
Palavra
do Professor
Paul
Martin
Coordenador do Consórcio Universitário
pelos Direitos Humanos
Caros
amigos:
É
um grande privilégio estar aqui porque acredito
que alguma coisa nova está nascendo. Gostaria
primeiramente de parabenizar os organizadores,
meus colegas Paulo Sérgio Pinheiro e Oscar Vieira,
e seus muitos colaboradores que deram tanto de
seu tempo para organizar nossa viagem, acomodações
e todos os eventos das próximas semanas.
Por
muito tempo estive preocupado com o fato de que
os maiores centros de direitos humanos estão na
América do Norte e Europa. Há dez dias atrás,
pela primeira vez na história, os Estados Unidos
não foram reeleitos para a Comissão de Direitos
Humanos das Nações Unidas, a comissão na qual
os Estados Unidos tinham sido o membro mais influente.
Ao
invés de estar desapontado, espero que isto abra
caminho para uma nova era para os direitos humanos
internacionais, uma era na qual outras regiões
e países assumirão os desafios de promover os
direitos humanos e mostrar que estes são mais
do que um simples instrumento de política. Os
direitos humanos precisam ser definidos e promovidos
como aspirações legítimas de todos os seres humanos.
Espero
que este colóquio que inicia hoje, torne todos
vocês vozes efetivas pelos direitos humanos e
especialmente para os povos e comunidades exploradas
que não podem se ajudar.
Vocês,
isto e todos vocês aqui, precisam se ver como
atores mundiais, capazes de lutar pelos direitos
humanos com menos bagagem cultural e comercial
do que os países mais ricos. O Brasil em especial
é um microcosmo de mundo. Como outros países tem
muitos pobres e alguns muitos ricos, indústrias
modernas de sucesso e comunidades que sofrem seriamente
de problemas de meio ambiente e exploração humana.
Recentemente
uma organização de direitos humanos de New York
organizou um jantar para arrecadar dinheiro e
discutir “meios para diminuir a distancia entre
ricos e pobres, e criar prosperidade para todos”.
Em cada mesa os convidados encontraram um dos
vinte-sete ‘líderes dinâmicos’ convidados para
dirigir as discussões. A escolha dos líderes foi
marcante. Vinte-três dos vinte-sete eram homens
e quase todos recebiam salários anuais de mais
de cem mil dólares, alguns recebiam mais de um
milhão de dólares. Como todos tinham que pagar
quinhentos dólares para participar, estavam ausentes
das discussões os pobres.
Aquele
jantar foi, infelizmente, típico dos debates e
atividades dentre as comunidades ocidentais que
discutem os direitos humanos. Aqueles que sofrem
os abusos não estão presentes para buscar as soluções.
Para mim, hoje tomamos um passo necessário em
uma nova geração de interações que sofrem as violências.
Essa
nova geração de direitos humanos precisa novos
paradigmas e novos atores. Os novos paradigmas
dos direitos humanos estão se focalizando na justiça
econômica, nos sistemas econômicos globais e nacionais,
para que todos os seres humanos tenham acesso
às necessidades básicas, sejam elas saúde, educação
ou simplesmente água potável.
Vocês
têm que se ver como uma geração de novos atores,
armados com sua própria experiência e percepções
culturais. A América Latina precisa revistar sua
história intelectual, sobretudo suas teorias da
dependência que partem de suas experiências. Essas
teorias poderiam por exemplo, ser rejuvenescidas
através da integração de conceitos de necessidades,
direitos e igualdade básicos. Precisamos de novos
e mais sofisticadas teorias políticas e de justiça
social.
Não
tenho a resposta para estas perguntas, mas alguém
precisa pensar sobre estas questões. Na verdade,
alguns estão pensando nestas questões. Isto tornou-se
aparente em debates recentes aqui e na África
do Sul com relação à vacina da AIDS.
O
problema é que o resto do mundo viu estas discussões
como apenas um debate sobre AIDS. Na verdade faz
parte de uma discussão maior sobre a propriedade
intelectual, isto é, o direito daqueles que tem
uma idéia ou invento de obter os maiores lucros
possíveis. O Brasil e especialmente as coligações
dos países mais pobres tem todo o aparato necessário,
sobretudo os meios de comunicação, para seus intelectuais
e ativistas debaterem essas questões e atingirem
um público mundial.
A
questão que estou levantando não é que o ocidente
e seus promotores dos direitos humanos estão ultrapassados.
Mas outras histórias e culturas têm muito o que
oferecer ao debate mundial. Os novos paradigmas
dos direitos humanos começam com os problemas
que os povos enfrentam cada dia e focaliza-se
nos resultados que beneficiarão aqueles que sofrem
abusos.
Vocês
podem utilizar suas convicções de várias maneiras.
-
Com a ausência dos Estados Unidos na Comissão
de Direitos Humanos, vocês podem encorajar seus
representantes governamentais a assumir um papel
de liderança. Os intelectuais brasileiros e aqueles
de países em desenvolvimento precisam reconquistar
a visibilidade dos anos sessenta e setenta, discutindo
não mais apenas seus problemas domésticos, mas
também seu contexto global.
-
Igualmente importante, precisa haver um
compromisso para permitir que aqueles que sofrem
violações participem ativamente procurando soluções.
Os intelectuais e ativistas não substituem os
representantes dos pobres, mas podem desenvolver
com eles, como aconteceu na Polônia nos anos oitenta.
-
As ONGs nos países fora Europa e América
do Norte precisam assumir um papel mais global,
reconhecendo que os problemas que enfrentam em
casa são significativos em outros lugares e que
estão em uma posição para ajudá-los. As ONGs podem
enriquecer o debate internacional que tem sido
dominado pelos países desenvolvidos. Vejo o Brasil
e outros países do Hemisfério Sul, como bases
preparadas para criar algumas grandes ONGs, tais
como Anistia Internacional, focalizando-se em
outros aspectos como, por exemplo, os direitos
econômicos e sociais, e o desenvolvimento econômico.
-
As Universidades precisam ser os lugares
onde os intelectuais analisam a definição e o
papel dos direitos humanos e a justiça social
como fatores do crescimento futuro de seus países.
As universidades podem oferecer e contrabalançar
o apoio e a crítica à política pública. O Brasil
precisa tornar-se mais visível nos debates internacionais
sobre justiça social.
-
A meu ver, sua contribuição mais importante
seria encontrar meios de participar no debate
global sobre o papel que os direitos humanos devem
ter na globalização no futuro. Sendo um país bastante
influente economicamente como outros países aqui
presentes, vocês não estão tão condicionados pelos
interesses comerciais como os Estados Unidos,
e portanto podem falar mais objetivamente sobre
os problemas internacionais dos direitos humanos.
-
Seria importante para todos vocês desenvolverem
novas idéias e estratégias para lidar diretamente
com os elementos da globalização que causam grandes
abusos aos direitos humanos. O recente debate
sobre a vacina da AIDS é um bom exemplo de uma
estratégia focalizada no impacto e não apenas
limitada aos debates sobre princípios éticos ou
casos judiciais.
Como
disse no início, é um grande privilégio estar
aqui porque acredito que alguma coisa nova está
nascendo.
Esse
encontro criará novas ligações e alianças, e mesmo
movimentos sociais, para buscar estratégias alternativas,
inspirados em seus ricos recursos. Nos cálculos
de educação de direitos humanos na Europa e na
América do Norte, todos ouviram falar e respeitam
Paulo Freire. Muitos ouviram falar também de Augusto
Boal e usam suas idéias.
A
questão é que existem muitos outros pensadores
e educadores menos conhecidos em seus países.
Sua tarefa é criar as estruturas necessárias para
divulgá-los. Na verdade, precisamos de novos espaços
que não sejam tão caros como Nova Iorque, Washington,
Londres e Geneva.
Nesse
colóquio, vocês terão a oportunidade de compartilhar
idéias, e construir novas alianças para convencer
o resto do mundo que os direitos humanos são verdadeiramente
humanos e para todos.
Espero
poder participar ativamente das discussões interessantes
durante essas duas semanas.
Obrigado
a todos.
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