras da luta antiimperialista e antifascista
precisavam ser erguidas ainda mais alto. Eram
disposições acertadas, oportunas.
Mas em novembro, sentindo que os acontecimentos
se precipitavam, contando com a influência
da ANL entre praças e oficiais das Forças
Armadas e julgando que o nome de Prestes galvanizaria
o Exército, a direção do
Partido apressou o desfecho da ação
armada e lançou a palavra de ordem de Governo
Nacional Popular Revolucionário, com Prestes
à frente.
Embora
a reação estivesse alertada e atuasse
no sentido de provocar o aborto da insurreição,
a 23 de novembro irrompeu em Natal, Rio Grande
do Norte, a sublevação dos soldados,
cabos e sargentos do 21º BC, ali aquartelados.
Diversos setores da classe operária e do
povo, que já vinham realizando greves e
manifestações reivindicatórias
e antiimperialistas, juntaram-se imediatamente
aos rebeldes. Após ásperos combates,
foi vencida a resistência da Polícia
Militar, que se conservara ao lado da reação.
Os revoltosos aprisionaram os agentes do governo
que não conseguiram fugir. Instaurou-se
naquele dia o primeiro governo popular revolucionário
da história do país. Um novo jornal,
A Liberdade, editado após a vitória,
anunciava o fato memorável: “Enfim,
pelo esforço invencível dos oprimidos
de ontem, pela colaboração decidida
e unânime do povo, legitimamente representado
por soldados, marinheiros, operários e
camponeses, inaugura-se no Brasil e era da liberdade,
sonhada por tantos mártires. . .”.
Concitava os patriotas à luta por “Todo
o Poder à ANL”. Compunham o novo
governo: o sapateiro José Praxedes, encarregado
de aprovisionamento; o sargento Quintino Clementino
de Barros, da Defesa; o funcionário público
Lauro Cortes do Lago, do Interior; o estudante
João Galvão, da Viação;
e o funcionário dos Correios e Telégrafos
José Macedo, das Finanças. As medidas
iniciais adotadas pelo governo revolucionário
destinaram-se a baratear os preços dos
gêneros alimentícios e das tarifas
dos transportes, a moralizar a administração
pública, a mobilizar forças para
o prosseguimento da luta armada.
As
massas populares exultaram com o triunfo, confraternizaram
com os insurretos, deram-lhes completo apoio.
Percebiam que se instalara um governo como jamais
haviam tido, genuinamente seu, voltado para seus
interesses, imediatos ou permanentes. Rapidamente
o movimento se estendeu às cidades de Ceará-Mirim,
S. José do Mipibu, Canguaretama, Santa
Cruz e outras. Pensava-se levá-lo a todo
o interior do Estado e a Pernambuco, cujas tradições
revolucionárias permaneciam vivas.
Com
efeito, nesse Estado, pela manhã de 24
de novembro, obedecendo aos mesmos motivos, sublevara-se
o 29º BC, aquartelado em Vila Socorro, próximo
a Recife. Mas o levante foi apenas parcial. Não
obstante, resultara do vigoroso movimento operário
e popular em desenvolvimento, estava em ligação
com a combativa greve dos ferroviários
da Great Western. De sobreaviso, as tropas da
reação ofereceram pronta e tenaz
resistência. As massas que simpatizavam
com o movimento aliancista, surpreendidas pelas
notícias da sublevação do
quartel, não tiveram tempo de tomar armas.
Foi o governo reacionário que conseguiu
enviar reforços para seus partidários.
E os insurretos, embora portando-se com extrema
bravura em todo o decurso da luta, ficaram isolados,
sem munição. Tiveram de render-se.
Ao
saber desses acontecimentos, a direção
nacional do Partido julgou de seu indeclinável
dever prestar solidariedade aos revolucionários
do Nordeste, fortalecer a luta que se iniciara.
Decidiu de imediato lançar ao combate as
forças sob sua influência no Rio
de Janeiro e em outros Estados. Nessa altura,
o Estado-Maior das tropas reacionárias,
em rigorosa prontidão, estava sabedor de
que a insurreição se desencadearia
em algumas guarnições acantonadas
na capital do país. Prenunciava-se, portanto,
uma peleja duríssima. Ainda assim, na madrugada
de 27 de novembro, efetivou-se o levantamento
de numerosos contingentes de soldados e oficiais
do 3º Regimento de Infantaria e do Regimento
da Escola de Aviação, duas das mais
importantes unidades militares do Rio. Os núcleos
aliancistas e as células comunistas existentes
nessas unidades executaram sem vacilações,
com intrepidez, as diretivas do Partido e da ANL.
Os combates, como se previa, foram violentíssimos.
A reação concentrou rapidamente
efetivos várias vezes superiores a fim
de cercar e atacar os regimentos sublevados. O
3º RI, onde refrega assumiu maiores proporções,
ficou reduzindo a escombros pelo bombardeio de
artilharia e da aviação governistas.
Após quase dez horas ininterruptas de luta,
durante as quais procuraram romper valentemente
o cerco inimigo, e sem receber o esperado apoio
de outras unidades, os sublevados capitularam.
Nesse
mesmo dia 27, o movimento insurrecional do Rio
Grande do Norte também cessou praticamente,
ante o ataque de forças imensamente superiores,
que convergiram de vários pontos sobre
Natal e as outras cidades rebeldes. Alguns grupos
guerrilheiros que ainda subsistiram no interior
do Estado, sem experiência e sem confiança
neste formidável método de luta,
acabaram entregando-se ou dispersando-se.
Desse
modo, após quatro dias, durante os quais
despertaram a esperança e o entusiasmo
das grandes massas exploradas e oprimidas, travaram
batalhas heróicas enquanto se perderam
vidas de companheiros queridos, os combatentes
antifascistas, com os comunistas à frente,
foram batidos, temporariamente postos fora de
ação.
Sobre
os revolucionários derrotados recaiu instantâneo,
pesado, cruel, o castigo dos cruzados da ordem.
Fuzilaram sumariamente vários soldados
prisioneiros. Os que sobreviveram foram recolhidos
a presídios, ilhas, navios, etc. Eram milhares.
Vargas reclamou e obteve do Congresso o estado
de sítio para todo o país. A execução
das medidas repressivas ficou a cargo dos generais
fascistas e do carrasco Filinto Müller. Em
seguida, levantaram um coro de calúnias
com o propósito de difamar a conduta dos
revolucionários; difundiram que haviam
assassinado oficiais a sangue-frio, violentado
moças, etc. A verdade, no entanto, segundo
testemunhas insuspeitas, é que os revolucionários
agiram com grande generosidade, jamais desrespeitando
os prisioneiros. As classes dominantes não
fizeram segredo de que consideram o pior crime
das massas trabalhadoras, a tentativa de pegar
em armas para livrar-se da opressão. Seus
agentes emulam em covardia, ferocidade e farisaísmo
com o intuito de escarmentar os que a isso se
atrevem. Fazer uso de armas, subverter a Constituição,
assassinar impunemente os adversários,
é privilegio seu. Os pobres são
proibidos de sublevar-se.
Refutando
injúrias e falsidades
Nestes
40 anos, a reação dedicou-se a injuriar-se
o movimento insurrecional de 1935, no afã
de apagá-lo da memória dos patriotas.
Neste sentido, procede de modo ainda mais torpe
que os colonialistas portugueses com o exemplo
de Tiradentes. Além do terror fascista,
propaga mentiras deslavadas, deturpa os fatos
mais triviais. Os generais distinguem-se particularmente
nessa campanha. Com sua proverbial coragem de
torturar e matar prisioneiros inermes e dizer
tolices, cumprem anualmente seu ritual comemorativo
de novembro de 1935, cobrindo os lutadores antifascistas
de maldições, proferindo novas ameaças,
tentando intimidá-los para que não
voltem a palmilhar o mesmo inelutável caminho.
Nos
insultos dos generais as forças populares
encontraram as melhores justificativas aos objetivos
dos que tombaram, os maiores elogios ao seu heroísmo
e aos seus sacrifícios.
Também
os chamados liberais, os conciliadores e reformistas
têm-se empenhando em denegrir ou menosprezar
o movimento de 35, classificando-o de aventura,
de PUTSCH, de responsável pelo advento
do Estado Novo fascista. São os eternos
críticos, com perdão da palavra,
dos “radicais de esquerda”, por eles
acusados de obstruir, com suas atitudes, a marcha
“natural” das coisas, o passo lento
e gradual das reformas pacíficas destinadas
a criar uma sociedade aberta, a institucionalizar
a democracia no país.
São
totalmente falsas as acusações desses
impenitentes partidários da distensão
a qualquer preço. Os comunistas sempre
condenaram as aventuras e os putsch, nunca se
opuseram às reformas. Tampouco inventaram
as contradições oriundas do capitalismo.
Como revolucionários, e verificando o recrudescimento
extremo dessas contradições, na
época do imperialismo, convenceram-se de
que os povos somente podem conquistar a democracia,
a independência nacional e o socialismo
através da luta revolucionária das
massas. À velha argüição
dos reformistas burgueses de que as reformas só
virão se os revolucionários renunciarem
à revolução, o grande Lênin
respondeu da seguinte maneira: “Ou bem a
luta revolucionária de classes, cujo produto
secundário sempre costumam ser as reformas
(em caso de êxito incompleto de revolução),
ou bem nada de reformas”. (Os grifos são
de Lênin).
A análise
da realidade brasileira comprova o acerto dessa
tese leninista. A insurreição de
35 não ocasionou a implantação
direta do Estado Novo nem o agravamento das contradições
internas. Com a derrota das forças aliancistas,
é lógico, os reacionários
tiveram campo livre para levar adiante seus planos,
já que em momento algum os conciliadores
se antepuseram frontalmente à consumação
dos mesmos.
Persuadimo-nos,
ademais, que se não tivesse ocorrido a
luta armada de 35, o Estado Novo sobreviria com
feições mais abertamente fascistas,
isto é, teria o respaldo de um partido,
como o Integralista, com algum apoio político,
não desmascarado de todo. O próprio
Vargas, até hoje apresentado com um contra-peso
à ditadura dos militares de então,
com o golpe, poderia ser afastado do poder. Possivelmente
também não se teria constituído
a base política que facilitou a participação
do Brasil na guerra contra o fascismo (precisamente
na maior de todas as guerras, senhores pacifistas
e reformistas!), participação reconhecidamente
a contragosto dos Dutra, Goes Monteiro et caterva
e por eles sabotada. É bom recordar ainda
o julgamento das massas sobre a luta de 35. Quando
o Partido Comunista do Brasil veio para a legalidade,
em 1945, foi transformado, graças ao apoio
popular, num dos mais importantes agrupamentos
políticos do país.
Além
de se recusar a computar ou avaliar esses resultados
de novembro de 35, os conciliadores burgueses
sofrem de terrível amnésia quando
se trata de interpretar e questionar a responsabilidade
da reação, em particular das Forças
Armadas, nos acontecimentos subseqüentes,
acontecimentos que demonstram qual a tendência
real das classes dominantes. De 1936 para 1937,
a ameaça “comunista parecia de tal
modo inexistente que o ministro da Justiça
ordenou a soltura dos presos aliancistas, com
exclusão dos mais implicados, dos chefes.
A própria direção do Partido
Comunista, embora exaltasse em palavras a façanha
de 35, ia abandonando os objetivos revolucionários
e adotando posições nacional-reformistas.
Portanto, não cogitava de novas ações
armadas. Em obediência ao estipulado na
Constituição, iniciara-se a campanha
para a eleição direta à sucessão
presidencial. Os principais candidatos, Armando
de Sales Oliveira e José Américo,
ex-aliados e amigos de Vargas, e as forças
que os sustinham, distanciavam-se tanto da subversão
como o céu da terra. Bastou porém
que as correntes populares começassem a
dar sinal de vida, a se organizar em torno de
plataformas democráticas e a engrossar
os comícios políticos apresentando
palavras de ordem independentes, para que todo
o panorama repentinamente encontrassem pretextos
plausíveis, resolveram arranjar no arsenal
nazi-integralista o monstruoso Plano Cohen, de
autoria publicamente confessada de elementos do
Exército. Com base nesse plano provocativo,
as Forças Armadas impuseram, e Getúlio
referendou, o estado de guerra com a finalidade
de jugular a “comoção interna”.
A seguir, interromperam violentamente a campanha
eleitoral, dissolveram o Congresso, prenderam
em massa os adversários e decretaram o
Estado Novo, com uma Constituição
calcada em modelos fascistas. Tencionavam ir bem
longe, quem sabe?, institucionalizar também
por um milênio o reino da reação.
Tanto assim que, em pleno apogeu das vitórias
de Hitler, em 1940, Getúlio saudava a nova
era fascista, com o país forçosamente
atrelado ao carro dos vencedores. . .
Mas
o que sobreveio foi a derrota política
e militar, fragorosa, das potências fascistas,
graças exatamente à coligação
das nações antifascistas, na qual
a União Soviética, de Stálin,
jogou papel decisivo. As aspirações
democráticas, emancipadoras das massas,
ressurgiram com maior força. Diante disso,
os mesmos generais que haviam instituindo o Estado
Novo, trataram de manobrar para, logo depois,
invocar os pretextos de sempre e atentar contra
os interesses do povo e do país. A história
de ontem está diante de nossos olhos. O
golpe de 1964 e a implantação da
ditadura militar-fascista, se bem que pendure
há onze anos, não deixa dúvidas
sobre o sentido da política das forças
reacionárias no Brasil. com uma agravante.
Nos golpes contra-revolucionários anteriores,
essas forças e seus representantes antediluvianos
não escondiam seus objetivos fascistas.
Em abril de 1964, os Mourão Filho, Filinto
Müller, Médice, Geisel, os Plínios
Salgado, Francisco Campos, Júlio de Mesquita
Filho e demais gorilas e mastodontes reacionários
apareceram como “autênticos revolucionários
e democratas”. Quer dize, ao lado da tragédia,
a farsa. Mas nem assim os conciliadores tiram
as devidas conclusões. Ao contrário,
tornam-se mais confusos e desmoralizados.
Apreciação
crítica
Inegavelmente,
comunistas cometeram erros que contribuíram
também para a derrota da insurreição
nacional-libertadora de 1935. Revelá-los
de modo resoluto é uma questão de
princípio. Dessa forma, demonstram a seriedade
de sua conduta política, a disposição
de elevar-se à altura da missão
que se propuseram. A apreciação
crítica e autocrática do movimento
de 35 tardou, indiscutivelmente por debilidade
ideológica e política, porque, no
período pós-insurreição,
até 1962, predominaram na direção
do Partido Comunista do Brasil elementos influenciados
pela burguesia e pela pequena-burguesia. Eles
escamoteavam o problema crucial da luta armada
ou lhe faziam oposição, aberta ou
veladamente. Desejosos de acomodar-se ao desenvolvimento
do capitalismo, de contemporizar, acabaram traindo
os interesses do proletariado e das massas trabalhadoras.
Agildo Barata, a princípio, e depois Prestes,
transformou-se num revisionista. Embora ainda
se apresente como comunista, na realidade, trabalha
para colocar o proletariado a reboque da burguesia
e o povo brasileiro como caudatário do
social-imperialismo soviético. Espera,
hoje, que a democracia possa vir do apoio de alas
ditas liberais das Forças Armadas, das
classes dominantes ou de ações pseudo-libertadoras
das Forças Armadas soviéticas. Aliás,
nunca compreendeu a fundo que a luta revolucionária,
verdadeira, consiste em fazer com que os operários
e camponeses possuam armas e um exército
próprio, popular, libertador.
Só
quando romperam em todos os terrenos com os revisionistas
chefiados por Prestes, os comunistas enveredaram
pelo exame crítico corajoso de todas as
posições anteriormente adotadas.
Num balanço geral, verificaram que o período
de 35 foi um dos mais ricos da vida política
do país e do Partido. As lições
que dele emanam podem ser de grande valor, se
avaliadas corretamente, à luz do marxismo-leninismo.
Além de conservarem imensa atualidade.
Em
1935, as massas haviam dado um salto em sua consciência
sobre a necessidade da revolução,
ao perceberem que esta deve ser obra delas próprias,
de sua iniciativa, de sua unidade, de seus sacrifícios,
de suas ações combativas, de uma
orientação justa. Ao tomar parte
no movimento armado de 1930, o fizeram sob a iniciativa
e em proveito de minorias, das cúpulas
e de alguns setores da pequena-burguesia radical.
Interpretando corretamente esse amadurecimento
da consciência das massas, para o qual ele
havia contribuído decisivamente, nosso
Partido elaborou uma linha política que
correspondia no fundamental ao curso do processo
objetivo, harmonizando-se com os supremos interesses
da revolução. A Aliança Nacional
Libertadora representou um empreendimento ousado
e de vasto alcance político, oferecendo
ao povo brasileiro um instrumento de ação
unida com reais condições de vitória
em sua luta mais que secular pela liberdade e
pela independência nacional. A frente-única
estabelecida com a Aliança impulsionou
o movimento popular, democrático, antiimperialista,
elevou a níveis nunca atingidos a organização
e a consciência política das massas.
Nosso partido projetou-se nacionalmente como o
mais fiel defensor dos interesses do povo, o mais
ativo organizador da unidade contra o imperialismo
e o fascismo. Nas duras provas e gloriosos combates
que advieram, apareceu aos olhos de toda a nação
como um destemeroso destacamento de vanguarda
do proletariado revolucionário, disposto
a dirigi-lo em quaisquer circunstâncias.
Merecidamente, o prestígio e a influência
do nosso partido se consolidaram.
Não
obstante, a política do Partido e seu trabalho
de frente-única, padeceram de sérias
debilidades. Ao fazer esforços para expandir
a Aliança entre as massas urbanas, não
soube estendê-la ao campo. A mobilização
dos camponeses, continuava subestimada. Nesse
período, no entanto, o inolvidável
Harry Berger insistira na importância da
atividade entre as massas rurais. Berger, dirigente
comunista alemão que a Internacional Comunista
incumbira de ajudar a luta dos trabalhadores brasileiros,
assim que chegou ao Brasil passou a estudar pessoalmente
a experiência do surgimento de Ligas Camponesas
e de guerrilhas na região do Baixo São
Francisco, em Alagoas. Argumentava que enquanto
os comunistas não se ligassem às
massas camponesas e conquistassem seu apoio, seria
impossível obter a vitória bem como
a direção do movimento revolucionário
pelo proletariado. Aliás, não era
outra a orientação da III Internacional.
Dimitrov, em seu informe ao VII Congresso, esclarecendo
o sentido concreto que devia ter a frente-única
nos países submetidos ao imperialismo,
e particularizando nosso país, dizia: “No
Brasil, o Partido Comunista, que construiu uma
base concreta para o desenvolvimento da frente-única
com a fundação da Aliança
Nacional Libertadora, deve fazer o máximo
de esforços para estender ainda mais esta
frente e atrair, antes e acima de tudo, as massas
de milhões de camponeses com o propósito
de orientá-las na formação
de unidades do exército popular revolucionário
até o fim do estabelecimento do poder da
Aliança Nacional Libertadora”.
Entretanto,
nosso Partido não deu a devida atenção
a estas preciosas indicações. E
assim permaneceu por longo tempo. Quando, porém,
teve de fazer faze ao golpe contra-revolucionário
de 1964, compreendendo melhor o conteúdo
da revolução e colocando-a em termos
práticos, foi que o partido passou a concentrar-se
no problema camponês e a basear sua concepção
de luta armada, tomando o campo como ponto de
apoio fundamental.
Em
outros aspectos do trabalho de frente-única,
o Partido conduzindo-se de modo estreito, sectário.
Por exemplo, o lançamento da palavra de
ordem de Governo Nacional Popular Revolucionário,
com Prestes à frente, não contribuiu
para a ampliação do movimento. Deixava
transparecer, ao contrário, que os comunistas
queriam absorvê-lo. Também foram
menosprezadas as possibilidades ampliar a frente-única
incorporando diversos grupos descontentes com
a política de Vargas. Enfim, por causa
da perspectiva imediatista e da incapacidade de
aproveitar as dissensões que se acentuavam
entre as classes dominantes, o movimento aliancista
não se estendeu como devia.
Contudo,
onde mais fortemente se manifestou o radicalismo
pequeno-burguês foi na concepção
e no método da luta armada. Isto não
quer dizer que se deva considerar a insurreição
de 35 como um putsch. De forma alguma. É
certo que se deu precipitadamente; mas não
como um golpe de cúpula, nem teve natureza
exclusivamente militar; surgiu no quadro de um
movimento de massas, amplo, democrático,
antiimperialista. O Partido, porém, confiava
numa vitória fácil, não levando
em conta a realidade, a correlação
de forças desfavorável e a própria
época imperialista. Pelo menos, desconhecia
que já em 1902, quando era marxista, Kautsky
dissera que, na época imperialista emergente,
“a futura revolução (. . .)
se assemelhará menos a uma guerra civil
prolongada”. Lênin em janeiro de 1917,
endossou firmemente essa opinião.
O Partido,
imbuído de concepções “tenentistas”
e fiando-se principalmente no apoio dos quartéis,
subestimou a conquista das massas para insurreição.
Mas baseando-se estritamente nos levantes de quartel,
o movimento revolucionário não pôde
triunfar. A afirmativa de que esse método
de luta é de “saber tipicamente comunista”,
constitui uma sandice. Na realidade, tem sido
um procedimento burguês e pequeno-burguês.
Leva as massas à passividade, não
reconhece a necessidade de sua participação
ativa na luta, feita quase sempre à sua
revelia. No entanto, os levantes de quartel, como
expressão do poderoso Ascenso do movimento
de massas, da insurreição popular,
proletária, contribuem para a desagregação
das tropas inimigas, para a organização
do exército revolucionário.
A importância
extraordinária da insurreição
de 35 reside no fato de que pela primeira vez
situou em forma concreta, em termos práticos,
para os militares comunistas e as forças
populares, a tarefa da preparação
e do desencadeamento da luta armada. Por isso,
nosso Partido, procurando generalizar essa magnífica
experiência e outras já vividas nesse
terreno pelo povo brasileiro, e à luz dos
ensinamentos do marxismo-leninismo, concluiu que
o método provado para alcançar o
triunfo é o da guerra popular, da guerra
revolucionária das massas. Com base nessa
concepção, o Partido orienta seu
esforço, preparando-se para a luta armada.
Só assim, estará em condições
de realizar, junto com as massas e na devida oportunidade,
ações de envergadura, capazes de
vencer a violência das forças contra-revolucionárias.
Passaram-se
quatro décadas da gloriosa insurreição
de 1935. Embora não seja, do ponto de vista
da história universal, um período
longo, está cheio de acontecimento de enorme
alcance. No mundo e em nosso país ocorreram
consideráveis modificações.
Posto que a insurreição nacional-libertadora
não tivesse desenterrado o Brasil da reação
e do imperialismo, abalou-o profundamente. Marcou
uma etapa relevante. Nela foram postulados pela
primeira vez e de maneira nova os problemas essenciais
da revolução brasileira, na fase
atual, melhor caracterizadas suas forças
motrizes e seus inimigos fundamentais, indicado
o caminho da frente-única e o da luta armada,
bem como revelada a fisionomia de seu verdadeiro
dirigente, o proletariado revolucionário,
guiado pelo Partido Comunista do Brasil. Nos embates
encarniçados de 35, as forças populares
compreenderam ainda mais que só a luta
revolucionária educa as massas, forja seu
ânimo combativo, abre-lhes maior visão
da realidade e indica-lhes a medida de suas próprias
forças.
Faz
onze anos que a ditadura militar-fascista procura
esmagar a resistência popular, varrer o
fantasma da revolução democrática,
antiimperialista, que ela acusa de comunista.
Mas, ao contrário do que pretendem os generais,
a revolução amadurece. Cresce na
consciência dos patriotas e dos democratas
a convicção de que as questões
determinantes do movimento de 1935 precisam ser
resolvidas. Sob o regime dos generais, o país
tornou-se mais dependente, mais endividado, mais
aviltado que em qualquer outra época de
sua vida nacional. Seu povo está mais pobre
e oprimido. Impõe-se, portanto, fazer a
revolução, através da ação
unida das massas e de amplas forças políticas,
e recorrendo ao caminho da guerra popular. Esta
verdade vai-se apoderando da mente e dos corações
da maioria da nação, como ficou
evidente nas combativas manifestações
de 1968 e em outras ocasiões. Apesar do
repúdio maciço do povo, do que foi
testemunho o pleito eleitoral de 1974, os generais
se obstinam em permanecer no Poder, despoticamente.
Não têm condições nem
querem satisfazer os reclamos da anistia de abolição
dos atos institucionais e das leis de exceção.
Por isso respondem com a escalada repressiva,
prendendo, torturando e matando patriotas e democratas.
Nestas circunstâncias, o exemplo da resistência
corajosa dos lavradores e dos patriotas do Araguaia
deve ser secundado. Eles formaram os primeiros
destacamentos guerrilheiros no campo e revivem,
em nível mais alto, desde 1972, a tradição
revolucionária de 1935. Deles também
partiram apelos para a união de todas as
forças interessadas na luta pela derrubada
da ditadura militar e pela conquista da liberdade.
A batalha será dura e prolongada, mas é
a única que assegurará a vitória.
Nosso
Partido, o heróico partido do proletariado,
inclina suas bandeiras de combate em homenagem
aos que não trepidaram, em 1935, em oferecer
suas vidas e derramar seu sangue para criar um
Brasil independente e democrático. Fiéis
à sua memória, juramos que haveremos
de prosseguir na ingente marcha que encetaram.
Nosso dever é aprender a lutar melhor e
perseverar.
__________
*
Publicado em A Classe Operária, nº
102, novembro de 1975, órgão oficial
do Comitê Central do Partido Comunista do
Brasil, em comemoração aos 40 anos
da Insurreição Comunista. Na época,
esse documento foi publicado sem assinatura, sabendo-se
que ele é de autoria do dirigente comunista
Pedro Pomar, assassinado pelo DOI-CODI, em 16
de dezembro de 1976.
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