
A prática dos direitos humanos
Por João Amaral
O respeito pelos direitos do Homem
mede-se pelas acções e não pelas palavras. Em matéria de
serviços secretos e de recolha de informações, a prática
nacional e da União Europeia deixa muitas dúvidas. O mesmo se
passa com alguns dossiers explosivos, que têm sido mantidos
debaixo de segredo e sem investigação, apesar das escandalosas
situações a que se referem.
Se se pretendem exemplos do que se
afirma, não é difícil encontrá-los. É o que se passa com a
falta de fiscalização das secretas portuguesas. É o que se
passa também com a montagem de sofisticados sistemas de escutas a
partir de satélites, não só o já denunciado sistema ECHELON,
de propriedade dos Estados Unidos, mas outros sistemas de outros
países, incluindo um que se encontra em montagem pela União
Europeia (e portanto com a participação de Portugal).
Mas, noutro plano, nunca é demais denunciar a falta de
investigação acerca da chamada Conexão Lusa do caso GAL, onde
apesar das condenações em Tribunal dos executantes, nunca foram
averiguadas as responsabilidades políticas.
É caso ainda para lembrar, já que se fala dos direitos humanos,
o cruel massacre de Wiriyamu. Há poucos dias a SIC fez um
impressionante trabalho, levando o alferes que comandava a força
militar ao local da chacina. Calcula-se em 400 o número de civis
moçambicanos que foram barbaramente assassinados. Mulheres foram
violadas, crianças foram impediosamente volteadas, seguras pelos
pés, para serem esmagadas contra árvores. Como é que a
consciência nacional reagiu à descrição desta chacina?
A resposta a estas situações de efectiva ou potencial violação
de direitos humanos é dada na acção política, através da
apresentação de propostas, através da denúncia combativa,
através da divulgação da memória histórica sobre o que foi o
fascismo e a ditadura como exemplo daquilo que o país quer
enterrar definitivamente. Em todas essas frentes, o PCP se
apresenta com o claro empenhamento de quem não poupa esforços na
defesa dos princípios.
Vejamos por exemplo o caso do
Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações.
Há quatro anos que os Serviços de
Informações deixarem de ter a fiscalização a que a Lei obriga.
Há quatro anos que, por responsabilidade do PS e do PSD, as
secretas portuguesas funcionam em roda livre. De facto, para a
eleição dos membros do Conselho de Fiscalização, são precisos
os votos de 2/3 dos Deputados. Ora, só o PS e o PSD juntos
ultrapassam essa fasquia. Por isso, são eles os responsáveis por
esta verdadeira aberração que é secretas sem fiscalização.
Foi o PCP quem denunciou esta situação, que, em última
instância, constitui um perigo para a democracia e para os
direitos dos cidadãos. Foi o PCP quem apresentou um projecto de
lei, que, dispensando a exigência de 2/3, podia facilitar a
resolução do problema. Foi o PCP quem requereu urgência para
esta discussão.
Sentindo-se desmascarados e encostados à parede, PS e PSD
anunciaram para hoje a eleição do Conselho de Fiscalização. Se
ela se consumar (e veremos!), isso dever-se-à à denúncia e à
acção do PCP.
No caso do ECHELON, foi também o
PCP quem levou a questão à Assembleia da República. Como é
sabido, o ECHELON é um sistema de vigilância universal, que
junta os Estados Unidos, Reino Unido, Nova Zelândia, Austrália e
Canadá. Assente num serviço secreto americano (o NSA), o sistema
gere uma rede de 25 satélites, e permite filtrar por minuto 2
milhões de chamadas telefónicas.
Segundo notícias vindas a público, o sistema tem servido para a
vigilância de organizações como o Greenpeace. Não espantará
que muitas organizações de esquerda sejam também objecto de
vigilância.
Já vai para 10 meses que o PCP desafiou o Governo a abrir este
dossier e a informar sobre o que se passa sobre um sistema que
viola direitos fundamentais, permitindo escutas sem controlo.
O Governo, não só não informou a Assembleia, como parece estar
envolvido, no seio da União Europeia, no lançamento de um
sistema semelhante, para cooperar com o ECHELON. Há sobre a
matéria um Memorando secreto, de 25 de Novembro de 1995. Mas, um
recente documento (Enfopol 98, de 3 de Setembro passado, emanado
do Grupo de Cooperação Policial) lança publicamente as pistas
para a utilização pela União Europeia da rede de satélites
tendo em vista o controlo das telecomunicações e da internet. É
urgente que o Governo se explique perante o País!
Estes são casos e situações da
actual vida nacional, que têm repercussões sobre o futuro. Mas,
a par disso, há situações passadas que ainda hoje deveriam
merecer uma acção específica.
É o que se passa com a Conexão Lusa dos GAL. Agora que em
Espanha já há um Ministro e um Secretário de Estado na cadeia,
por causa dos GAL e do terrorismo de Estado que praticaram, cabe
perguntar como está o ramo português dos GAL.
Esse ramo português foi organizado por conhecidos colaboradores
da DINFO, com destaque para o célebre Mário Correia da Cunha,
informador que foi apanhado com fichas de militantes do PCP e do
PS sobre os quais exercia vigilância. O Mário Cunha foi preso e
condenado, e com ele outros executantes. Mas apontaram o dedo aos
seus chefes na DINFO, Serradas Duarte e Fernando Ramos (que Cavaco
Silva quis, sem êxito, cobrir com o segredo de Estado). Só que
as investigações nunca foram levadas até ao fim.
Porquê? Alguém pode acreditar que tendo os GAL organizado em
Portugal uma célula e recrutada gente próxima da secreta
militar, que tudo isso se passasse à margem do Governo e das
autoridades superiores?
Os GAL portugueses actuaram em França à bomba, ferindo gente,
incluindo uma criança. Não são crimes que devem ser
investigados até ao fim?
O mesmo se passa com a chacina de Wiriyamu. Não foi uma acção
militar das Forças Armadas. Foi um massacre da responsabilidade
de um dos "ultras" do regime fascista, que na altura
chocou o Mundo. Pode o General Kaúlza de Arriaga, o Chefe militar
supremo em Moçambique, passear por aí a sua impunidade?
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