Coleção
Memória das Lutas Populares no RN
Coleção Memória Histórica
Juliano Homem de Siqueira - Volume VIII
Fundamentos
para uma política cultural
Revista Princípios, Número 25, Maio/Julho
de 1992, Págs.61/65
JULIANO
SIQUEIRA
O artigo busca
conceituação do Lazer e de Cultura. Relaciona povo
e lazer. Situa o agente cultural com ele entre valores dispersos
da cultura e o conhecimento científico
1. Questão
Conceitual do Lazer
A
questão conceitual do lazer envolve o Lazer, (“realidade
em formação”, segundo M. F. Lanfant) enquanto
objeto, não avançou, ao nível das investigações
desenvolvidas, a ponto de garantir um espaço de colocação
autônoma. Nesse sentido, os elementos considerados na avaliação
teórica do Lazer deverão incluir-se, como veículo
de explicitação e articulação, no esforço
da construção de conceitos operacionais e, ao mesmo
tempo, inserir-se no bojo de uma proposta política cultural
geral.
Apesar de constatar-se a inviabilidade transitória da determinação
de um segmento exclusivamente voltado para o campo teórico,
no conjunto da “ação em Lazer”, cabe assinalar
os aspectos centrais levantados nesse particular.
As categorias atualmente utilizadas no terreno do “discurso
conceitual” (tempo livre, tempo liberado, etc.) ainda não
ganharam dimensão científica, restando distanciadas
da representação concreta da realidade objetiva. Isso
numa verificação do grau de reprodução
teórica específica, na instância mais ampla
da sociedade. Em decorrência, a utilização das
referidas categorias deve subordinar-se à crítica
permanente e limitar-se às suas conotações
operacionais.
Considerando o quadro factual do Lazer (como realidade empírica),
impõe-se sua definição operacional. A prática
social concreta desenvolvida no tempo não diretamente ligado
ao processo produtivo, em sua multiplicidade de formas – culturais,
artísticas, recreativas e esportivas – como bloco não-homogêneo
de práticas sociais, comporta, a partir de estudos e pesquisas,
a construção de conceitos operacionais que emprestam
viabilidade ao trabalho cultural. Nesse texto, manifesta-se a necessidade,
entre outras, de conhecimento objetivo do orçamento de tempo
do trabalhador (e sua família), como levantamento empírico
inicial.
A organização teórica do campo, no estágio
da conceituação operacional, constituir-se-á
em respaldo à crítica de concepções
vigentes e reveladoras de traços obscurantistas, tanto na
eleição metodológica quanto na precisão
do objeto de trabalho. Assim, estaremos abrindo caminho à
determinação dos elementos críticos e do conteúdo
efetivo da prática social do Lazer, categoria que engloba
uma gama extremamente heterogênea de práticas sociais
de natureza distinta, que devem ser investigadas em sua especificidade
histórica e cultural.
Partindo-se de uma investigação críticas das
concepções correntes relativas ao Lazer, no contexto
dos sistemas sócio-econômicos existentes no mundo contemporâneo,
o lazer deveria ser compreendido além da função
reprodutora; mas sobretudo como um instrumento capaz de, no exercício
de suas formas objetivas, contribuir para a elevação
do nível de conhecimento e participação daqueles
para quem está voltado. Nesse aspecto, definimos preferencialmente
um sentido consciente, crítico-transformador para o Lazer.
Isso posto, merece revisão o entendimento restrito do Lazer
como elemento de ocupação do tempo livre e de recuperação
psicossomática como também a utilização
acrítica de instrumentos, técnicas e métodos,
ou seja, sem a sua necessária vinculação aos
valores sócio-culturais da comunidade, em seus níveis.
A concepção do tempo não diretamente vinculado
ao processo produtivo como livre, envolve o desconhecimento da natureza
mercantil da força de trabalho, da sua significação
social e da necessidade de sua reprodução particular
e ampliada. A noção do tempo livre, por conseguinte,
compreende uma redução psicológica do processo
de trabalho com sua inevitável resultante: a recuperação
psicossomática.
Em seu lugar, constituir uma prática de lazer inspirada na
e voltada para a cultura nacional, preservando-se seus traços
fundamentais: suas raízes populares. Desse prisma, o Lazer,
antes de servir ao distanciamento da realidade, seria um veículo
promotor da mais profunda relação do homem com o mundo
circundante – social e natural, inserindo-se no conjunto das
relações humanas técnicas (com a natureza)
e sociais (com os modos historicamente determinados de produção).
Deve, ainda, ficar explícito que tal concepção
rejeita o apelo simplista aos modelos importados e à transferência
exclusiva das iniciativas programáticas, nesse caso específico,
às instituições públicas e privadas.
Em consequência, propõe-se a ampliação
das iniciativas oriundas das camadas populares, em suas bases sociais
concretas.
Em síntese, o Lazer, objeto de múltipla manifestação
formal e distanciado do processo imediato da produção
(enquanto tempo empregado, jamais como finalidade), numa formação
social como a nossa, deve ser apreendido nas suas possibilidades
crítico-transformadoras e nas suas raízes nacionais
e populares.
O debate técnico e teórico sobre o Lazer é
ainda recente na sociedade brasileira, pois ele acompanha práticas
em processo de formação e institucionalização.
A discussão conceitual apenas se inicia, exigindo uma relativa
concentração de esforços no trabalho teórico.
Ao mesmo tempo, a organização e funcionamento dos
serviços de Lazer ressente-se de políticas e normas
que os orientem de forma sistemática e segura. Os custos
exigem revisão. A metodologia e as técnicas de trabalho
estão em grande parte indefinidas ou exigindo redefinições
e desenvolvimentos. Os recursos humanos encontram-se em permanente
processo de busca de novas experiências, adaptação
de novos métodos e técnicas e alojamento de suas qualificações
profissionais em campos de trabalho ainda indefinidos, em crescimento
embrionários. Por sua vez, a infra-estrutura das práticas
de Lazer é também uma instância nova, onde a
indústria do Lazer, sob determinadas condições
de desenvolvimento da sociedade, provoca alterações
nas práticas espontâneas consagradas pelo povo e até
mesmo seu desaparecimento.
2. Questões Conceituais da Cultura
Os
conceitos antropológicos de cultura são insuficientes
à apreensão do fenômeno cultural. A crítica
das pretensões conceituais da chamada Antropologia Cultural
apóia-se no Socialismo Científico, na análise
concreta das formações sociais. O mesmo se aplica
às correntes do psicologismo cultural.
No contexto cultural, a questão antropológica envolve
a crítica do objeto e abrangência pretendida pela Antropologia
Social, em busca da superação do seu caráter
não histórico, da ampliação sem princípios
dos traços exóticos das manifestações
microssociais, da sua distância frente à base real
a partir da qual se erigem as diferentes formas de cultura. Em suma,
sem negar o espaço próprio da Etnologia e da Etnografia
na abordagem dos fenômenos sociais, empreendemos o resgaste
de uma compreensão de cultura que possibilite a apreensão
do seu movimento concreto: nacional pela forma; popular pelo conteúdo.
No que se relaciona às tendências do psicologismo em
cultura, indentificamo-as ao idealismo subjetivo, às vertentes
do pensamento social que não partem da existência real
dos homens para a compreensão dos seus modos históricos
de relação na sociedade e com a natureza.
Na investigação da cultura, em suas bases materiais,
identificamos ser necessário seguir o progresso das formas
humanas de existência. Assim sendo, a divisão entre
o intelectual e o manual, entre o rural e o urbano, presentes nas
sociedades modernas, seguem um duplo curso: no presente, aprofundar-se;
no futuro, desaparecer. As formas distintas da cultura, desde uma
ou outra divisão, não implicam antagonismo. O erudito
tende a popularizar-se, e vice-versa. A cultural local, rural ou
urbana é, por sua concretude, universalizável.
A cultural é um fenômeno social que representa o nível
alcançado pela sociedade em determinada etapa histórica:
progresso, técnica, experiência de produção
e de trabalho, instrução, educação,
filosofia, ciência, literatura, arte e instituições
que lhes correspondem. A cultura não é uma categoria
sociológica empírica. Quando nos referimos ao fenômeno
cultural, não se trata de teorizar sobre a cultura em geral,
abstrata, mas de agir, com suporte conceitual, sobre a cultura presente,
concreta, procurando transformá-la, estendê-la e apronfundá-la.
As discussões inerentes ao tema de preservação
do popular envolvem o conceito científico do fato cultural.
A intervenção dos elementos de consciência e
erudição no curso livre da Cultura Popular depende
diretamente do desenvolvimento dos modos de produção
da existência social. As formas diferenciadas da Cultura Popular
se mantêm em razão de raízes objetivas. Portanto,
na linha de sua preservação e avanço, as concepções
gerais devem considerar correta e concretamente cada caso. A perenidade
do popular não confunde com o dogma da imutabilidade.
Finalmente, as relações entre o popular e o erudito
estão na íntima dependência das condições
históricas de exercício da hegemonia pelos segmentos
de base da sociedade civil.
3. Cultura Popular
As
discussões referentes à Cultura Popular revestem aspectos
de conteúdo e forma, a partir de um quadro histórico-relacional:
a formação social brasileira.
Nesse contexto, prioriza-se um enfoque analítico das bases
sociais concretas, desde a produção e a divisão
social do trabalho, a partir das quais se erigem as modalidades
de consciência social. O aprofundamento da divisão
social entre o trabalho manual e o intelectual (igualmente, fator
de sua superação), correspondente ao estágio
de desenvolvimento atual das modernas (centrais e periféricas)
sociedades de classe, é identificado como fio condutor da
compreensão de fenômenos integrantes da cultura.
Desde tal posição, no enfrentamento das questões
objetivas do processo cultural, promove-se o relacionamento entre
a cultura e o popular. Em consequência, a necessidade de um
conceito científico de povo torna-se imprescindível
à compreensão da Cultura Popular e, nos seus desdobramentos,
ao exercício organizado da ação cultural. Tal
conceito deve, imperiosamente, apoiar-se no caráter histórico
de povo, compreendendo-se como o bloco maioritário e produtivo
(intelectual e materialmente) da população.
Os traços que informam o universo da cultura, suas distinções
não essenciais (técnicas e/ou formais), são
apreendidos no conjunto do movimento da existência social.
Não existem contradições intransponíveis,
por exemplo, entre o popular e o erudito. Cabe, nesse particular,
investigar as condições históricas dadas, as
possibilidades abertas de práticas à cidadania e as
tendências conjunturais hegemônicas.
As questões que envolvem a indústria cultural e os
meios de comunicação de massa merecem inserção
no quadro referencial pelo fato de que tais fatores, de instrumentalização
contraditória, encerram imenso potencial de progresso e vitalização
das várias formas de expressão cultural. Quanto à
cultura de massas, predominante, deve-se promover sua identificação
como fenômeno de dominação multinacional, as
quais utilizam-se recursos decadentes e retrógrados retirados
do depósito do “lixo cultural”, em projeção
localizada, impedindo o livre curso das manifestações
culturais capazes de ampliar o patrimônio da humanidade.
A produção cultural não espontânea deve
ser assimilada não somente nos seus indicadores intelectuais-eruditos
mas, com grande peso, no concurso aos elementos nacionais e populares.
Vale salientar que o componente nacional da cultura é revelado
pela sua raiz popular. Nesse campo, manifestam-se relações
de contradição entre culturas, quanto à sua
nacionalidade ou multinacionalidade, cabendo destacar criticamente
os indicadores de dominação aí inseridos. A
cultura, enquanto fenômeno histórico objetivo, requer
uma abordagem abrangente, isto é, de suas relações
internas e externas, equidistantes de visualizações
dualistas e em negação ao tratamento mecanicista,
inclusive porque o universal surge do concreto/particular. Em consequência,
não obstante o tipo de formação sócio-econômica
determinar seu conteúdo último, a prática cultural
concreta apresenta-se como portadora de elementos de contradição
que merecem ser investigados em suas marcas particulares.
A concepção de “cultura nacional-popular”
não se reduz a uma simples oposição à
“cultura de massas”, nem se restringe aos aspectos imateriais
da cultura produzida pelas camadas populares. A cultura popular
tem caráter eminentemente nacional, já que a visão
cultural que a alimenta – como movimento e como fenômeno
– emerge dos problemas do país. Em suma, o que determina
o sentido nacional da cultura popular é sua visão
básica da realidade, sua radicalidade - na essência
marxista deste termo.
Nesse sentido é que se deve empreender a defesa da cultura
nacional-popular, de seus valores, de suas características,
dentro da conjugação entre o geral e o particular,
isto é, daquilo que tem validade universal, em termos da
cultura humana, e daquilo que guarda o traço brasileiro.
A preservação e desenvolvimento da cultura nacional-popular,
partindo de sua realidade objetiva, não exclui a receptividade
ao conjunto positivo do produto cultural da humanidade, muito ao
contrário.
A preservação das formas de expressão popular
é tida como uma necessidade cada vez mais imperiosa. Como
campo de manifestação da cultura nacional-popular,
muitas modalidades de Lazer Espontâneo correm o risco de desaparecimento
em decorrência das formas de crescimento desordenado das cidades,
das formas especulativas de apropriação do espaço
urbano e da intensificação da cultura de massas.
A Cultura Popular, parte componente dos processos em curso numa
formação econômico-social, tem sido objeto de
aproximações diversas. As denominadas vanguardas culturais
são um exemplo palpável de aproximação,
ressalvando-se o conflito expresso nas suas tendências, ou
seja, as oscilações verificáveis entre o “culto
da modernidade”, de um lado, e a consequente do novo, de outro.
A consideração positiva da vanguarda cultural parte
de vários pressupostos. Entre eles, destacaríamos
o compromisso de preservação e desenvolvimento dos
valores da Cultura Popular; a transposição das distâncias
entre a produção espontânea e o conhecimento
científico do real; a vinculação da proposta
cultural às perspectivas de efetivo exercício da cidadania.
Portanto, os instrumentos de avaliação da vanguarda
implicam na não diluição/destruição
do acervo cultural, dos seus veículos de universalidade expressos
no seu próprio mecanismo de construção.
Nesse contexto, a vanguarda artístico-cultural é apreendida
em sua dupla expressão: forma e conteúdo. Ou seja,
enquanto processo inovador/modernizador das estruturas técnicas
de construção da linguagem e, concomitantemente, como
modo de apreensão concreto da realidade objetiva.
4. Cultura de
Massas
A
utilização corrente da expressão Cultura de
Massas parte de pressupostos que a identificam com o popularesco.
Tais pontos de partida se traduziriam numa concepção
de cultura destituída de compromisso com a realidade –
portanto alienada e alienante; ausente de humanismo; supraclassista
e, em síntese, instrumento ideológico de dominação
e reprodução.
Numa outra direção, a Cultura de Massas seria compreendida
nos seus aspectos formais de caráter massivo, decorrentes
dos seus métodos de produção e difusão.
Os limites dessa posição evidenciam-se no fato de
que a conjugação da cultura com as massas, muito além
dos elementos técnicos de produção e difusão,
varia de acordo com seu conteúdo, está condicionada
pela natureza do regime histórico-social na qual se insere.
Em cada cultura nacional, na sociedade de classes, ainda que de
forma rudimentar, elementos de cultura progressista, pois em cada
nação existe segmentos populares cujas condições
de vida engendram, inevitavelmente, uma consciência inovadora
e humanista. Mas cada nação possui, mesmo assim, uma
cultura que não existe sob formas de elementos, porém
como cultura dominante.
No mundo em que vivemos, as culturas dominantes das sociedades centrais
assumem um caráter expansionista frente às formações
periféricas e dependentes, gerando mecanismos de colonização
cultural, basicamente, através de uma Cultura de Massas transnacional.
As contradições da produção e difusão
da cultura dominante, inclusive no terreno multinacional, são
o campo no qual se desenvolvem os processos de afirmação
da hegemonia, a partir de suas frações. Os choques
entre os elementos conservadores e os progressistas passam a exigir,
em favor desses últimos, sua organização prática
no contexto concreto da cultura. Nesse sentido, as diferenças
não se expressam no limite das formas, mas na abrangência
do conteúdo.
Na avaliação crítica da Cultura de Massas,
dois pontos merecem destaque: as massas como sujeito da história
e o avanço das ciências e das técnicas.
A cultura, conforme já tentamos demonstrar, deve ser definida
por seu conteúdo. Por conseguinte, não pode ser, simplesmente,
rotulada como “de massas” ou “não de massas”.
As diversas modalidades de expressão cultural não
podem ser agrupadas a partir de tal critério. Nesse particular,
apresenta-se como falaciosa a dicotomia proposta entre a Cultura
de Massas (por sua ampla difusão, mesmo que ao nível
de pasto cultural) e uma possível cultura de elite (consumo
das minorias eruditas).
A Cultura de Massas, nas suas determinações usuais,
busca diluir o conjunto das relações que constituem
objetivamente o homem num agregado historicamente indeterminado:
as massas. Ao mesmo tempo em que elege uma base conceitual técnico-quantitativa.
Uma questão que se destaca na abordagem das formas objetivadas
da Cultura de Massas vincula-se, em decorrência da internacionalização
do processo industrial-produtivo e do mercado, nos seus objetos
de consumos, ao cosmopolitismo cultural (tradução
presente do eurocentrismo vigente até o início do
século) e às investidas pseudocientíficas que,
apoiadas no avanço da técnica, pretendem reduzir os
antagonismos do mundo na utopia da “aldeia global” (com
seus “valores universais”).
Seria ingênua a postura que negasse o inevitável reflexo
da chamada revolução técnico-científica
no movimento cultural. Contudo, não cabe sua assimilação
passiva, nem a ignorância de que o avanço nos modos
de apropriação da dominação e, consequentemente,
de sua reprodução. Basta que nos detenhamos na observação
das formas de utilização dos meios de comunicação
de massa.
A resistência cultural, desde os elementos populares existentes
nas culturas nacionais, a promoção de sua unidade
e a justa compreensão do desenvolvimento técnico-científico,
são os veículos de superação dos impasses
inerentes à problemática que envolve a Cultura de
Massas e da construção de uma Cultura para as Massas.
5. Povo e Lazer
O
processo de trabalho, na realidade social atual, atinge níveis
elevados de desgaste de sua força, aumento real da jornada,
queda dos salários reais, aumento da taxa de desemprego,
deteriorização das condições de vida
dos trabalhadores. Desta forma, o Lazer articula-se com a questão
do salário real e das condições de vida e trabalho.
Os trabalhadores são atingidos progressivamente pela carência
de alternativas de Lazer, seja pela inexistência destas, seja
pelo baixo poder aquisitivo ou ainda pelas formas de isolamento
sócio-cultural e mesmo a destruição do patrimônio
da cultura nacional-popular, onde residem quase todas as formas
históricas de Lazer ainda vivas, num difícil exercício
de resistência.
O movimento real do Lazer está vinculado ao processo de informação
de ideias e valores. As interferências podem ocorrer através
de práticas que contribuam efetivamente para o desenvolvimento
da consciência crítica. Uma linha de ação
deve se constituir através da recuperação da
memória nacional, tanto pelo apoio às formas de expressão
populares quanto pela criação de condições
de acesso das camadas populares ao campo da produção
cultural da sociedade como um todo. Para tanto, deve-se atuar fora
e dentro dos meios de comunicação de massa e, através
deles, exercer uma ação que não se deixe envolver
pelos processos negativos de massificação cultural.
Deste modo, poderá consolidar-se o papel do agente da organização
da cultura e do Lazer, atuando no sentido de estimular (e não
embotar) a capacidade criativa individual e coletiva.
O exercício social das formas conscientes de lazer (Lazer
Crítico), em última instância, deve servir à
apropriação dos esforços de alocação
do tempo não diretamente vinculado ao trabalho produtivo
para a compreensão e resgate do papel da força de
trabalho, no conjunto das relações sociais de produção,
superando os mecanismos de distanciamento da realidade e desenvolvendo
a consciência dos produtores em direção crítica.
O aspecto econômico da política do Lazer está
articulado com a problemática do salário real. Nas
camadas populacionais mais atingidas pela pauperização,
o atendimento às necessidades básicas absorve praticamente
todo o salário do trabalhador. Uma parcela inexpressiva do
salário é canalizada para as necessidades de Lazer.
No entanto, os efeitos sociais negativos do processo de desenvolvimento
acelerado exigem que uma parcela crescente do salário seja
destinada ao atendimento das necessidades de Lazer. Daí a
importância de se incorporar ao salário real o equivalente
ao valor dos serviços de Lazer necessários ao trabalhador.
6. Modo/Processo
de Trabalho
O
entendimento de que a cultura e suas práticas correspondentes
devem desenvolver-se a partir das situações surgidas
das condições objetivas de vida exigem a não
principalização de formas isoladas mas, ao contrário,
uma absorção plena e, em decorrência, levando-se
em conta as realidades locais, a eleição de modalidades
que encerrem um maior potencial de universalidade e compreensão
dos elementos gerais circundantes.
Essa linha de trabalho está a exigir sujeitos ativos em sua
execução, com mais domínio e verticalidade
em suas funções, que superem o estágio do “animador
cultural” e ultrapassem as concepções e técnicas
funcionalistas inerentes ao subjetivismo sociológico. Em
progressão, indica-se a necessidade da formação
de agentes culturais (organizadores, divulgadores, receptores, incentivadores,
pesquisadores) que, pela, sua visão de totalidade, sejam
trabalhadores orgânicos da cultura, ou seja, engajados na
dinâmica sócio-cultural das comunidades/clientelas
às quais se ligam, distanciados do culto organicista-funcionalista
da perfeição e eternidade das “instituições”.
Na verdade, o agente cultural, como o concebemos, é autêntico
agitador cultural.
A prática cultural, artística e/ou esportiva, organizada
a partir de suas determinações e dominâncias
sócio-históricas, elimina progressivamente as proposições
do funcionalismo no trabalho social. Este, por sua vez, nada mais
representa do que uma desfigurada herança das tendências
conceituais (positivismo e evolucionismo) dominantes no corpo embrionário
das Ciências Humanas, no Século XIX, aliada às
limitações lógico-metodológicas do mecanicismo,
enquanto instrumental de apreensão da realidade.
O agente cultural, acionador do bloco da prática de cultura,
é um elo entre o consciente e o espontâneo, entre os
valores dispersos da Cultura Popular e o conhecimento científico
do real.
JULIANO SIQUEIRA – Sociólogo e militante do PCdoB/RJ
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