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REDE
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS |
OS
DIREITOS HUMANOS DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL
A)
ANTECEDENTES JURÍDICOS E HISTÓRICOS
- Antecedentes
Gerais
1.1 Aproximadamente 330.000 cidadãos brasileiros
indígenas1 conformam os 206 povos originários, ancestrais
do território da União. Suas organizações, características de vida
e gozo dos direitos humanos são variados: há os que mantêm uma
cultura selvática auto-suficiente, com mínimo contato com o exterior,
ao passo que outros, através da agricultura e de outras formas de
produção, estabeleceram intensas relações com o mundo
não-indígena.
1.2. Os povos
indígenas reivindicam direitos legais sobre 11% do território nacional
e têm obtido importantes reconhecimentos dos mesmos. Em sua grande
maioria, as terras indígenas (aproximadamente 95%) situam-se na
Amazônia, ocupando cerca de 18% da região, e nelas vivem pouco menos
de 50% dos indígenas brasileiros. Em contraste, outros 50% dos
indígenas são habitantes de áreas do sul do Brasil, cuja superfície
é inferior a 2% do total dos territórios indígenas.
1.3. Nos
últimos 30 anos, os povos indígenas brasileiros intensificaram sua
participação na vida política, aumentando, em conseqüência, o
reconhecimento geral dos seus direitos. Um fator essencial para tal foi,
paradoxalmente, a expansão da infra-estrutura econômica moderna para o
interior do Brasil, iniciada a partir do fim da Segunda Guerra Mundial e
acelerada nas décadas de 60 e 70, sob os regimes militares. Em resposta
a essa expansão, que avançava para o interior das suas áreas
ancestrais, iniciaram-se grandes mobilizações de indígenas e de
organizações que defendiam e promoviam seus direitos humanos2.
1.4. A partir
de 1987, o Plano Calha Norte, baseado no princípio de ocupação
territorial segundo princípios militares de segurança, pretendeu
reduzir os grandes territórios indígenas contíguos, excluí-los de
uma faixa de segurança de 62 km a partir das fronteiras e enfatizar a
classificação dos indígenas em “silvícolas” e “aculturados”,
com diferentes direitos segundo cada categoria. Em relação aos “aculturados”,
as obrigações do Estado desapareciam ou, ao menos, eram sensivelmente
reduzidas.
- Direitos
constitucionais
2.1. Em face dessa situação, numerosos setores
brasileiros e internacionais apoiaram as reivindicações indígenas,
tal como manifestado na Assembléia Constituinte de 1988, na qual a
discussão passou dos foros estaduais, em que Constituinte de 1988, na
qual a discussão passou dos foros estaduais, em que prevaleciam
interesses locais geralmente contrários às reivindicações
indígenas, para o nível nacional, em que a defesa dos direitos
indígenas foi apoiada por outros grandes setores sociais. A
constituição de 1988, no seu capítulo VIII, consagra uma das
posições normativas mais avançadas da legislação comparada. Suas
disposições diretamente relacionadas aos direitos dos indígenas
superam a doutrina “de assimilação natural” previamente aceita.
Por outro lado, são reconhecidos como permanentes os direitos originais
inerentes aos povos indígenas por sua condição de primeiros e
contínuos ocupantes históricos de suas terras.
2.2. No seu
capítulo VIII, “DOS ÍNDIOS”, dispõe a Constituição de 1988:
Art. 231. São
reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º
São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles
habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades
produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais
necessários ao seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução
física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As
terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos
rios, e dos lagos nestas existentes.
§ 3º O
aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais
energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras
indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso
Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a
participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º As
terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e
os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º
É vedada a remoção de grupos indígenas de suas terras, salvo ad
referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que
ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País,
após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer
hipótese o retorno
imediato logo que cesse o risco.
§ 6º
São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que
tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se
refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos
rios e dos lagos nelas existentes, ressalvando relevante interesse
público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não
gerando a nulidade e a extinção do direito a indenização ou a
ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto à benfeitorias
derivadas da ocupação de boa fé.
§ 7º
Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3º
e 4º art.
Art. 232.
Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas
para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses,
intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.
Título
IX. Das disposições constitucionais gerais.
Art. 67.
A união concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de
cinco anos a partir da promulgação da Constituição. [ 5 de outubro
de 1988].
2.3. Ao considerar os direitos indígenas como
direitos “originais”, a Assembléia Constituinte aceita o princípio
de que os indígenas eram os proprietários originais das terras, e
portanto, que seus direitos antecedem todo ato administrativo do
governo. Além disso, a Constituição estabeleceu que o Ministério
Público Federal deve defender os direitos dos indígenas perante os
tribunais, e que os grupos indígenas podem, por si mesmos, promover
ações judiciais.
2.4. Em
princípio, compete à justiça federam dirimir as controvérsias
referentes aos direitos dos indígenas ou de suas comunidades. A pesar
que a constituição estabelece que cabe à Justiça Federal dirimir
disputas sobre interesses indígenas, existem diversas interpretações
com relação à questões penais. Assim é que alguns juízes estaduais
se entendem competentes em casos em que a vítima ou réu sejam
indígenas. Com muita freqüência, confundem-se disputas territoriais
com ilícitos penais e as questões de competência postergam
indefinidamente as decisões. Uma unidade especial do Ministério
Público Federal, a Coordenadoria da Defesa dos Direitos e interesses
das Populações Indígenas, é responsável pela defesa de suas
comunidades. Quanto à tarefa legislativa sobre direitos indígenas,
esta é a competência do Congresso Nacional, inclusive no tocante a
decisões sensitivas como a de autorizar a exploração de recursos
naturais de áreas indígenas. Não obstante, em muitos casos, decisões
de Assembléias Legislativas estaduais referentes, por exemplo, à
criação de novos Municípios que se inserem em áreas indígenas, são
conflitantes com essa competência e invadem a competência privativa
federal estabelecida na Constituição.
NOTAS:
1
A população indígena, que corresponde a 0,2% da população total do
Brasil, vive em 546 áreas do país e fala 170 línguas. Após um
declínio constante, que chegou a um total mínimo nos anos 70, seu
número começou a aumentar. Segundo as cifras do censo especial, a
população em 1990 era de 230 000 pessoas, e o seu total de 330 000 em
1995 implica um importante aumento.
2
A primeira organização nacional indígena (UNI) foi criada em 1980 e
outras surgiram desde então, assim como surgiram líderes indígenas
conhecidos internacionalmente, como Ailton Krenak, Paulo Paiakan e Davi
Yanomami. A partir desta época, intensificou-se a ação de diferentes
grupos indígenas e não indígenas em defesa de sua sobrevivência,
seus direitos e seu desenvolvimento. Em 1967 criou-se a FUNAI, órgão
governamental encarregado de aplicar as políticas indígenas, que
continuam a desempenhar papel central em relação à situação dos
direitos humanos dos povos indígenas.
EXTRAÍDO
DE:
Relatório sobre a
situação dos Direitos Humanos no Brasil
Secretaria Geral
Organização dos Estados Americanos
1997
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