Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
Histórias
que não estão na História
José de Anchieta Ferreira,
Livraria Clima, 1985
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O
REFÚGIO DE RAFAEL
BRINCADEIRA
FATAL
“SEU”
MANOEL
A
BARATA DO CONDE
O
REFÚGIO DE RAFAEL
Muito se escreveu sobre a Intentona Comunista
de 1935, em Natal, que surpreendeu as autoridades
governamentais quando assistiam, no Teatro Carlos
Gomes (Alberto Maranhão), a uma solenidade
de formatura de alunos do Colégio Marista.
Não raro, no entanto, ouve-se a falsa versão
de que elas, precipitadamente, refugiaram-se numa
corveta mexicana ancorada no porto. O boato adquiriu
foros de verdade e é aceito por respeitáveis
historiadores e memorialistas, chegando a internacionalizar-se
com o americano John Foster Dulles, em seu livro
“Anarquistas e Comunistas no Brasil.”
Em “Vertentes,” do Dr. João
Maria Furtado, encontramos na página 126,
que o governador, com “amigos e secretários
refugiaram-se numa casa à Rua Sachet e
depois na residência do cônsul da
Itália, para, posteriormente, passarem
a um navio mexicano surto no porto.”
O ex-presidente Café Filho vai mais longe
em seu cochilo. Em suas memórias, “Do
Sindicato ao Catete,” diz que “as
autoridades desapareceram refugiando-se o Governo
Rafael Fernandes num petroleiro da Air France.”
Para o historiador Hélio Silva, no seu
livro sobre Getúlio Vargas, da coleção
“Os Presidentes”, já não
foi um navio mexicano, mas um avião francês,
que o governador escolheu para refúgio.
“Do teatro, escreve o consagrado historiador,
o governador e outras autoridades, depois de passarem
pela casa de um amigo na Rua Sachet, refugiaram-se
num avião da companhia Letecoére
que fazia a ligação Natal-Dacar,
permanecendo sob a proteção da bandeira
francesa.”
De fato, encontravam-se alguns caça-minas
mexicanos no porto, mas lá o governador
não pôs os pés, conforme depoimento
gravado, do Dr. Aldo Fernandes, então Secretário
Geral do Estado: – “Quando começou
o tiroteio, o pessoal foi saindo do teatro, e
nós ficando, até 10 ou 11 horas.
Aí eu disse: vamos embora. O teatro está
se esvaziando, esses revolucionários chegam
e prendem a gente. Resolvemos ir para a Inspetoria
de Polícia. Você imagine que doidice
nós íamos fazer! Quando chegamos
defronte da casa de Januário Cicco, no
meio da avenida, hoje Duque de Caxias, houve um
tiroteio danado na Praça Augusto Severo.
Foi só para amedrontar, porque não
morreu ninguém. Naquele aperreio, entramos
na casa de Xavier de Miranda, que estava aberta
e com as luzes acesas. E ao chofer que vinha atrás,,
(nós íamos a pé) dei ordem
para entrar na casa de Antônio Farache.
Quando amanheceu o dia, tudo calmo, começamos
a saber das notícias. Mas até a
hora do almoço a mulher de Xavier estava
muito aflita porque não sabia de notícias
do marido. Foi quando soubemos que a polícia
havia cessado a luta por falta de munições.
E ficamos assombrados. E começamos a pensar:
e agora, para onde é que vamos? Resolvemos
ir para a casa de Littieri, que era representante
do consulado da Itália no Recife, Porque,
quando Rafael veio fundar a Casa Fernandes, em
1929 ou 30, hospedou-se no Hotel Internacional
que era, nesse tempo, de Lettieri, e tornaram-se
amigos. Mandamos um rapaz, Pedro Fernandes de
Queiroz, perguntar se ele poderia nos hospedar.
E ele mandou dizer que seria um prazer. Quando
escureceu e as luzes da cidade acenderam, saímos.
Entramos no beco ao lado da casa de Januário
Cicco, e quando chegamos na atual rua Câmara
Cascudo, avistamos um carro com soldados do Exército.
Passou ao nosso lado e parou num restaurante vizinho
à casa de Littieri que já estava
no portão nos esperando um pneu. E ficamos
lá no domingo, na segunda. Na terça-feira,
de manhã, chegou uma pessoa e nos disse
que eles estavam fugindo, desocuparam o quartel,
abandonaram armamento, etc. confirmada a notícia,
tomamos o carro e fomos para o palácio.
E eu, que esperava encontrar tudo anarquizado,
nos surpreendemos. Estava tudo como deixamos,
porque eles lá não foram. Haviam
instalado o governo na Vila Cincinato, residência
do governador... Essa história do navio
foi um erro muito grande. Naquele livro de Rômulo
Wanderley sobre a Polícia Militar (História
do Batalhão de Segurança) que ele
me mandou, e eu li, fiquei danado e mandei chamá-lo.
- Mas, Rômulo, como é que você
faz uma coisa dessa? Você devia ter nos
consultado. Rafael não foi a navio nenhum.
- Mas foi o que me disseram. Correu esse boato...
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BRINCADEIRA
FATAL
Em pânico com a “Revolução
Comunista” que acabara de rebentar, no já
distante 23 de novembro de 1935 pela surpresa
do acontecido não foram muitas as pessoas
que puderam fugir de Natal procurando as praias
ou o interior do Estado. Joca Lyra, o alfaiate
da moda, preferiu a residência do seu amigo
Anibal Correia, mas apressou-se em mandar a família
para a praia da Redinha, aceitando, com alívio,
o convite do Dr. Pedro Amorim para, juntamente
com os seus, ficar abrigado em sua casa de veraneio.
Às pressas, atravessaram o rio. O Potengi,
com certeza, lhes daria a segurança contra
a violência revolucionária. E, assim,
a beira-mar, se mantinham despreocupados, numa
antecipação do veraneio que se aproximava.
Mas o inesperado aconteceu. No dia 24 desembarca
de um bote uma patrulha comandada pelo ex-jogador
do América, Hemetério Canuto. Vai
de casa em casa à procura de armas, mas
nada encontra. Inesperadamente, chega à
casa do Dr. Amorim e corre todas as suas dependências.
– Estamos à procura de armas, declara,
autoritário, o comandante da patrulha.
Erguendo o braço e apontando um pequeno
morro, Arnaldo Lyra, sempre disponível
para uma brincadeira, responde: - só se
tiver enterradas naquele morro de areia. Irritado
com a resposta, Hemetério Canuto deu-lhe
voz de prisão. – Ah, esse galinha
verde sabe de tudo! Vai preso agora para
Natal. a designação perjorativa,
aplicada aos integralistas, não o atingia.
Com 27 anos, pianista, falando bem o inglês
numa época em que poucos o falavam, a política
não o atraía.
A seguir, alguns trechos gravados do depoimento
emocionado de sua irmã Vicentina Lyra,
“daquele dia que eu jamais esquecerei. Foi
horrível. Minha pobre mãe chorava
tanto, ajoelhada aos pés deles, pedindo
pelo amor de Deus que não fizessem aquilo.
Então eles prometeram a ela que não
fariam nada com ele. Chorando, minha mãe
colocou uma oração no bolso dele.
E eu fiquei com ela. Mas ficou manchada de sangue,
e era um martírio para mim olhar ela. Até
que um dia eu não agüentei mais, e
me desfiz dela, queimando...”
As lágrimas de D. Elcides não comoveram
o comandante da patrulha, e Arnaldo foi conduzido,
preso, para a Vila Cincinato, atual Vila Potiguar,
na Praça Pedro Velho. Ao chegar, foi reconhecido
e logo liberado. No entanto, a amarga experiência
da Redinha não lhe servira de lição.
Na saída, ao passar pelo sentinela, estirou
o braço, proferido um anauê, numa
saudação integralista. Como resposta,
recebeu uma brutal estocada de baioneta na região
abdominal. Gravemente ferido, foi jogado no minguado
espaço do aparelho sanitário. (Declaração
do próprio Arnaldo, no então Hospital
Miguel Couto, aos seus amigos Dante de Melo Lima
e José Alexandre de Amorim Garcia.) Coincidentemente,
chega nessa ocasião o Sr. Manoel Henrique,
motorista do governador Rafael Fernandes, que
passara a noite na Pensão Natal, de D.
Maria Cabral (onde hoje está o Grande Hotel)
no outro lado da residência do Sr. Xavier
de Miranda, onde pernoitaram algumas autoridades,
refugiadas, apanhadas de surpresa no Teatro Carlos
Gomes (Alberto Maranhão) quando assistiam
a uma solenidade de formatura de concluintes do
Colégio Marista.
Voltando a uma garagem próxima, onde deixara
o carro, o motorista foi preso por um soldado,
que o reconheceu. Segundo depoimento do Sr. Manoel
Henrique daí ele foi levado à Vila
Cincinato, sob a alegação de que
iria ficar à disposição da
Junta Revolucionária, como motorista. Com
a permissão de Lauro Lago, um dos integrantes
da Junta, que lhe forneceu um salvo-conduto assinado
pelo sargento Quintino, foi à sua residência,
também na Praça Pedro Velho, preocupando
com o filho doente, e tranqüilizar a esposa.
De volta, ao aproximar-se da Vila, foi intimado
por um paisano, com bornal a tiracolo, para levar
um ferido ao hospital. Dizendo não ser
possível atendê-lo, por encontrar-se
sob às ordens da Junta Revolucionária,
o indivíduo, empunhando ameaçadoramente
um fuzil, respondeu-lhe categórico: - não
tem isso não, você tem que ir agora.
Nesse instante, de súbito, avista Arnaldo,
vindo em sua direção, enrolado em
uma toalha presa à cintura, caminhando
devagar, ligeiramente curvo, segurando o ventre
com uma das mãos. – Eu conheço
esse rapaz! É irmão do Sr. Fernando
Lyra. Esse menino não é capaz de
fazer mal a ninguém, exclamou surpreso
e penalizado o Sr. Manoel Henrique. – Nada,
isso é um integralista safado! Retrucou
o paisano boçal. E Arnaldo, com voz sumida
e trêmula, respondeu: - eu também
conheço o senhor.
Lentamente, apoiando-se na porta do carro, sentou-se
no banco traseiro do Chevrolet Imperial do governador,
que rodou depressa em direção ao
Hospital Miguel Couto (Hospital das Clínicas).
Operado pelo Dr. José Tavares da Silva,
que utilizou todos os recursos médicos
disponíveis, conseguiu sobreviver até
o dia 29, quando veio a falecer, provavelmente
de peritonite generalizada.
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“SEU”
MANOEL
Manoel Flausino, analfabeto e simplório,
dava recados, limpava o chão, aguava o
jardim e colocava o caixão de lixo na calçada.
Às vezes, exercia o ofício de ajudante
de pedreiro. E, assim, ia passando, ganhando uns
cobres aqui, outros ali, principalmente na residência
do desembargador Felipe Guerra, onde tinha as
refeições garantidas e a amizade
dos donos da casa. Na revolução
comunista de 1935, passando em frente do quartel
sublevado, foi convidado a participar da intentona.
Vestiram-lhe uma farda, deram-lhe um fuzil e lhe
enrolaram um lenço vermelho no pescoço.
Incontinenti, foi desfilar pela cidade, mostrar-se
aos amigos e visitar os antigos patrões,
agora em pé de igualdade, pois já
não era mais um simples faxineiro, e sim,
um militar respeitado. Mais do que isso –
um revolucionário.
Os integralistas, inimigos declarados dos marxistas,
trataram de desaparecer. E o Dr. Otto Guerra,
naquele tempo admirador de Plínio Salgado,
deixou naqueles dias a família sobressaltada.
E grande foi o susto quando entra de casa a dentro,
sem se anunciar, aquele indivíduo fardado,
empunhando um fuzil, e de lenço vermelho
no pescoço. Mas o engano e o susto logo
se desfizeram. Era apenas “seu” Manoel
que, vaidoso e falante, vinha exibir a sua farda
e a sua importância. – Seu Manoel,
olhe em que o senhor está metido! Isso
é um negócio muito sério,
muito arriscado, advertia-o, preocupado, o doutor
Felipe. Mas o “seu” Manoel encontrava-se
nas nuvens, inacessível a qualquer advertência.
Dias depois, já fracassado o levante, com
os revoltosos em debandada, e aproximando-se da
capital o 23 BC de Fortaleza e o 20 BC de Maceió,
nova visita do “seu” Manoel. –
Você está louco? Quer ser preso?
Vá depressa tirar essa farda, jogar fora
essa arma... E o inocente “seu” Manoel,
perplexo, com que desperta do melhor dos sonhos,
pergunta, melancólico: - Doutor, e quem
foi que ganhou?
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A
BARATA DO CONDE
Como vinha ocorrendo na Europa, a política
no Brasil radicalizou-se ainda mais na década
de trinta.
Dois movimentos se confrontavam: a Ação
Integralista, de direita, e a Aliança Nacional
Libertadora, de esquerda.
O povo, em sua maioria, permanecia indiferente,
mais preocupado em sobreviver às dificuldades
do dia-a-dia do que mesmo motivado por considerações
de natureza ideológica. Mas essa indiferença
do povo não impediu que indivíduos
totalmente alienados dos fatos sociais fossem
arrastados no caldeirão dos acontecimentos.
Foi o que ocorreu com o faxineiro Manoel Flausino
e com o Conde Meireles, os quais, colocados em
posição oposta da escala social,
irmanaram-se, participando da “Revolta Vermelha.”
De Seu Manoel já vimos a história
Vejamos, a seguir, a embrulhada em que o outro
se meteu:
Sempre lavada e polida, a barata (modelo de automóvel)
do Conde Meireles, de tão bem cuidada,
espelhava mais do que sapato de cadete em dia
de formatura.
Evitada a poeira e a chuva. Nada de estrada ruim
ou enlameada. O seu Ford era nobre como o dono
que, vaidoso, desfilava pela cidade de Natal,
cidade ainda pequena naquele ano de 1935, ano
da “Revolução Comunista”
quando o conde tomou um grande susto. Empalideceu
e a voz quase sumiu quando os comunas lhe foram
tomar o carro. Com esforço, conseguiu restaurar
o equilíbrio. E fez uma proposta aceita
com agrado pelos revoltosos: iria com eles dirigindo
a sua barata. E lá se foi, com a maior
ingenuidade, aquele “sangue azul”
participar da revolta vermelha. Ficou perplexo,
quando, tudo terminado, foi denunciado pelo Procurador
Geral da República como indicado na subversão.
- Mas eu não fiz nada!
- O senhor diz que é inocente mas as investigações
provam que o senhor, com a sua barata, esteve
em todas...
E até provar que “orelha não
é chifre”, o Conde Meireles passou
por muito vexame. Mas, afinal, ficou provado que,
como uma babá carinhosa, apenas zelava
pelo seu bebé de quatro rodas.
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