Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
Praxedes, um operário no
poder
Praxedes:
Um Operário no poder
A Insurreição de
1935 vista por dentro
Moacyr de Oliveira Filho
Editora Alfa-Omega,1985
Nosso
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de Produção
10.
O Governo Popular Revolucionário
Na
manhã do dia 24 de novembro, a luta ainda
continuava no Quartel de Polícia, único
foco de resistência que ainda não
havia sido vencido pelos rebeldes, o que só
ocorreria no começo da tarde. Mesmo assim
os revoltosos eram senhores da situação
em toda a cidade. Logo cedo, assim que retorna
do quartel, Praxedes se reúne com o secretariado
do partido, formado por ele, José Costa
e João Galvão. Dessa reunião
participam, também, João Lopes –
o “Santa” –, assessor do Comitê
Central; Lauro Lago, José Macedo e o sargento
Quintino. A Reunião foi realizada na casa
de um ferroviário da Estrada de Ferro Central
do Rio Grande do Norte, que era membro do partido,
e teve o objetivo de definir a composição
do Governo Popular Revolucionário.
Praxedes
garante que o governo definido pelos rebeldes
tinha mais um nome além dos que constam
na maioria dos livros sobre a Insurreição
de 1935. Esse nome era exatamente o de João
Lopes, assessor do Comitê Central do Partido,
e que usava os codinomes de “Santa”
e “Maranhão”. Segundo Praxedes,
“Santa” foi escolhido para presidente
do Governo Popular Revolucionário, que
era integrado, ainda, pelo sargento Quintino Clementino
de Barros, secretário de Defesa; pelo ex-diretor
da Casa de Detenção, Lauro Lago,
secretário do Interior e Justiça;
pelo tesoureiro dos Correios José Macedo,
secretário de Finanças; pelo advogado
João Galvão, secretário de
Viação, e pelo sapateiro José
Praxedes, secretário de aprovisionamento.
Esse
depoimento de Praxedes esclarece o mistério
da participação de “Santa”
no movimento insurrecional. O chefe de polícia
de Natal, João Medeiros Filho, em seu livro
de 82 horas de subversão cita o nome de
“Santa” sem conseguir identificá-lo
e confundindo-o com um certo “Bluche”,
este, sim, figura que não é citada
em nenhum outro depoimento, mas parecendo uma
invenção do próprio João
Medeiros para valorizar a sua atuação,
na medida em que atribui a esse certo “Bluche”
a autoria de um bilhete com a ordem para fuzilá-lo¹.
Essa
versão, aliás, é levantada
no livro Vertentes, de autoria de João
Maria Furtado, juiz de direito da Comarca de Baixa
Verde, na época da Insurreição
de 1935, que afirma: “Há duas alternativas:
ou esse ‘Bluche’ fora, assim encoberto,
um agente provocador do governo e este não
tinha interesse em identificá-lo ou esses
bilhetes foram ‘fabricados’ para dar
elevo à atuação do autor
do livro na qualidade de chefe de polícia.
. . E mesmo alguns dirigentes revolucionários
usaram pseudônimos como “Buda”
e “Santa” em ordens de requisições,
etc.”².
Também
o brasilianista Robert Levine não consegue
identificar com precisão a figura de “Santa”,
especulando que ele poderia ser o próprio
João Galvão, um dos membros da Junta:
“Acredita-se mesmo que fosse ele (João
Galvão) o “Santa”, que correspondia
com o Comitê Central do PCB no Recife nos
dias que se seguiram à revolta³.
Praxedes,
no entanto, é categórico: “
‘Santa’ era o codinome do mestre de
obras João Lopes, membro do Comitê
Central, que foi o principal dirigente do movimento
e, por isso mesmo, escolhido por nós para
ser o presidente da Junta de Governo. ‘Santa’
veio comigo para Natal no final de junho de 1935,
enviado especialmente pelo Comitê Central
para nos ajudar na preparação da
insurreição”.
Definida
a composição do governo, Praxedes
é indicado para fazer a proclamação
oficial do novo governo ao povo de Natal. “Depois
da reunião, eles me escolheram para fazer
a proclamação do governo. Fomos
para a Praça do Mercado, em frente ao quartel
do 21º BC e ali mesmo, na porta do quartel,
eu subi na murada e li a proclamação
do Governo Popular Revolucionário. O povo
estava todo na praça e, depois da proclamação,
saudou o novo governo com gritos de ‘Viva
a Revolução’, ‘Viva
o Governo Popular Revolucionário’,
‘Viva Prestes’. Foi uma verdadeira
festa. Durante a reunião que definiu o
governo nós resolvemos fazer umas faixas
com os dizeres: ‘Pão, Terra e Liberdade.
Todo apoio ao Cavaleiro da Esperança’.
Mas não houve tempo e a coisa foi feita
sem faixa mesmo” – conta Praxedes.
Segundo
o relato de Praxedes, todos os nomes que integravam
o governo eram membros do partido: “Todos
eram da direção do partido e por
isso mesmo foram escolhidos para compor o governo.
Não tinha ninguém da ANL e muito
menos de João Café, que ficou fora
do movimento. Era só gente do partido”.
Esse depoimento desmente algumas versões
segundo as quais a revolução não
teria passado de uma farra, como afirma Glauco
Carneiro, em seu livro História das Revoluções
Brasileiras: “. . .e o cidadão pacato
que passeava com a mãe pelo centro de Natal
tornara-se Ministro de Viação do
único governo comunista implantado no Brasil”,
numa referência a João Galvão
que, na verdade, era membro do secretariado do
partido4. Referindo-se a essas versões
históricas sobre aqueles dias de novembro
de 1935 – algumas mentirosas, outras distorcidas,
outras equivocadas –, Praxedes, que participou
diretamente de todo o movimento, desde a sua preparação
até o final da resistência, desabafou,
cunhando uma frase sábia: “É,
meu caro” – disse ele. “A História
é uma sujeita ingrata e mentirosa”.
Com
relação à não-participação
dos correligionários de Café Filho
na insurreição, a versão
de Praxedes é confirmada pelo próprio
João Café Filho que, em seu livro
de memórias, registrou assim a Insurreição
de Novembro: “Meu representante político
em Natal era Kerginaldo Cavalcanti. Reuniu em
casa do jornalista Sandoval Wanderley os principais
responsáveis pelo nosso grupo, ficando
deliberado, no primeiro dia da sedição,
que nenhum dos nossos correligionários
participaria dela, decisão aprovada por
mim, pessoalmente, pouco depois. Em outro trecho
de suas memórias, Café Filho deixa
claro seu antagonismo com os comunistas, como
sustenta Praxedes, ao afirmar: “Ao tomar
conhecimento da insurreição, reagi
com ceticismo. Ou a notícia era improcedente,
ou havia um equívoco na interpretação
do fato. Parecia absurdo que os comunistas do
Rio Grande do Norte, tão escassos, pudessem
realizar uma façanha daquela envergadura.
Como Chefe de Polícia, por duas vezes,
observara de perto as suas atividades. Cheguei,
não raro, a ter pequenos atritos com eles
por causa de suas habituais manobras subversivas”5.
Depois
de proclamado o Governo Popular Revolucionário,
seus membros dirigem-se para a Vila Cincinato,
palácio residencial do Governo do Estado,
que já estava ocupado desde a madrugada
pelos rebeldes. “Nós fomos nos reunir
para discutir as primeiras medidas que iríamos
tomar. Fomos direto para a Vila Cincitato, que
já estava ocupada pelo nosso pessoal, todos
fardados, como havíamos combinado”,
– lembra Praxedes.
Nessa
primeira reunião, o Governo Popular Revolucionário
editou seu primeiro decreto, destituindo o governador
Rafael Fernandes e dissolvendo a Assembléia
Constituinte do Rio Grande do Norte. O decreto
tinha apenas dois artigos que diziam o seguinte:
“1º – Em virtude de não
ser encontrado, em parte alguma deste Estado,
o governador sr. Rafael Fernandes Gurjão,
fica o mesmo destituído de seu cargo, que
não pode mais exercer. 2º –
Por não consultar maus aos interesses do
povo e do Estado, fica dissolvida por este ato
a Assembléia Constituinte do Estado do
Rio Grande do Norte, ficando assim os srs. deputados
destituídos de seus mandatos, sem remuneração
de espécie alguma”.
A primeira
medida tomada pela Junta de Governo foi determinar
a desativação de todos os faróis
que funcionavam nas costas de Natal. “Mandamos
desligar todos os faróis. O Batipari, ao
norte, na fronteira com a Paraíba; o dos
Três Reis Magos, na entrada do porto de
Natal; e o do Cabo de São Roque, o Olhos
D’Água e o Touros. Com isso nós
evitamos a possibilidade de um ataque pelo mar.
Com os faróis desligados nenhum navio teria
condições de se aproximar de Natal”
– explica Praxedes. Ao mesmo tempo, a Junta
determinou que as duas corvetas mexicanas que
estavam ancoradas no porto não poderiam
sair e mandou uma tropa vigiar o cais. “Não
permitimos que os navios mexicanos saíssem
porque eles poderiam alertar as autoridades e
também porque nós poderíamos
usá-los em caso de necessidade”,
explica Praxedes.
Ainda
no terreno das ações preventivas,
a Junta de Governo tomou medidas rigorosas para
evitar a ação de provocadores, agitadores
e sabotadores contrários ao movimento.
“Espalhamos homens de nossa confiança
por toda a cidade para evitar saques, assaltos
e ações desrespeitosas à
dignidade humana. Não queríamos
que ninguém fosse desnecessariamente perturbado.
As ordens eram rigorosas: quem fosse pego fazendo
alguma coisa errada seria imediatamente preso”
– conta Praxedes.
A Junta
de Governo divulgou um comunicado, intitulado
“Aos revolucionários em armas”,
onde apelava para que a ordem fosse mantida. O
comunicado dizia o seguinte: “O Comitê
Popular Revolucionário faz um apelo a todos
os camaradas em armas, e ao povo em geral, para
que respeitem os adversários, na sua pessoa
e na propriedade, não cometendo excessos
de qualquer natureza, guardando às famílias
o máximo respeito, procurando garantir
os comerciantes, em especial os pequenos. Os responsáveis
por depredações ou agressões
responderão por elas perante o órgão
competente do Comitê. Qualquer fato que
contrarie essa recomendação será
interpretado como ato de rebeldia e desacato ao
próprio Comitê, ao qual deverão
ser trazidas quaisquer reclamações
dos prejudicados, para as devidas providências.
Nossa estrondosa vitória não justifica
vinganças indignas na grandeza do ideal
que a inspirou”.
Além
desse comunicado, a Junta de Governo expediu um
outro aviso ainda mais duro, na tentativa de conter
os boatos e os excessos que pudessem vir a ser
praticados. Dizia esse novo comunicado: “Tendo
chegado ao nosso conhecimento que alguns elementos
terroristas, a serviço dos inimigos do
povo, andam espalhando pela cidade boatos alarmantes
no intento de atemorizar as famílias, e
nos incompatibilizar com o povo, resolvemos tomas
as seguintes medidas: Serão punidos com
o máximo rigor todos os que foram pegados
(sic) espalhando boatos de qualquer natureza tendentes
a implantar o desânimo e o terror entre
as famílias. Serão presos e punidos
com o máximo rigor todos os que forem pegados
(sic) na prática de atos atentatórios
a moral e ao decoro público. Será
preso todo e qualquer indivíduo que transite
pelas ruas em visível estado de embriaguez”.
Apesar
desse esforço, uma atitude violenta do
povo não pôde ser contida: a invasão
e depredação da sede dos integralistas.
É Praxedes quem conta: “Desde a manhã
do dia 24 que os integralistas começaram
a espalhar boatos alarmistas pela cidade. O povo,
sem nenhuma determinação nossa,
invadiu a sede deles e arrebentou tudo. As paredes
foram pintadas com ofensas a Plínio Salgado,
as cadeiras quebradas, a escrivaninha do presidente
deles também foi toda pintada. Enfim, fizeram
uma esculhambação danada. Mas foi
só esse incidente mais grave que ocorreu.
As nossas patrulhas ficaram o tempo todo nas ruas
para garantir a ordem e o respeito às pessoas.
No geral as pessoas entenderam nossas determinações.
Não houve nenhum abuso como alguns tentam
espalhar por aí”.
Com
efeito, esse relato de Praxedes é parcialmente
confirmado pelo historiador Hélio Silva,
que em seu livro sobre a Insurreição
de 1935 afirma: “A população
confraternizava com os rebeldes. Era mais uma
festa popular, um carnaval exaltado, do que uma
revolução. Houve excessos como sempre
acontece. Casas comerciais foram despojadas de
víveres, roupas e utensílios domésticos
que aquela gente não podia comprar. Houve
populares que, pela primeira vez, comeram presunto.
Posteriormente falou-se em violências de
todos os matizes. Espalharam que os revolucionários
haviam violentado as moças da Escola Doméstica,
estabelecimento de alto padrão, criado
pelo governo José Augusto. Os pais das
moças e o bispo Marcolino Dantas desmentiram
tal acusação”6.
A
questão dos gêneros alimentícios
é explicada de outra forma por Praxedes.
Segundo ele, não houve saque às
lojas mas, sim, uma requisição de
alimentos feita pela Junta de Governo. “O
assédio do povo faminto era muito grande
e então eu, como secretário de aprovisionamento,
determinei que nossa gente fosse ao armazém
de um português chamado Manoel Machado e
requisitasse mantimentos para o Palácio
do Governo. E isso foi feito. Os mantimentos foram
recolhidos e distribuídos ao povo lá
no Palácio mesmo. O povo fez fila e cada
pessoa levava uma ração, com um
quilo de arroz, feijão, farinha, açúcar
e carne. Não me lembro de ter visto ou
sido informado de qualquer saque a estabelecimentos
comerciais. Se houve, não tive notícia
na época. Só sei dessa requisição
de mantimentos ao armazém do Machado que
foi feita oficialmente pela Junta de Governo.
Alguns historiadores garantem, inclusive, que
a Junta tomou providências para manter o
comércio aberto e confirmam a versão
de Praxedes de que foram colocadas patrulhas nas
ruas para manter a ordem. “. . .Impediu
(a Junta), na segunda-feira da revolução,
que o comércio cerrasse as portas e postou
soldados à porta das lojas para garanti-las
contra o saque”7.
O próprio
José Praxedes de Andrade, na qualidade
de Secretário de Abastecimento Público,
emitiu um comunicado aos comerciantes disciplinando
a sua atividade durante a insurreição.
Com o título “Aos senhores comerciantes”,
o comunicado dizia: “Estanto já constituído
o Comitê Revolucionário, aclamado
pelo povo em praça pública, dirige-se
este aos senhores comerciantes, no sentido de
pedir-lhes que normalizem a vida da cidade, abrindo
as suas casas comerciais a fim de que o povo não
sofra mais tempo a falta de gêneros de primeira
necessidade. Esperamos ser atendidos neste nosso
apelo, mesmo porque de outro modo nós nos
sentiríamos impotentes para conter o povo
nos assaltos que porventura tenha necessidade
de fazer ao comércio para munir-se do necessário
à sua vida. Atendidos, porém, garantiremos
o livre funcionamento de todo o comércio,
ao qual procuraremos beneficiar diminuindo os
impostos de comum acordo com os senhores comerciantes
aos quais oportunamente convidaremos para nos
dar sugestões sobre o assunto”.
Além
de mantimentos, a Junta requisitou automóveis
para a sua locomoção e para a movimentação
de tropas. “Todos os carros particulares
foram requisitados pelo governo. Deixamos todos
os proprietários sem carro. E só
podia ser assim. Como é que nós
iríamos transportar tropas sem carro? Carros,
caminhões, requisitamos tudo. Quem cuidou
disso foi o João Galvão. Só
não requisitamos o carro do bispo que era
para não bulir com a igreja. Mexer com
religião é uma coisa danada. Quem
tiver a cabeça não bole não,
porque se sai mal” – diz Praxedes.
Além dos carros, o governo revolucionário
também requisitou combustível. “Os
postos ficaram abertos para nos atender. Não
faltou gasolina durante todo o movimento”,
afirma Praxedes.
Apesar
de pouco tempo em que ficou no poder, o Governo
Revolucionário tomou duas medidas de ampla
repercussão nas camadas populares, além
da distribuição de alimentos gratuitos
ao povo: decretou a reforma agrária e a
distribuição de terras improdutivas
aos camponeses, anunciada no momento da proclamação
do governo e baixou o preço das passagens
dos bondes de cinqüenta para vinte réis.
No
terreno da propaganda, a Junta decidiu editar
um jornal oficial do Governo Popular Revolucionário
para divulgar as notícias do movimento
e as primeiras medidas tomadas pelo novo governo.
O jornal recebeu o sugestivo nome de A Liberdade,
tinha quatro páginas e circulou apenas
uma vez, com data de 27 de novembro de 1935. O
cabeçalho de A Liberdade dizia: “Enfim,
pelo esforço invencível dos oprimidos
de ontem, pela colaboração decidida
e unânime do povo, legitimamente representado
por soldados, marinheiros, operários e
camponeses, inaugura-se no Brasil a era da liberdade,
sonhada por tantos mártires, centralizada
e corporificada na figura legendária-onipresente
no amor e na confiança divinatória
dos humildes – de Luiz Carlos Prestes, o
‘Cavaleiro da Esperança’ ”.
O jornal foi escrito e impresso nas oficinas da
Imprensa Oficial do Estado e tinha o mesmo formato
de A República, que era o órgão
do Governo do Estado. De acordo com a denúncia
oferecida pelo Procurador da República
do Rio Grande do Norte – Dr. Carlos Gomes
de Freitas8 –, participaram diretamente
da redação e da impressão
de A Liberdade, os funcionários da Imprensa
Oficial Othoniel Menezes e Gastão Correa,
identificados na denúncia como os principais
redatores do jornal da Junta do Governo. Praxedes,
no entanto, atribui a autoria dos principais textos
a outra pessoa: o jornalista Carlos Valadares,
o mesmo que chegou a Natal no final de junho de
1935, acompanhado a caravana da ANL dirigida pelo
comandante Roberto Sisson. “O jornalista
Carlos Valadares os ajudou muito na redação
do jornal. Ele nos prestou um grande serviço.
Além do jornal, Valadares foi pessoalmente
à Rádio Difusora de Natal fazer
uma proclamação ao povo pelo rádio”
– afirma Praxedes.
A elaboração de A Liberdade registra,
ainda, uma história curiosa. A primeira
página continha, além do cabeçalho,
dois artigos intitulados “Sob a Aleluia
da Liberdade” e “Delenda Fascismo!”
– e duas pequenas notas sobre os desdobramentos
do movimento revolucionário em São
Paulo e na Paraíba (aliás, que não
se confirmaram). Nas páginas dois e três
havia matérias diversas sobre o movimento
em Natal, e a quarta página foi dedicada
a palavras de ordem revolucionárias em
letras garrafais para ocupar espaço. Mesmo
assim, ficou um buraco e os redatores não
tiveram dúvidas: colocaram um anúncio
do popular Sal de Fructa Eno que, assim, teve
uma propaganda gratuita na imprensa revolucionária9.
Logo
nas primeiras horas de poder, os membros da Junta
sentiram uma necessidade básica: era preciso
arrumar dinheiro. “Não se pode fazer
uma revolução sem dinheiro, não
é mesmo?” – diz Praxedes. A
Junta decidiu, então, expropriar os cofres
do Banco do Brasil, do Banco do Rio Grande do
Norte e da Recebedoria de Rendas. “Os cofres
do Banco do Rio Grande do Norte e da Recebedoria
de Rendas foram imediatamente arrombados porque
não conseguimos localizar os gerentes.
Já no Banco do Brasil foi diferente. O
Macedo procurou, em nome da Junta, o gerente do
banco, Carlyle Magalhães da Silva, que,
inclusive, era simpatizante do partido (ele contribuía
com o partido), e lhe pediu que entregasse as
chaves da agência e do cofre. O Carlyle
não aceitou. Disse que como gerente não
poderia fazer isso e sugeriu que procurássemos
outros meios. Nós, então, tivemos,
também, que arrombar o cofre do Banco do
Brasil. Quem meteu o maçarico foi o pessoal
da Companhia de Força e Luz e os ferroviários
da Central do Rio Grande do Norte” –
recorda Praxedes.
Segundo
depoimento de Praxedes, todo o dinheiro recolhido
em poder da Junta de Governo se aproximava dos
15 mil contos de réis, incluindo as quantias
que foram recolhidas das prefeituras do interior.
“Só no Banco do Brasil tinha uns
10 mim contos de réis” – garante
ele. Esse montante não confere com os dados
oficiais divulgados pelas autoridades da época,
segundo os quais teriam sido expropriados quase
3 mil contos de réis do Banco do Brasil,
93 contos de réis do Banco do Rio Grande
do Norte e 154 contos de réis da Recebedoria
de Rendas, num total de 3.200 contos de réis,
em números redondos e aproximados10. Outras
versões, como a do historiador Hélio
Silva, com base no relato de Café Filho,
deram que o total do dinheiro expropriado chegou
a 3.600 contos de reis. ¹¹
De
posse do dinheiro expropriado dos bancos, mais
as quantias que chegavam do Interior, a Junta
de Governo começava a ter condições
concretas de governar efetivamente. O dinheiro
era usado para pagamento do soldo dos militares
e para a compra de materiais necessários.
Todo o material requisitado pelo Governo Revolucionário
era pago, à exceção dos mantimentos
que foram expropriados do armazém de Manoel
Machado. O brasilianista Robert Levine confirma
isso: “A Junta pagava à vista e se
requisitava qualquer material o fazia por escrito”
¹². Segundo Praxedes, “no dia
27, o Quintino enviou uma requisição
pedindo 550 contos para o pagamento do soldo da
tropa e outros gastos no quartel e nós
mandamos o dinheiro”.
O Governo
Popular Revolucionário era dono completo
da situação. Na cidade de Natal
não havia nenhum foco de resistência,
depois de derrotado o Quartel de Polícia
e o Esquadrão de Cavalaria, na manhã
do dia 24.
Ainda
na tarde do dia 24, o novo governo recebia uma
manifestação pública de apoio
de algumas lideranças políticas
da cidade. “Às duas horas da tarde
nós recebemos a solidariedade de membros
da Assembléia Legislativa e da Câmara
Municipal que, incorporados, foram até
a Vila Cincinato, sob o comando do deputado Pedro
Matos, que era simpatizante do partido, levar
a solidariedade política ao movimento”
– conta Praxedes.
As
patrulhas organizadas pela Junta conseguiram controlar
a situação, evitando saques e outras
violências desnecessárias e a vida
de Natal corria quase que normalmente. “O
povo teve comida, teve transporte barato. Ficou
todo mundo satisfeito, vivendo a vida normalmente.
Os ricos, que poderiam ter nos enfrentado, não
fizeram nada. Os grandes proprietários
de terra, os criadores, de gado, os usineiros,
enfim, a grande aristocracia local, cruzou os
braços e se escondeu. O único que
nos criou problemas foi o Dinarte Mariz, que mobilizou
seus homens para nos atacar no interior do Estado”
– relata Praxedes. Apesar desse apoio popular,
ele reconhece que faltou uma participação
mais ativa da massa na insurreição.
“O povo mesmo não participou diretamente
da insurreição. Só os militares
do partido. Se nós tivéssemos tido
mais tempo para consolidar o governo, talvez,
essa situação se invertesse. Mas
nós não tivemos tempo nem mesmo
para fazer manifestações de massa,
comícios e outras atividades de propaganda
em defesa do novo governo” – argumenta
Praxedes.
Embora
alguns autores registrem a ocorrência de
três assassinatos premeditados¹³,
Praxedes diz desconhecer esses fatos, Ele garante
ter tomado conhecimento apenas de um assassinato:
o de Octacílio Werneck, funcionário
da Companhia de Navegação Costeira.
“Na manhã do dia 24” –
conta Praxedes – “o motorista Epifânio
Guilhermino estava passando pela Ribeira quando
encontrou com esse funcionário da Costeira.
Ele era um sujeito detestado pelos trabalhadores
porque perseguia muito os salineiros de Macau,
Areia Branca e Mossoró, onde era gerente
das salinas, e era acusado de roubar no pagamento
do pessoal. O motorista Epifânio encontrou
esse cidadão de manhã cedo, desentendeu-se
com ele e tocou fogo. Esse foi o único
assassinato que eu tive conhecimento. Se ocorreram
outros, não posso dizer nada porque não
fui informado”.
Com
a situação em Natal sob controle,
a maior preocupação da Junta de
Governo era com o deslocamento de tropas para
o interior, seguindo um plano traçado com
o objetivo de espalhar a insurreição
para outros Estados.
__________
1.
MEDEIROS, João, obra citada, págs.
19, 63 e 67.
2. FURTADO, João Maria, obra citada, pág.
146.
3. LEVINE, Robert M., obra citada, pág.
167.
4.
CARNEIRO, Glauco, Histórias das Revoluções
Brasileiras – Volume 2 – Edições
O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1965, pág.
418.
5. CAFÉ FILHO, João, obra citada,
págs. 80/81.
6.
SILVA, Hélio, obra citada, págs.
282/3.
7. LEVINE, Robert M., Obra citada, pág.
167.
8.
in MEDEIROS, João, obra citada, pág.
136.
9. FURTADO, João Maria, obra citada, pág.
134.
10.
MEDEIROS, João, obra citada, pág.
52.
11. SILVA, Hélio, obra citada, pág.
282, citando CAFÉ FILHO, João, obra
citada, págs. 80/90.
12. LEVINE, Robert M., obra citada, pág.
167.
13.
MEDEIROS, João, obra citada, págs.
16/23/122.
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