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REDE
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS |
PESSOA,
SOCIEDADE E HUMANOS DIREITOS

Dalmo de Abreu Dallari
A sociedade humana
é um conjunto de pessoas ligadas pela necessidade de se ajudarem umas
às outras, a fim de que possam garantir a continuidade da vida e
satisfazer seus interesses e desejos.
Sem a vida em sociedade, as pessoas
não conseguiriam sobreviver, pois o ser humano, durante muito tempo,
necessita de outros para conseguir alimentação e abrigo. E no mundo
moderno, com a grande maioria das pessoas morando nas cidades, com
hábitos que tornam necessários muitos bens produzidos pela indústria,
não há quem não necessite de outros muitas vezes por dia.
Mas as necessidades dos seres humanos
não são apenas de ordem material, como os alimentos, roupa, moradia,
meios de transporte e os cuidados de saúde. Elas são também de ordem
espiritual e psicológica. Toda pessoa humana necessita de afeto,
precisa amar e sentir-se amada, quer sempre que alguém lhe dê
atenção e que todos a respeitem. Além disso, todo ser humano tem suas
crenças, tem sua fé em alguma coisa, que é a base de suas
esperanças.
Os seres humanos não vivem juntos,
não vivem em sociedade apenas porque escolhem esse modo de vida, mas
porque a vida em sociedade é uma necessidade da natureza humana. Assim,
por exemplo, se dependesse apenas de vontade, seria possível uma pessoa
muito rica isolar-se em algum lugar, onde tivesse armazenado grande
quantidade de alimentos. Mas essa pessoa estaria, em pouco tempo,
sentindo falta de companhia, sofrendo a tristeza da solidão, precisando
de alguém com quem falar e trocar idéias, necessitadas de dar e
receber afeto. E muito provavelmente ficaria louca se continuasse
sozinha por muito tempo.
Mas, justamente porque vivendo em
sociedade é que a pessoa humana pode satisfazer suas necessidades, é
preciso que a sociedade seja organizada de tal modo que sirva,
realmente, para esse fim. E não basta que a vida social permita apenas
a satisfação de algumas necessidades da pessoa humana ou de todas as
necessidades de apenas algumas pessoas. A sociedade organizada com
justiça é aquela em que os benefícios e encargos são repartidos
igualmente entre todos.
Para que essa repartição se faça com
justiça, é preciso que todos procurem conhecer seus direitos e exijam
que eles sejam respeitados, como também devem conhecer e cumprir seus
deveres e suas responsabilidades sociais.
DIREITO
À IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
Há quase 2 mil anos o Cristianismo vem
pregando que os seres humanos são todos iguais. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos também afirma isso, dizendo no seu
preâmbulo que todos os seres humanos nascem iguais em dignidade e
direitos. Em quase todas as Constituições do mundo está escrito que
todos são iguais perante à lei.
Pois apesar de todas essas
afirmações, repetidas e reforçadas por muitos filósofos e pensadores
políticos, o que se vê na realidade é que as pessoas são tratadas
como desiguais. As próprias leis garantem a desigualdade, e nos
costumes de quase todos os povos encontra-se muitas práticas baseadas
na desigualdade, podendo-se ver claramente que em grande número de
situações as pessoas são tratadas como iguais.
Essas leis e esses costumes já se
acham tão arraigados que quase todas as pessoas consideram normal o
tratamento desigual. E existem mesmo pessoas que falam e escrevem que
todos são iguais e não percebem que, na prática, agem como se os
seres humanos nascessem e continuassem desiguais.
Para perceber e corrigir essas
contradições é preciso, em primeiro lugar, compreender o que
significa afirmar que todos nascem iguais. É evidente que as pessoas
nascem fisicamente desiguais, sendo diferentes nas feições, no
tamanho, na cor da pele e em inúmeras outras características físicas.
Não é, portanto, essa igualdade que se está afirmando.
Quando se diz que todos os seres
humanos nascem iguais, o que se está afirmando é que nenhum nasce
valendo mais do que o outro. Como seres humanos, todos são iguais, não
importando onde nasçam, quem sejam seus pais, a raça e que pertençam
ou a cor de sua pele.
Se todos nascem iguais, valendo a mesma
coisa, como se explica que uns já nasçam muito ricos, tendo toda a
assistência, proteção e conforto, enquanto outros nascem miseráveis,
mal podendo sobreviver, sem cuidados médicos e sem a certeza de que
terão os próprios alimentos indispensáveis à vida? Como justificar
essa diferença de situações e de possibilidades, se no momento em que
nascem as crianças são iguais e não existe como saber o que cada uma
fará de bem ou de mal, de útil, ou de inútil, durante sua vida?
Aí está, justamente, a principal
diferenciação estabelecida pela sociedade contra a natureza,
acarretando conseqüências para a vida inteira das pessoas. Os seres
humanos nascem iguais, mas a sociedade os trata, desde o começo, como
se fossem diferentes, dando muito mais oportunidades a uns do que a
outros. E isso é apoiado pelas leis e pelos costumes, que agravam ainda
mais o tratamento desigual e criam grande número de barreiras para que
aquele que foi tratado como inferior desde o nascimento consiga uma
situação melhor dentro da sociedade.
Assim, por exemplo, um menino que nasce
numa favela é igual ao que nasce numa família rica e vale o mesmo que
este, mas dificilmente o favelado conseguirá boa alimentação e boas
escolas e desde cedo será tratado como um marginal. Essa
discriminação irá acompanhá-lo pela vida inteira. Fica bem evidente,
portanto, que um menino nascido numa favela não tem o direito à
igualdade de oportunidades, embora a própria lei diga que todos são
iguais.
Mas não é só por nascer na pobreza
que muitas pessoas são tratadas como inferiores às outras. É negado o
direito à igualdade em todos os casos de discriminação social e de
preconceito de raça, de cor e de sexo. Quando alguém é impedido,
direta ou disfarçadamente, de se hospedar num hotel, de permanecer num
restaurante ou de freqüentar um clube por causa de sua cor ou de sua
raça, está sendo negado o direito à igualdade. O mesmo se dá quando,
antes mesmo de conhecer uma pessoa, de verificar seus costumes e
comprovar sua capacidade, outras pessoas julgam que ela será
mal-educada, ignorante ou incompetente, baseando-se apenas na raça, na
cor e no sexo da pessoa discriminada.
Assim, pois, todas as vezes em que uma
pessoa é vítima de preconceitos, ocorre a negação do direito à
igualdade. É por isso que a Organização das Nações Unidas condena
os preconceitos, e em muitos países existem leis proibindo que as
pessoas sejam tratadas como inferiores por motivo de raça, de cor ou de
sexo. Essas leis procuram garantir para todas as pessoas de que todos
nascem iguais e são naturalmente iguais.
Mas a experiência tem demonstrado que
adianta muito pouco a lei dizer que todos são iguais e proibir que umas
pessoas sejam tratadas como inferiores às outras se não for garantida
a igualdade de oportunidades para todos desde o nascimento. Com efeito,
quando uns nascem ricos e outros pobres, as oportunidades são muito
diferentes e por isso as pessoas se tornam socialmente diferentes,
desprezando-se a igualdade natural.
Não basta afirmar que todas as pessoas
são iguais por natureza. Para que essa afirmação tenha resultados
práticos, é preciso que a sociedade seja organizada de tal modo que
ninguém seja tratado como superior ou inferior desde o instante do
nascimento. É preciso assegurar a todos, de maneira igual, a
oportunidade de viver com sua família, de ir à escola, de ter boa
alimentação, de receber cuidados de saúde, de escolher um trabalho
digno, de ter acesso aos bens e serviços, de participar da vida
pública e de gozar do respeito dos semelhantes.
Todas as pessoas nascem iguais em
dignidade, e nada justifica que não sejam dados os mesmos direitos a
todos. Todos têm igual direito ao respeito das outras pessoas, e nada
justifica que não tenham, desde o começo, as mesmas oportunidades.
Texto
extraído do livro: DIREITOS HUMANOS NO BRASIL: Conferência para
educadores.
Organizado
por Heloísa Occhiuse, Judith Patarra e Paola Cohen.
Seção Brasileira de Anistia
Internacional
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