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REDE
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS |
DIREITOS
DA MULHER
*Zuleika d’Alembert
Permitam-me a liberdade de abordar o
tema, não de uma maneira especificamente jurídica, mas da melhor
maneira que eu poderia fazê-lo em minha qualidade de mulher, política,
escritora e feminista: politicamente.
A POSIÇÃO DA MULHER NA
SOCIEDADE
Não poderíamos falar nos
direitos da mulher sem ter uma visão, mesmo que breve, de sua posição
atual dentro da sociedade.
Baseada em informações
concretas, proporcionadas pelo diagnóstico feito por técnicas da
Fundação Carlos Chagas e sob a responsabilidade do CECF, para ser
levado pela delegação de mulheres ao Fórum 85, recentemente realizado
na cidade de Nairobi, no Kenya, podemos dizer que o desenvolvimento
político, social, econômico e cultural do país nas últimas décadas
influi muito na maneira de existir, viver, pensar e agir de nossas
mulheres.
A mulher, hoje, constitui
metade da população brasileira; 36% de sua força de trabalho ativa;
metade do eleitorado e com fortes tendências a se tornar majoritária
nesse campo.
Politicamente, também
avançou bastante. No que concerne às lutas gerais do nosso povo, ela
tem desempenhado um papel marcante, principalmente nas lutas que, pouco
a pouco, vão-nos levando à recuperação democrática de nosso país.
Nesse terreno, sua participação na luta por eleições diretas com a
palavra de ordem Direitos e Diretas é um, exemplo significativo.
No que se refere às suas
lutas específicas, cabe destacar que cresce no Brasil de hoje a
consciência feminista expressa no combate pela igualdade, autonomia e dignidade
da mulher. Sobretudo a partir de 1975 o movimento feminista,
principalmente em relação à irradiação de suas idéias, tem-se
desenvolvido como verdadeira brecha libertária entre as poucas que
conseguiram abrir-se, rompendo as barreiras das enormes restrições
impostas pelo sistema instaurado em 1964 à liberdade do debate social.
Tudo isso somado determinou
sensíveis mudanças no comportamento em relação à igualdade de
direitos da mulher, principalmente entre a classe média e a
aceitação, com menos preconceitos no debate público, de temas
candentes e até então proibitivos como o direito à educação sexual das crianças e dos
adolescentes, a contracepção, o aborto, a sexualidade feminina, o
controle pela mulher de seu corpo, o homossexualismo, etc.
Em síntese, é a aceitação
da nova mulher que surge na arena política nacional assumindo com garra
e paixão múltiplos deveres e defendendo direitos até então
relacionados e válidos somente para os homens.
Esse é, realmente, o
fenômeno novo de nossa época no mundo e em nosso país; é o grande
acontecimento de nosso século e nós, homens e mulheres, temos de estar
preparados para aceitá-lo e encaminhá-lo de modo positivo.
O
ABISMO ENTRE OS NOVOS DEVERES E A AUSÊNCIA DE NOVOS DIREITOS
Apesar das grandes
mudanças havidas na vida da mulher, somos obrigadas a reconhecer que
isso acontece com enormes sacrifícios de nossa parte, que comumente nos
impedem de competir em pé de igualdade com os homens.
Na verdade, assumimos novos
deveres, mas continuamos, por falta de nossos direitos, a arcar com os
velhos deveres que continuam a pesar, fundamentalmente, em nossos
ombros. Exemplo: trabalhamos fora, estudamos, participamos do diretório
de nosso partido, pertencemos a uma organização de mulheres do bairro,
mas continuamos executando aquela velha função de dona-de-casa e
socializadora das crianças que nos consome, diariamente, horas e horas
de trabalho. A função pública não eliminou, mas tão-somente,
somou-se às funções privadas, realizadas entre as quatro paredes da
casa. Esse fato nos impede, de um lado, de exercer plenamente nossas
novas funções, e de outro, continua a impregnar toda a sociedade de
preconceitos em relação ao novo papel que nos esforçamos por
desempenhar.
Existe, pois, um abismo entre
nossos novos deveres e nossos direitos essenciais, que continua a nos
ser sonegados.
Vejamos, portanto:
No trabalho: a mulher não goza
dos direitos de um trabalhador pleno.
Ganha salários menores; é
preterida nas promoções a cargos de maior responsabilidade; sua
formação profissional tem um profundo viés sexista; as empresas e
demais locais de trabalho, em sua infra-estrutura, ignoram a existência
da mulher; o conceito de que o trabalho feminino é sempre um
complemento ao trabalho masculino desqualifica as atividades que
exercem, que são, em geral, secundárias e mal remuneradas. Na verdade,
a mulher é um trabalhador pela metade.
Na família: a mulher não
partilha em pé de igualdade com o homem a direção do núcleo
familiar. Ela é tão-somente a “colaboradora” do marido, que
continua como o chefe legal da casa. Assim sendo, ele é quem arca,
prioritariamente, com a administração dos bens comuns e os da mulher,
com o pátrio poder, com a escolha do domicílio e pode até interferir
no exercício ou não do direito ao trabalho por parte da esposa, de
acordo com suas conveniências.
A maternidade: (gravidez, parto e
amamentação) é função que a mulher continua a exercer
solitariamente, sem nenhuma ajuda da família ou da sociedade. Isto é,
a maturidade não é considerada uma função social de magna
importância como o é produzir bens materiais para a sobrevivência da
sociedade humana. E, assim, a mulher, que reproduz o ser humano que
fará as máquinas funcionares, em vez de ser ressarcida pelo ônus que
lhe acarreta pôr um filho no mundo, é, na verdade, castigada (é posta
fora do emprego quando está grávida; impedem-na de ir ao banheiro com
maior freqüência; não tem onde deixar o filho depois que ele nasce,
já que não existem equipamentos sociais nesse terreno, ou seja,
creches, berçários, pré-escolas, jardins de infância), etc.
Nega-se também à mulher o direito de escolher se quer ou
não ter filhos ou quantos desejaria ter, desde que a educação sexual
nas escolas é ainda um tabu; faltam informações científicas e
culturais para que a mulher tenha um melhor conhecimento sobre seu
corpo; o aborto é duramente penalizado pelo código penal, etc.
Finalmente, a mulher que
trabalha fora de casa arca com a dupla jornada de trabalho exercendo uma atividade – a de
doméstica – que não é reconhecida como trabalho, apesar de exigir
da mulher suas melhores energias físicas e espirituais e contribuir
para a renovação da força de trabalho.
Na sociedade: a mulher ainda
está bastante distanciada do poder político, dos centros de decisões
governamentais e dos postos-chave da administração pública. Temos no
país uma única vice-governadora, uma senadora, oito deputadas
federais, 37 estaduais, umas quatro centenas de vereadoras e algumas
prefeitas. Não chega a cinco o número de mulheres que ocupam cargos
nos diretórios nacionais dos partidos e em suas comissões executivas.
E na administração pública elas raramente passam do terceiro
escalão.
A CULTURA DA SUBMISSÃO
Ao refletirem
sobre esse quadro, as mulheres – principalmente as feministas –
botam a nu as raízes de sua opressão e exploração específicas, isto
é, o ponto de partida para seu status de inferioridade social em
relação ao homem.
Através de estudos, pesquisas, entrevistas e análises,
chegamos a uma conclusão: a mulher não ocupa na sociedade um lugar
desconfortável em relação ao homem, graças às suas condições
físicas, biológicas, naturais... como durante milênios nos fizeram
crer. Nada disso. Esse status de inferioridade, essa condição de
cidadão de segunda classe nos é imposta através de uma cultura
milenar que a sociedade nos impinge ainda quando estamos no ventre
materno e nos condiciona e orienta para a execução de um papel social
de segunda categoria e a ocupar um lugar secundário na sociedade e sem
nenhuma manifestação de rebeldia.
* Presidente do Conselho Estadual da Condição Feminina
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