Coleção
Memória das Lutas Populares no RN
Coleção Memória Histórica
Juliano Homem de Siqueira - Volume VIII
Juliano
Siqueira, ex-preso político promete contar tudo
Espionagem na UFRN
Por
torturas quem passou foi o então líder estudantil
Juliano Siqueira, perseguido pela ASI e pelos militares. O relato
de parte de uma vida, marcada por lutas, perseguições,
prisão e torturas, deverá constar no livro de memórias
que Juliano Siqueira, hoje vereador, pretende lançar. A data
para publicação ainda é desconhecida, mas uma
coisa é certa: esse livro deve mexer com os brios de muita
gente. O vereador garante que vai revelar tudo o que viveu na época
da ditadura militar e dar nomes a todos os bois – expor todas
as pessoas envolvidas com os militares e que trabalhavam a favor
da repressão.
Dentre os nomes que serão citados no livro Juliano Siqueira
já adiantou alguns, como o Hugo Póvoa, delegado (hoje
falecido) que o prendeu várias vezes; Ivan Benigno, informante
da ASI; e Adriel Lopes Cardoso, o chefe da Agência de Segurança
e Informação, um dos homens mais temidos e odiados
pelos estudantes na época da repressão – o DIÁRIO
tentou uma entrevista com Cardoso, mas não conseguiu contatá-lo.
Uma de suas filhas alegou que ele estava acompanhando uma irmã
hospitalizada e não teria cabeça para falar com a
impresa.
RELATOS
Como sempre foi militante atuante da esquerda, Juliano Siqueira
tem muita história para contar sobre a ditadura. Ingressou,
em 1968, no curso de Direito da UFRN, bem na época em que
os militares no poder agiam com força total, controlando
o que eles chamavam de “subversivos”. “- Nem cheguei
a terminar o primeiro ano de curso, que funcionava na Ribeira, onde
hoje é a Secretaria de Segurança. Fui cassado e preso
porque participava de grandes passeatas, manifestações
de ruas, conduzia os movimentos estudantis”, contou.
Enquanto era diretor cultural do Diretório Central dos Estudantes
(DCE), Siqueira viajou por vários estados, onde participava
das manifestações populações contra
o regime. Até dezembro daquele ano, quando foi editado um
dos atos mais traumáticos da ditadura – o Ato Institucional
Número 5, o Al-5 - , e todas as liberdades foram cassadas.
“Eu estava vindo de ônibus do Ceará de um Congresso
da União Nacional dos Estudantes, quando ouvi pelo rádio
que era uma das 12 pessoas cassadas pela Polícia acusadas
de terrorismo. Não pensei duas vezes: desci do ônibus
perto de Lajes e desapareci. Por medida de segurança, rompi
contato com toda a família, amigos. Só me comunicava
com algumas pessoas do partido.”
Clandestino, o líder dos estudantes viveu numa casa no bairro
de Dix-Sept-Rosado. Muitas vezes, passava fome. Foi quando resolveu
sair de Natal e lutar em outros estados. Filiado ao Partido Comunista
Brasileiro Revolucionário (PCBR), Juliano defendia a luta
armada e, para isso, participava de vários episódios
que marcaram a história, como as “apropriações”
de dinheiro em bancos, para ajudar a causa. “Era exatamente
como foi mostrado recentemente na minissérie “Anos
Rebeldes”. Eu estava lá. Nós “arrecadávamos”
dinheiro para comprar armas e tudo o que mais fosse necessário.
TORTURA
Em 1970, com 20 anos, Juliano Siqueira foi preso no Rio de Janeiro,
na casa de Apolônio de Carvalho. “Lembro das sessões
de tortura a que me submeteram. Choque elétrico, pau de arara,
cadeira do dragão, afogamentos. Fiquei incomunicável
de janeiro a outubro e, depois, fui transferido para a Bahia e,
em seguida, Pernambuco. Tinha que responder pelas condenações
em todos esses estados. Fui condenado a 26 anos de prisão,
que depois o Superior Tribunal Militar reduziu para quatro anos
e dez meses, o período que cumpri em Itamaracá.”
Depois de cumprir a pena, em 1974, Siqueira voltou a Natal. “Derrotado,
sem ter para onde ir, voltei para a casa dos meus pais e me isolei
da sociedade. As pessoas tinham medo de falar comigo e eu também
evitava falar para não comprometer ninguém. Foi quando
decidi voltar para a universidade, estudar muito e provar para os
comunistas também são bons.”
Na universidade, o militante estava diretamente sob a mira da ASI.
“Eu cheguei a assistir aula cercado por policiais.”
Mas, sempre dava um jeito de driblar a segurança e os espiões
para falar sobre política. “Eu sempre me reunia com
amigos e usava a boemia para fazer política. Também
gostava de futebol e usava de tudo para me ressociabilizar.”
A tática deu tão certo que, no período das
eleições para os centros e diretórios acadêmicos,
em cinco dos seis diretórios disputados, os vitoriosos foram
aqueles apoiados por Siqueira. Isso garantiu ainda a direção
do DCE, eleita por voto indireto pelos representantes do Centro.
Mesmo um pouco mais fortalecido, Siqueira não ficou livre
dos olhos e da intromissão da ASI. Uma prova foi o concurso
para monitor do curso de sociologia política. Foi aprovado
com nota 10 e, quando saiu o boletim informativo, lia-se o seguinte:
“Estudante faltou às provas”. “Nem os professores
que examinaram minhas provas se dispuseram a depor. Uma prova da
força da ASI”, considera.
O mais absurdo, entretanto, foi sua diplomação na
universidade, em 1977. “Como estudante, obtive a maior média
da universidade, mas não fui laureado. Imagine, laurear um
terrorista naquela época seria um absurdo. Só fui
me diplomar em homenagem à minha, mas sabia que não
haveria cerimônia nenhuma para mim. Muito pelo contrário,
fiquei o tempo todo cercado por policiais, todos temendo que eu
pedisse a palavra. Não fiz nada disso. Fiquei quieto e, depois
do encerramento, saímos eu e meu companheiro François
Silvestre, que também formou-se comigo, para comemorar somente
em família”, lamenta até hoje Juliano.
Natal, domingo, 2 de maio de 1999
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