
Direito
Internacional e globalização em face das questões de
direitos humanos
Ancelmo
César Lins de Góis e Ana Flávia Barros-Platiau
1
CONCEITO DE “GLOBALIZAÇÃO”
Considerando
o primeiro e o terceiro níveis acima mencionados
(intensificação de fluxos diversos e diminuição das
distâncias), a tão propalada “globalização”
constitui, na verdade, processo antigo. Teve seu início
logo no período dos grandes descobrimentos, no século
XV. Com efeito, as expedições lideradas pelo navegante
genovês Cristóvão Colombo e financiadas pelo Reino de
Castilla y Aragón romperam, em 1492, o isolamento entre o
“velho” e o “novo mundo” e implicaram crescente
contato entre os países então existentes.
Sabe-se
que, já no século XIX, a Revolução Industrial, com as
inovações técnicas e tecnológicas nas indústrias e
nos transportes, permitiu maior integração do mundo –
por meio da intensificação das trocas mercantis e do
incremento de investimentos no estrangeiro. Seguiu-se, sem
surpresa, a expansão acelerada das empresas
multinacionais e conglomerados financeiros5.
O
fato é que, em geral, associa-se o fenômeno “globalização”
a aspectos econômicos e financeiros atinentes ao passado
recente. Sucede, contudo, que não são esses os únicos
fatores a serem levados em consideração6. É
bem verdade que as últimas décadas têm testemunhado um
aumento vertiginoso dos fluxos comerciais e financeiros,
mas também se pode verificar um crescimento substancial
dos contatos nos âmbitos cultural, social e até mesmo
jurídico.
À
guisa de melhor sistemática, podem ser destacados os
seguintes aspectos daquele primeiro nível de
internacionalização: a) comercial – homogeneização
das estruturas de demanda e oferta por empresas que
estabelecem contratos de terceirização com produtores
locais e comercializam os produtos sob suas próprias
marcas (ex.: Nike,
Nestlé, Benetton, Carrefour); b) produtivo – fenômeno
da produção internacional de um bem para o qual
concorrem diversas economias com diferentes insumos; c)
financeiro – aumento do fluxo de capitais, decorrente da
automação bancária; d) sociocultural – os mesmos
instrumentos que permitem o aumento do fluxo de capitais
(redes eletrônicas, televisão, satélites) constituem o
atual sistema de comunicação, o que contribui para uma
relativa homogeneização da cultura e dos padrões de
comportamento nas sociedades; e) tecnológico –
incremento quantitativo e qualitativo das redes mundiais
de comunicação e informação (Internet).
De
um modo genérico, enfim, pode-se utilizar o termo para
designar a crescente e acelerada transnacionalização das
relações econômicas, financeiras, comerciais, tecnológicas,
culturais e sociais, que vem ocorrendo especialmente nos
últimos vinte anos.
Sucede
que também se pode conferir um caráter crescentemente
“global” ao campo do Direito, haja vista o teor cada
vez mais candente das discussões teóricas, políticas e
jurídicas no que se refere à relatividade da noção clássica
de soberania, com o fito de se redimensionar a aplicação
das normas de Direito das gentes.
De
fato, torna-se cada vez mais enfática e cristalina a idéia
segundo a qual a proteção dos direitos humanos não é
mais matéria de competência exclusiva das soberanias
nacionais, nem pode ser esquivada sob o manto do
relativismo cultural7. Se antes as questões de
Direito Internacional interessavam apenas aos Estados
soberanos, agora elas são criadoras de uma imensa lacuna
relativa às relações dos Estados com outros atores,
como diversas organizações (notadamente as ONG's),
empresas multinacionais, indivíduos, minorias e grupos de
interesse.
Certo
é que tal intensificação de contato entre diversos
atores trouxe consigo novas demandas de regulação das
relações internacionais e a opinião pública de vários
países tende a se unir – como porta-voz da humanidade
– para exigir respostas multilaterais contra Estados
soberanos julgados culpados8. Tal foi o caso no
Iraque, Ruanda, Haiti, Bósnia, Kosovo, Timor Leste e
Chechênia9. Nota-se que a pressão da opinião
pública na União Européia tem aumentado
consideravelmente na década de 90, levando certos políticos
à idéia de diplomacia de intervenção (nas questões
econômicas), como mostraram exemplos franceses e nórdicos.
2
DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E GLOBALIZAÇÃO
Herdou-se
o Direito Internacional do século XVIII, quando os filósofos
europeus começaram a afirmar seus princípios, e os
soberanos a colocar-lhes em prática10. Kant,
por exemplo, já acreditava que a ordem internacional
deveria ser construída por relações jurídicas e não
por relações de poder ente os Estados soberanos – o
que ele bem explicou nas suas obras Doctrine
du droit e Projet
de paix perpétuelle. Sua obra foi construída a
partir da preocupação de garantir a propriedade
individual (Direito privado), a fim de garantir a paz
universal (Direito público) e chegar ao "direito
cosmopolita" (dever de cada Estado de estabelecer
relações jurídicas com os demais para defender seus
interesses legítimos). Ainda que esse esquema seja discutível,
é muito importante assinalar o esboço do Direito
Internacional cujas esferas nacional, internacional, pública
e privada estão interligadas.
O
Direito Internacional, de uma maneira geral, e os direitos
humanos, em particular, localizam-se no cenário descrito
na medida em que se esboça continuamente uma idéia de
“globalização da justiça”. Com efeito, pode-se
afirmar que o tema da defesa internacional dos direitos
fundamentais do ser humano tem assumido uma configuração
cada vez mais “global”, eis que se exige dos Estados
nacionais o cumprimento dos instrumentos jurídicos
internacionais firmados que regulam a matéria. Exemplos
recentes são as cobranças feitas pela União Européia
à Turquia (que almeja integrar o seleto Grupo dos
Quinze), ou de ONG's que denunciam a repressão política
em países como a China. Cabe assinalar, ainda, as
diversas querelas entre Estados duvidosamente democráticos
e as ONG's, tais como Amnesty
International11 e Human
Rights Watch.
O
primeiro efeito da globalização, do ponto de vista da
relação entre Estados soberanos, é a crescente demanda
legítima por uma melhor regulação internacional.
Contudo, as fontes dessa demanda causam também problema,
porque não são apenas os Estados, mas todos os atores
internacionais que conseguirem participar dos mecanismos
decisórios. Por exemplo, quando ONG's se unem para exigir
o fim do trabalho escravo no mundo. Sucede que a
necessidade dessa construção jurídica é acelerada ao
mesmo tempo que a "fratura social"12
entre Estados ricos e pobres tem-se agravado13.
A ordem internacional tende a ser reformada pelos Estados
mais poderosos (ou politicamente organizados), que
defendem suas prioridades e interesses, mas acabam
comprometendo todos os outros14.
Porém,
o principal efeito da globalização é a intensificação
de conflitos entre normas e sujeitos de Direito
Internacional público, levando ao questionamento sobre a
operacionalidade dos referenciais de regulação. Em
outros termos, o Direito Internacional destinado
unicamente aos Estados soberanos e às organizações
internacionais está sendo submetido a uma leitura mais
exigente da observância das normas internacionais.
Ademais, verifica-se que mecanismos jurídicos de sanções,
antes impensáveis em face da pretensa soberania absoluta,
aparecem lentamente nos debates multilaterais. Enfim, os
Estados começam a prestar contas a outros atores e a
opiniões públicas cujas nacionalidades se somam e se
misturam. Então, o ponto interessante a sublinhar é a
irrupção desses atores na cena internacional e a sua
atuação como juízes da ação política do Estado
(soberano). Esse é o início do debate sobre a formação
do "espaço público internacional" que será
desenvolvido adiante.
Nesse
contexto de construção jurídica marcado pela
desigualdade internacional, outra fonte de contendas é a
fragilidade do princípio de universalidade do Direito e
dos valores que ele defende15. Quando se fala
em direitos humanos, as questões mais abordadas na União
Européia são as minorias étnicas, as vítimas de
guerras (prisoneiros, refugiados, imigrantes) e a proteção
do cidadão contra o abuso de poder público (ou seja, o
acesso a tribunais internacionais ou supranacionais). No
Brasil, por outro lado, os valores são os mesmos, mas as
questões pertinentes são a proteção da infância, o
estatuto dos índios e a vida carcerária. Ora, o Direito
Internacional espelha as preocupações ocidentais de
manter uma ordem internacional estável e pacífica, pois
foi codificado principalmente por Estados-nação
dominantes da cena internacional a partir da era das
grandes navegações. Em razão dessa fragilidade inerente
a toda construção multilateral, o Direito Internacional
avança lentamente e depende das concessões feitas pelos
Estados. Assim, Chartouni-Dubarry e Al Rachid16
asseveram que o princípio de universalidade é uma grande
falácia jurídica, e por isso os textos internacionais são
muitas vezes simples declarações de compromisso sem
poder cogente.
Quanto
aos Estados, é de bom alvitre ressaltar que cada um age
em função de interesses próprios, que são definidos
como seus interesses nacionais, mas nem sempre expressos
de maneira clara e transparente. Conseqüentemente, a
definição de termos jurídicos, bem como sua interpretação,
não são jamais neutras, qualquer que seja a questão.
Dessa divergência legítima de interpretações, de
percepções e de interesses surge o conflito de
legitimidades17, e o conteúdo de Direito
Internacional torna-se a pedra de toque de atores
internacionais que consomem esse Direito18. Com
efeito, tal conflito é resultado lógico da diversidade
de atores e, portanto, não constitui, por si só,
novidade.
No
entanto, para evitar o obstáculo da divergência de
interesses ou o desafio do reconhecimento da
heterogeneidade, acreditou-se que era possível criar um
modelo ideal, justo e adequado para todos os atores
internacionais, ou melhor, aproveitar a oportunidade para
impor internacionalmente um modelo nacional. Nesse
sentido, a ação da OTAN no Kosovo demonstrou que
primeiramente alguns Estados decidiram agir, para depois
legalizarem as operações militares pelo recurso aos
instrumentos onusianos. Essa ilustração pode ser tomada
como prova da vontade dos decisionmakers
mais poderosos19 de manter a segurança mundial
e o respeito dos direitos humanos, enquanto os outros não
interferiram de maneira significativa no processo decisório.
Porém,
em termos estritamente jurídicos, foi a comunidade
internacional que puniu um agressor em nome do bem-estar
da humanidade. Cabe aqui observar que esse conceito de
"comunidade" distingue-se do conceito de
"sistema internacional" usado pela corrente
realista das relações internacionais que privilegia o
papel do Estado. "Comunidade" traduz o interesse
de mostrar a diversidade de atores internacionais, sem que
estes cheguem a formar uma verdadeira "sociedade
civil internacional", como supõe Wapner20.
Além disso, como defendeu Kant e seus sucessores, não há
sociedade internacional (no sentido forte do termo) sem
que haja um Direito que regule as relações dentro dela.
Portanto, se o debate teórico sobre a existência de uma
sociedade ou comunidade internacional parece interminável,
é inadmissível que os dois termos sejam utilizados como
sinônimos.
Depois
que a comunidade internacional condenou o Iraque, em 1991,
esse fenômeno tem crescido porque ela se sente
garantidora do bem-estar da humanidade. Enfim, a construção
jurídica para estabelecer as "regras do jogo" e
assegurar certa previsibilidade do cenário internacional
é influenciada por lutas políticas. Além disso, os
contenciosos transfronteiriços tendem a aumentar na mesma
medida em que a globalização tende a se espargir21.
Por
conseguinte, do ponto de vista das relações entre
Estados e diversos atores, o Direito sofre concorrência
de uma ordem jurídica internacional que aspira a uma nova
ordem normativa além da simples coordenação das relações
de poder entre Estados soberanos22. Este seria,
com efeito, o terceiro grande impacto do fenômeno da
globalização no campo jurídico. Em outros termos,
existe uma comunidade de atores internacionais –
geralmente denominada "comunidade internacional"
– que demanda reconhecimento jurídico para poder agir
legalmente, e por isso milita para transformar o direito
internacional dos soberanos em Direito Internacional das
relações entre todos os atores legítimos. Dessarte,
parece incontestável o décalage
entre a ordem normativa que o Direito Internacional
oferece atualmente e as aspirações de outros atores
internacionais, como as empresas multinacionais e as
ONG's.
De
fato, o papel e a natureza do Estado são contestados no
cenário internacional por atores que uma leitura estrita
do Direito Internacional não reconhece23. O
exemplo das crescentes interações entre atores públicos
e privados é pertinente não só porque reflete a
complexidade do contexto, mas também porque levanta a
questão sobre que tipo de regulação jurídica
internacional seria adequada à realidade atual.
Outrossim, o direito de agir dentro do cenário
internacional faz parte da agenda das ONG's e da opinião
pública e constitui o "paradigma da dignidade da
pessoa humana"24. Nesse sentido, a grande
questão atual é como assegurar aos indivíduos o acesso
aos tribunais internacionais de direitos humanos. O
exemplo da Corte Européia dos Direitos Humanos é, por
enquanto, único no mundo.
Nesse
sentido, o questionamento da validade de conceitos
tradicionais seria o quarto efeito da globalização sobre
o Direito Internacional público. Exemplos de conceitos
colocados à prova da realidade atual são: soberania
nacional25, ingerência26,
comunidade internacional27, opinião pública
internacional28, humanidade como destinatária
do direito internacional29 etc. Nesse contexto
de incursão de atores exteriores dentro do domínio
reservado dos Estados, surge a seguinte questão: em que
medida o espaço público internacional em plena formação
poderia atenuar esse duplo desequilíbrio entre Direito
das relações entre Estados e Direito das relações
entre Estados e outros atores?
3
O ESPAÇO PÚBLICO INTERNACIONAL EM FORMAÇÃO
A
crescente participação de atores internacionais diversos
nas questões internacionais é fenômeno irrefragável em
questões relativas à proteção internacional dos
direitos humanos. O termo "espaço público
internacional" traduz, segundo o Professor Bertrand
Badie30, essa abertura político-jurídica. O
conceito de espaço público utilizado é habermasiano,
definindo um espaço onde diferentes componentes de uma
sociedade se exprimem e se estabelecem por meio da
comunicação entre eles.
A
grande magia da era da globalização é clara: a informação
circula no planeta e niguém tem o poder de
"engavetar um processo" sem prestar contas a uma
opinião pública cada vez mais militante. Comprova-se,
certamente, o paradigma de relações internacionais
segundo o qual os Estados não são – e talvez nunca
tenham sido – atores exclusivos das relações
internacionais, haja vista que a literatura mais recente
chega mesmo a questionar ou a relativizar o significado do
conceito de soberania31. O Estado parece estar,
por isso, intimado a redefinir seu papel32 para
a satisfação da humanidade em termos globais de justiça.
Contudo,
aborda-se a era da globalização pós-Guerra Fria não
como uma situação de crise de governança global, mas
como o ínicio de sua formação. Essa governança,
descrita por James Rosenau e citada por Smouts33,
supõe a (...) existência
de regras, em qualquer nível de atividade humana, da família
até as organizações internacionais, cujas finalidades,
que são controladas, têm incidências internacionais.
Essa abordagem objetiva demonstrar como indivíduos e
instituições procuram resolver, por meio de processos
interativos de decisão, problemas comuns, tais como os
fenômenos transnacionais de migrações, criminalidade,
poluição e tráficos (de entorpecentes, de mercadorias
ou de dinheiro). Nesse sentido, a institucionalização
gradativa das relações internacionais por meio de
instrumentos jurídicos é uma das condições de
possibilidade dessa governança global.
Em
conseqüência, o Direito Internacional pode ser
considerado um regime relativo34. Em primeiro
lugar, por questão de conteúdo, pois os textos
internacionais não são universais nem hierarquizados, e
seu poder de coerção depende da vontade política de
atores interessados. Em segundo lugar, porque existem
diferentes percepções políticas e jurídicas oriundas
da multiplicidade de valores de cada sociedade. Por
exemplo, os Estados ocidentais liberais e a América
Latina valorizam os direitos políticos e civis porque
acreditam que eles asseguram a pluralidade política e a
democracia liberal. Mas os socialistas, inspirados no
marxismo, distinguiam direitos formais dos direitos reais,
sendo apenas os últimos garantidos pela sociedade
socialista igualitária, como o direito ao trabalho. E
certos Estados da África e da Ásia, para limitar o
liberalismo político, escolheram a inspiração marxista,
facilmente identificada em textos de 1981, tais como a
Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos e a Declaração
Islâmica Universal de Direitos Humanos.
Em
terceiro lugar, por sua natureza, o Direito Internacional
também é relativo, pois entra em conflito com o princípio
de soberania e as únicas soluções para a aplicação do
texto jurídico contra um Estado são as pressões diplomáticas
(e econômicas) e a mobilização da opinião pública
internacional. Em quarto lugar, a relatividade também se
explica pelo espaço territorial, porque os dois textos
mais avançados em matéria de direitos humanos são a
Carta da União Européia e a Carta da OEA. As outras regiões
do mundo apresentam níveis muito díspares de controle
jurídico. Em termos de responsabilidade penal
internacional, aquelas Cartas representam casos de exceção,
porque os crimes de guerra são e serão sancionados por
soluções ad hoc (cláusula
124 dos acordos da Corte Penal de Justiça). Enquanto os
crimes contra os direitos humanos são de competência dos
Estados, esperando que a CPJ funcione sistematicamente.
4
DIREITOS HUMANOS E A “GLOBALIZAÇÃO DA JUSTIÇA”
Antes
de tudo, convém analisar a evolução do Direito
Internacional antes e após a 2ª Grande Guerra. Antes de
1945, o Direito Internacional passou em silêncio pelas
questões de direitos humanos, tratando apenas de questões
restritas à escravidão e ao trabalho forçado. As questões
humanitárias entravam na agenda internacional quando
ocorria uma guerra, mas logo mencionava-se o problema da
ingerência contra um Estado soberano e a discussão
morria lentamente. Temas como o respeito às minorias
dentro de territórios nacionais e direitos de expressão
política não eram abordados para não ferirem o então
inconstestável e absoluto princípio de soberania35.
Após
a Segunda Guerra, o tema “Direitos Humanos” passou a
ser tratado como verdadeira revolução, na medida em que
teria colocado o ser humano individualmente considerado no
primeiro plano do Direito Internacional Público em um domínio
outrora reservado aos Estados nacionais. Paradoxalmente, o
Direito Internacional feito por Estados e para os Estados
começou a tratar da proteção internacional dos direitos
humanos contra o Estado, único responsável reconhecido
juridicamente. Esse novo elemento significaria uma mudança
qualitativa para a comunidade internacional, pois não se
cingiria mais a interesse nacional particular36.
O cidadão, antes vinculado a sua nação, torna-se lenta
e progressivamente “cidadão do mundo”37.
A
multiplicação dos instrumentos internacionais após o
final dessa guerra, como a Declaração Universal de 1948
e os dois Pactos de 1966, levaram a uma nova evolução da
proteção internacional dos direitos humanos. Por essa
razão, o que se verifica na atualidade é uma espécie de
busca por uma “justiça globalizada”, a qual poderia
ser institucionalizada por meio de um tribunal
verdadeiramente supranacional, permanente e livremente
constituído pela comunidade internacional.
A
propósito, alguns estudiosos aventam a urgência de se
“constitucionalizar” as relações internacionais38
para – sob a égide do paradigma grociano – enfatizar
a sociabilidade existente para tornar possível elaborar
regras que garantam uma convivência internacional
harmoniosa. Essa “constitucionalização” exigiria o
estabelecimento de um verdadeiro e único tribunal
internacional e evitaria o que se verifica na atualidade:
a proliferação fácil de tribunais ad
hoc – o que constitui fator altamente pernicioso
para a construção de um sistema jurídico internacional
equilibrado, eficiente e justo.
É
bem verdade que essa idéia não se coaduna com a
realidade (em sentido hobbesiano) das relações
internacionais, sempre assimétricas e marcadas pelo
diferencial de poder entre os atores. Seria ingênuo
supor, por exemplo, que uma grande potência fosse acatar
sentenças e decisões contrárias a seus interesses. De
qualquer sorte, entende-se que o sistema multilateral
ainda é o melhor mecanismo para resolver questões jurídicas
apresentadas constantemente no cenário internacional. É
preciso estimular o diálogo baseado no respeito ao
Direito Internacional, à resolução pacífica de controvérsias
e aos princípios reconhecidos como básicos no âmbito
dos direitos humanos.
A
relativização da soberania é a questão central da temática
referente à aplicação atual de mecanismos de proteção
dos direitos humanos. É sobejamente sabido que o primeiro
grande precedente que rompeu com a idéia de um domínio
reservado dos Estados em direitos humanos foi o “Grupo
de Trabalho Especial sobre a Situação dos Direitos
Humanos no Chile”, do regime de Pinochet. Sucede,
contudo, que o “Tribunal” ad
hoc criado refletiu a força política momentânea em
detrimento do fortalecimento dos mecanismos do Direito
Internacional Público. Trata-se de evidente mecanismo que
contribui mais para resolver questões específicas, ao
sabor das circunstâncias políticas e da força da opinião
pública, do que para instaurar mecanismos permanentes e
firmes de controle do Direito.
4.1
MARCOS HISTÓRICOS DOS DIREITOS HUMANOS
Na
própria Bíblia, está estatuído, no Gênesis, que Deus
criou o homem à sua imagem, como querendo ensinar que
o homem assinala o ponto culminante da criação. Nesse
sentido, observa Hannah Arendt que (...) a
própria vida é sagrada, mais sagrada que tudo mais no
mundo; e o homem é o ser supremo sobre a terra39.
Assim, entende-se que todo homem é único e quem suprime
sua existência é como se destruísse o mundo por
completo.
Analisando
as idéias apresentadas pelos grandes pensadores da teoria
política moderna, verifica-se que os indivíduos, até
mesmo para Hobbes, têm o direito inalienável à vida40.
Estes e outros direitos fundamentais correspondem ao que
Jean-Marie Dupuy qualificou de noyau
dur dos direitos humanos. Eles remetem-nos às obrigações
erga omnes da
Corte Internacional de Justiça e referem-se ao princípio
de jus cogens
evocado na convenção de Viena sobre Tratados
Internacionais41.
Ademais,
pode-se dizer que há certa relação entre a teoria de
Locke – para quem o Estado e o Direito são uma espécie
de meio-termo entre a liberdade vigente no “estado de
natureza” (onde tudo é permitido) e as exigências da
vida em sociedade – e os princípios que inspiraram a
proteção dos direitos fundamentais do ser humano. De
fato, é importante ressaltar que a passagem do Estado
absolutista para o Estado de Direito (Rule
of Law) transita pela preocupação do individualismo
em estabelecer limites ao abuso de poder do todo em relação
ao indivíduo.
Esses
limites encontrariam guarida na idéia de divisão dos
poderes, que, preconizada por Montesquieu, quedou estatuída
no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão: Toute
société dans laquelle la garantie des droits n’est pas
assurée, ni la séparation des pouvoirs déterminée,
n’a point de Constitution.
Ainda
que se observe que os principais marcos históricos da temática
estão na Revolução Parlamentar Inglesa, na Independência
dos EUA e na Revolução Francesa, com suas respectivas
Declarações, a inclusão da observância dos Direitos
Humanos entre os princípios da Carta da ONU (1945) e a
proclamação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948) representaram mudança qualitativa das relações
internacionais.
Com
efeito, a Carta de São Francisco, consoante Pierre Dupuy,
fez dos Direitos Humanos um dos axiomas da organização,
conferindo-lhes uma estatura constitucional no Direito das
gentes42.
Certo
é que o tema “Direitos Humanos” constitui um dos
itens mais importantes da agenda internacional contemporânea.
Para analisá-lo de maneira mais sistemática, convém
abordar três pontos: a Convenção de Viena; o quadro
normativo existente no plano internacional; e a política
brasileira na matéria.
4.2
A CONVENÇÃO DE VIENA E A CONSAGRAÇÃO DOS PRINCÍPIOS
DA INDIVISIBILIDADE, DA INTERDEPENDÊNCIA E DA
UNIVERSALIDADE.
Após
um quarto de século da realização da 1ª Conferência
Mundial de Direitos Humanos, realizada em Teerã, a 2ª.
Conferência (Viena, 1993) consagrou os Direitos Humanos
como tema global43.
A
Conferência de Viena conferiu abrangência inédita aos
Direitos Humanos (“DH”), ao reafirmar sua
universalidade, indivisibilidade e interdependência.
Ademais, afastou a objeção de que o tema estaria no âmbito
da competência exclusiva da soberania dos Estados.
Quanto
à universalidade, foi uma das conquistas mais difíceis
da Declaração de Viena. De fato, só ao final se
conseguiu consenso sobre o caráter universal dos DH e se
compreendeu que a diversidade cultural não pode ser
invocada para justificar sua violação. Assim, ainda que
as diversas particularidades históricas, culturais, étnicas
e religiosas devam ser levadas em conta, é dever dos
Estados promover e proteger os DH, independentemente dos
respectivos sistemas. A observância dos DH não pode ser
questionada com base no relativismo cultural. Entendeu-se
que a universalidade é, na verdade, enriquecida pela
diversidade cultural, que não pode ser invocada para
justificar a violação dos direitos humanos.
Cuida-se,
aqui, de um processo de amadurecimento das idéias
relacionadas à dignidade humana mínima e à
universalidade do ser humano individualmente considerado,
acima de quaisquer particularismos. Os direitos humanos
passam, então, a ser encarados como sinal de progresso
moral44.
O
que se superou foi a resistência derivada do suposto
“conflito de civilizações”, aceitando-se a unidade
do gênero humano no pluralismo mesmo das particularidades
das nações e de seus antecedentes culturais, religiosos
e históricos.
Tanto
sob o ponto de vista da diplomacia, como sob o ponto de
vista do Direito, o avanço foi extraordinário. Contudo,
não se pode afirmar que, no campo operativo, o
universalismo tenha realmente suplantado o relativismo45.
Com efeito, os instrumentos jurídicos sobre a matéria têm
mais caráter declaratório do que impositivo.
De
qualquer sorte, a Declaração de Viena também estatuiu
que a proteção dos DH não pode ser questionada com base
na soberania. Com efeito, o reconhecimento da legitimidade
da preocupação internacional com a proteção dos DH foi
outra conquista conceitual da Declaração. Confirmou-se a
idéia de que os DH extrapolam o domínio reservado dos
Estados, invalidando o recurso abusivo ao conceito de
soberania para encobrir violações. Os DH não são mais
matéria de competência exclusiva das jurisdições
nacionais. Não se levanta mais a exceção do “domínio
reservado dos Estados”, em benefício último do ser
humano.
É
importante sublinhar que a própria Carta da ONU consagra,
em seu texto46, o princípio da não-ingerência
em assuntos de competência interna dos Estados, o que deu
ensejo a diversas interpretações no que tange à
legitimidade de uma ação da ONU nesse campo. Sucede que
o chamado “direito de ingerência” é um dos conceitos
abusivos que mais têm prejudicado o trabalho da ONU em
favor dos Direitos Humanos. No contexto do direito humanitário,
(...) sua origem
remonta ao final dos anos 80, quando os Médecins sans
Frontières
encontraram obstáculos governamentais para fornecer auxílio
médico e alimentar a populações africanas e asiáticas
em áreas conflagradas47.
A
idéia de “competência nacional exclusiva”
encontra-se, agora, superada pela atuação dos órgãos
de supervisão internacionais na proteção dos direitos
humanos. De fato, não há noção mais alheia à proteção
internacional dos Direitos Humanos que a da soberania”48.
Por isso mesmo acredita-se que esse princípio deva ser
redefinido em função das aspirações dos componentes do
espaço público internacional em plena fase de consolidação.
Ao
firmar um tratado qualquer, os Estados abdicam de uma
parcela de sua soberania e se obrigam a reconhecer como
legítimo o direito da comunidade internacional de
observar sua ação interna sobre o assunto de que cuida o
instrumento jurídico negociado e livremente aceito.
Ademais, o Professor Cançado Trindade49
atribui à proteção internacional dos direitos humanos
um caráter especial, haja vista que estes prescrevem
obrigações visando garantir o interesse geral,
independementemente dos interesses individuais das partes
contratantes. Sendo assim, os direitos humanos consagrados
em instrumentos internacionais não devem ser limitados,
salvo esteja explícito em texto jurídico.
No
que tange à indivisibilidade, está superada a dicotomia
entre “categorias de direitos” (civis e políticos, de
um lado; econômicos, sociais e culturais, de outro).
Verificou-se que a teoria das "gerações de
direitos" é historicamente incorreta e juridicamente
infundada, porque não há hierarquia quanto a esses
direitos e porque os argumentos em favor dessa divisão são
ultrapassados. Com efeito, os direitos humanos devem ser
considerados de maneira eqüitativa, em pé de igualdade e
com a mesma ênfase.
Dado
novo, desde o início defendido pelo Brasil, é a
interdependência entre democracia, desenvolvimento e DH.
O reconhecimento do direito ao desenvolvimento como
direito humano universal foi o maior êxito para os países
em desenvolvimento. A Declaração de Viena propõe
medidas concretas para a realização do direito ao
desenvolvimento, por meio da cooperação internacional,
tais como: alívio da dívida externa e luta para acabar
com a pobreza absoluta.
Em
resumo, certo é que o sistema internacional de proteção
do DH saiu fortalecido da Conferência de Viena, eis que
quedaram estatuídos princípios fundamentais no caminho
da “globalização” dos mecanismos concretos de proteção
dos Direitos Humanos.
4.3
O QUADRO NORMATIVO EXISTENTE E A POLÍTICA BRASILEIRA DE
DIREITOS HUMANOS
Para
expor o arcabouço jurídico existente, convém ressaltar,
de início, que a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948), proclamada pela Assembléia Geral da ONU,
definiu, pela primeira vez, como “padrão comum de
realização para todos os povos e nações” os DH e
liberdades fundamentais.
Previu-se,
em seguida, a adoção de dois Pactos para a implementação
da Declaração. Sucede que, devido a controvérsias
Leste-Oeste e Norte-Sul, a elaboração levou 20 anos e
outros 10 foram necessários para a entrada em vigor. Por
fim, foram adotados, em 1976, o Pacto de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais; e o Pacto de Direitos Civis e Políticos50.
Desde
a Declaração Universal de 1948 até hoje, a ONU adotou
mais de 60 Declarações e Convenções sobre DH. O Brasil
é parte de todas as mais significativas:
a)
“Convenção Internacional para a Eliminação de todas
as Formas de Discriminação Racial”, adotada em 1965,
em vigor desde 1969 e ratificada pelo Brasil em 1968, que
reuniu o maior número de ratificações;
b)
“Convenção para a Eliminação de Discriminação
contra a Mulher”, adotada em 1979, vigente em 1981 e
ratificada pelo Brasil em 1984. Reuniu o maior número de
reservas. O Brasil também expressou reservas devido ao Código
Civil. Mas, com a Constituição de 1988, foram elas tidas
por inconstitucionais;
c)
“Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e
Punições Cruéis, Desumanos e Degradantes”, assinada
em 1984, vigente em 1987 e ratificada pelo Brasil em 1989.
Embora a Constituição de 1988 tenha qualificado a
tortura como crime inafiançável e insuscetível de graça
ou anistia, o crime ainda não foi tipificado;
d)
“Convenção sobre os Direitos da Criança”, adotada
em 1989, vigente em 1990 e ratificada pelo Brasil em 1990.
Ressalte-se que o “Estatuto da Criança e do
Adolescente” do Brasil reflete e expande suas disposições,
tendo sido qualificado de modelar pela Unicef.
Quanto
ao quadro normativo interamericano, o Brasil ratificou, em
1989, a “Convenção Interamericana para Prevenir e
Punir Tortura” e, em 1992, a “Convenção
Interamericana sobre Direitos Humanos” (Pacto de San José).
No
que tange à política brasileira de DH, o Brasil conheceu
três momentos de evolução de sua atuação na Comissão
de Direitos Humanos da ONU. O primeiro vai de 1977 (quando
o Chanceler Azeredo da Silveira abordou o tema, pela
primeira vez, de maneira abrangente e cautelosa) até
1984. Foi um período de posições conservadoras e
defensivas.
O
segundo vai de 1985 (quando Sarney anunciou nossa adesão
aos Pactos de Direitos Civis e Políticos e de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais) até 1990. Foi um período
de reconhecimento tímido da legitimidade das iniciativas
multilaterais de controle das violações de DH.
Registre-se que, em 1988, a Constituição Federal
estabeleceu, no art. 4º, que a prevalência dos DH é um
dos princípios que regem as relações internacionais do
Brasil.
O
terceiro vai de 1991 (com a efetiva redemocratização) até
hoje, em que os mecanismos internacionais não configuram
atentado ao princípio de não-intervenção. Há
reconhecimento pleno da legitimidade dos mecanismos
internacionais de proteção. A política brasileira de DH
mudou, de fato, com a consolidação das instituições
democráticas.
Atualmente,
a política brasileira de DH se caracteriza pelos
seguintes fatores: a) atuação pautada pela transparência
e disposição para o diálogo com órgãos
internacionais, autoridades estrangeiras e ONG’s; b)
adesão a todos os pactos e convenções relevantes na matéria;
c) valorização dos foros e mecanismos multilaterais; d)
valorização da cooperação internacional; e) exigência
de atuação internacional para as causas estruturais da
violência social.
O
Brasil admite a existência de problemas e manifesta o
desejo de resolvê-los. Mas, ao expor à comunidade
internacional a própria situação interna, procura
ressaltar a dimensão socioeconômica da questão. Não
esconde seus problemas (haja vista a cobrança de ONG’s
quanto aos episódios de Candelária, Vigário Geral,
Carandiru, índios ianomâmi etc), mas procura mostrar a
vinculação com o desenvolvimento. Em outras palavras,
procura mostrar a relação entre pobreza, criminalidade,
violência e violação dos DH, o que significa que há
causas estruturais a serem consideradas e que as violações
de DH não ocorrem com a conivência do Estado.
O
Brasil de hoje não se caracteriza mais pela
arbitrariedade de um regime autoritário mas pelas
dificuldades de um país democrático em assegurar a proteção
dos DH.
Deve
ser enfatizado que a política do Brasil de avaliar e
expor a própria situação não é para solicitar a
indulgência internacional, mas para chamar atenção para
a difícil situação socioeconômica de um país em busca
de efetivo respeito dos DH e de reconhecimento de seus
esforços.
5
CONCLUSÕES
Poder-se-ia
elencar três novas características do Direito
Internacional em construção51. A primeira,
decorrente das lacunas entre as relações de Estados e de
outros atores, é a intersecção das esferas do Direito público
e do privado, tanto no âmbito nacional como no
internacional. Segundo exemplo da Professora Nádia Araújo52,
tudo o que for codificado no âmbito da Organização
Mundial do Comércio (OMC) terá conseqüências
importantes para contratos privados.
A
segunda característica é a crescente utilização de
instrumentos legais não-cogentes ou voluntários, sob a
forma de declarações de intenções ou de atos
unilaterais. Como se a comunidade internacional pudesse de
facto julgar a ação política dos Estados que se
comportam mal. Na Cúpula da Francofonia de 1999 no Canadá,
por exemplo, esse país propôs sanções aos chefes de
governo que violassem os direitos humanos, mas essa
"comunidade internacional" restrita se contentou
em adotar a proposta do Presidente francês Jacques Chirac
de criar um "Observatório dos Direitos
Humanos", sem nenhum efeito cogente.
Cabe
ressaltar que a sociedade internacional ainda é
descentralizada – e assim será muito provavelmente por
longo tempo. Ademais, não há, no sistema internacional,
nem autoridade superior, supranacional, nem mesmo milícia
permanente, que possa tornar obrigatório, sob via de força,
o cumprimento das normas. Decorre, portanto, que os
Estados sofrem pressões difusas e confusas, mas ainda são
os principais responsáveis pela construção do Direito
Internacional e dos direitos humanos, em particular.
Sucede,
contudo, que o Direito Internacional nunca foi tão
solicitado no mundo e tão ampliado a questões diversas53.
Nesse sentindo, os primeiros passos do Tribunal
Internacional Penal confirmam a retomada do ideal de justiça
internacional. No entanto, para Cançado Trindade (1999),
o monitoramento mundial do respeito aos direitos humanos e
a inclusão dessa dimensão nos programas das Nações
Unidas são etapas importantes para a realização desse
ideal.
A
terceira é a integração do Direito nacional e do
Direito Internacional na medida em que os textos
internacionais exigem uma harmonização de outras legislações
domésticas. Considerando que os instrumentos
internacionais ratificados pelos governos de cada
Estado-parte prevalecem sobre as legislações nacionais
(ou, ao menos, a elas se equivalem, em igualdade hierárquica),
essa evolução parece óbvia. Contudo, a questão do status
normativo das fontes internacionais frente às nacionais não
será desenvolvida.
Constata-se,
em suma, que o processo cunhado de “globalização”
tem surtido efeitos impresionantes na esfera jurídica,
haja vista a necessidade de regulação internacional mais
consentânea com as demandas atuais da comunidade
internacional. O Ministro das Relações Exteriores francês
Hubert Védrine concorda com essa afirmação. Apesar da
natural diversidade de interesses dos Estados, a idéia de
“constitucionalização” das suas regras de conduta
dessa comunidade no que se refere à proteção dos
direitos humanos é cada vez mais premente, o que implica
reforçar a relatividade do conceito de soberania.
NOTAS
7
Para uma versão onusiana do tema, ver a entrevista de K.
Annan, The
Economist, 18/09/1999.
8
Debate realizado entre o Ministro francês das Relações
Exteriores, Hubert Védrine, e 80 estudantes no Quai d'Orsay,
Paris, junho de 2000. Foi um exemplo chocante de como a
juventude francesa exigiu de seu ministro políticas
severas contra todos que violam os direitos humanos
(denunciados pela imprensa), principalmente Beijing e
Moscou. VEDRINE, 2000.
9
Cada caso é merecedor de atenção especial. Na Chechênia,
por exemplo, a guerra ainda não acabou, e a comunidade
internacional fez pressão diplomática, sem influenciar a
política de "extermínio de terroristas" de
Vladimir Poutine.
29
CHARPENTIER In:
PRIEUR e LAMBRECHTS, 1998 , p. 17-21.
43
Ressalte-se que ao Brasil coube, por indicação, presidir
o Comitê de Redação.
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Ancelmo
César Lins de Góis é
Professor de Ciência Política na Faculdade de Direito do
UniCEUB e Diplomata de carreira e Ana Flávia
Barros-Platiau é Consultora Internacional e bolsista
da CAPES.
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