
Ricardo Balestreri
Polícia,
para quê?
por Ricardo Balestreri
Ainda hoje, revendo-as,
chocam-nos as cenas de violência policial gravadas pela televisão
no Rio de Janeiro e em São Paulo. Chocados, a tendência é repetirmos
o lugar comum: declararmos o quanto ficamos revoltados, o quanto nos
indignou o que vimos. Mas quanto tempo durou essa indignação? Duas
semanas, três talvez, um mês? Já assistimos outras barbaridades, hoje
perdidas remotamente na memória pátria... Foi francamente difícil
crer em mais essa comoção.
A cultura brasileira
é violenta. Este é um país deslumbrantemente rico com um povo tragicamente
pobre. Alguém quer melhor gênese para a violência? A polícia é um
espelho da sociedade que a nutre. Não deveria ser, poderia assumir
um papel pedagógico, poderia recusar-se à manipulação, mas não consegue,
talvez até porque não perceba a possibilidade.
A diferença, desta vez,
é que chocamo-nos com um episódio que fez-nos vítimas potenciais.
Deus! E se fossemos nós os indefesos atacados na rua? Em outros casos,
muitos dos que hoje derramam suas lágrimas diante das telinhas estariam
aprovando, clamando por mais violência, pedindo a pena de morte, babando
com os linchamentos, saboreando a perversidade e a baixaria explícita
de programas radiofônicos e televisivos ditos policiais. Hipocrisia
pura!
Para que não compactuemos
é preciso ir além da válvula de escape do simplismo emocional. Primeiro,
perguntando-nos: Para que polícia? Quem precisa de polícia? E respondendo:
Precisamos todos nós! Não é possível conceber-se uma sociedade urbana
complexa sem o serviço de polícia, protegendo a cidadania das condutas
sociopáticas. A atividade policial em si é nobre, digna, imprescindível.
A questão central, melhor
colocada, seria: Que tipo de polícia? A que herdamos da ditadura com
suas óbvias seqüelas de corrupção e truculência? A resposta é evidente.
Precisamos de uma polícia administrada pelo Estado, de quem o chefe
é o cidadão comum. Não há outra forma admissível em governos democráticos.
O patrão não é o governador, mas o transeunte. Sabemos, no entanto,
que não é fácil chegar a isso. Os paradigmas policiais só agora, timidamente,
começam a mudar, nesses frágeis treze anos incompletos de democracia.
Se não estivermos metidos
na mudança ela não ocorrerá, ou será parcializada. Nós, das ONGs,
precisamos tirar o “salto alto” e arriscar parcerias bem criteriosas
com a polícia, no campo educacional. Cobrar, denunciar, será sempre
imperativo à manutenção da democracia. Contudo, anunciar o novo, criar
alternativa, estender a mão nas ações positivas, é dever irrecusável
de responsabilidade.
Por conta disso, estamos
há oito anos trabalhando em parcerias educacionais com corporações
policiais de diversas partes do Brasil. O novo Plano Nacional de Direitos
Humanos teve um bom discernimento quando contemplou um convênio da
Anistia Internacional com o Ministério da Justiça para a expansão
dos Programas Educativos voltados a policiais. Estamos trabalhando
muito, ampliando participações com o projeto Axé na Bahia, com o Instituto
de Defesa dos Direitos Humanos no Paraná, com o UNICEF e com diversos
governos estaduais. As mudanças já se fazem sentir no cotidiano dos
beneficiários e no ingresso de novos policiais como militantes em
ONGs de direitos humanos. Há, por exemplo, policiais atuando como
educadores de meninos de rua no Projeto Axé e muitos trabalhando como
voluntários na Anistia Internacional. Uma pequena surpreendente revolução,
em um país que ainda tem muito a fazer para construir democraticamente
as suas policias.
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