
"Empowerment: uma prática de serviço
social"
Pinto,
Carla, in Política Social –1998, Lisboa, ISCSP, 1998, pp.
247-264.
O conceito de
empowerment tornou-se nos últimos tempos uma das mais
requisitadas "buzz words" relativamente à intervenção social.
O número de artigos e trabalhos acadêmicos onde se lhe faz
referência tem aumentado em várias publicações de âmbito
internacional ligadas ao serviço social e à política social. Neste
artigo definimos empowerment como um processo de
reconhecimento, criação e utilização de recursos e de instrumentos
pelos indivíduos, grupos e comunidades, em si mesmos e no meio
envolvente, que se traduz num acréscimo de poder - psicológico,
sócio-cultural, político e económico - que permite a estes sujeitos
aumentar a eficácia do exercício da sua cidadania. O caminho
histórico que alimentou este conceito tem sido um caminho que visa a
libertação dos indivíduos relativamente a estruturas, conjunturas e
práticas culturais e sociais que se revelam injustas, opressivas e
descriminadoras, através de um processo de reflexão sobre a
realidade da vida humana. Devido a uma certa imaturidade teórica e
metodológica, não existe ainda nenhum conjunto de princípios
estabelecidos e institucionalizados como sendo os princípios de uma
correcta prática deste estilo de intervenção. Contudo, procurámos
avançar neste artigo algumas orientações essenciais para este tipo
de intervenção.
A abordagem
de empowerment remonta a finais da década de 1970, nos EUA, e
desde o final dos anos 80 tem vindo a implantar-se como o paradigma
dominante do serviço social. Contudo, em Portugal muito pouco se tem
reflectido sobre esta orientação teórica e metodológica. Numa breve
pesquisa bibliográfica nas revistas "Intervenção Social" 1,
"Sociologia: problemas e práticas e "Estudos Políticos e Sociais" em
números dos últimos sete anos, não foi encontrado nenhum artigo
centrado nesta abordagem. O processo de empowerment é ainda
uma opção marginal ou periférica ao discurso institucionalizado da
prática do serviço social. Neste contexto, é nosso objectivo
divulgar o processo de empowerment e motivar o interesse dos
leitores para um aprofundamento deste conceito, bem como incentivar
uma reflexão contínua da prática de serviço social.
[...]
7. A expansão
da concepção de cidadania
Por último,
Simon refere os movimentos de expansão das noções e prática de
cidadania. A cidadania é uma construção social dinâmica que se
reporta a conjunto de direitos e de deveres que um membro de uma
comunidade o sociedade possui enquanto tal. Segundo a teoria de T.H.
Marshal, o status de cidadania comporta três elementos ou dimensões:
civil, política e social (Barbalet 1989, Simon 1994). Estes três
elementos são definidos em termos de direitos e das instituições
sociais que dão o sentido e o contexto onde se exercem esses
direitos.
1. O elemento
civil da cidadania reporta-se ao conjunto de direitos, o direitos
civis, necessários ao exercício das liberdades individuais e as
instituições a eles ligadas são a Lei e o sistema
judicial.
2. O elemento
político é constituído pelos direitos que asseguram a participação
no exercício do poder político, desde o voto à eleição para cargos
públicos, e é contextualizado nas instituições
parlamentares.
3. Por fim, o
elemento social da cidadania é constituído pelos direitos que
defendem a participação no nível de vida predominante numa dada
sociedade e na construção e usufruto do seu património social. Este
elemento encontra-se ligado às instituições relativas ao sistema
educativo e ao Bem Estar Social.
Estes três
elementos da cidadania apresentam desenvolvimentos históricos
independentes e inter-relações nem sempre harmoniosas. No contexto
do Estado-Nação inglês, os elementos da cidadania apresentados por
Marshal surgiram em tempos diferentes, desenvolvendo-se primeiro a
cidadania civil, no século XVIII das Luzes e da Razão, das
revoluções da "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", aparecendo
depois a necessidade de se desenvolver a cidadania política durante
o século XIX e finalmente expandir-se a cidadania social durante o
século XX, o século dos Estados-Providência. Foi um processo de
desenvolvimento durante o qual se foi observando que os direitos que
iam sendo conseguidos não eram suficientes para debelar ou corrigir
as injustiças e problemas sociais. Esta situação revelava que o
poder para o exercício e defesa desses direitos era claramente
insuficiente para a maioria da população da sociedade, sem os meios
materiais e o saber necessários para fazer valer os seus direitos.
(Barbalet 1989, Simon 1994).
Relativamente
aos desenvolvimentos do conceito de cidadania, consideramos poder
afirmar que seguiram fundamentalmente duas tradições: ou foram fruto
de longas lutas sociais pela obtenção e defesa de direitos, ou foram
dádivas vindas do alto da hierarquia de poder, sem que fossem
observadas grandes movimentações sociais nesse sentido. No primeiro
caso estamos perante concepções activas da cidadania enquanto que no
segundo caso estamos face a uma visão passiva da cidadania, o que, a
nosso ver, constitui uma cidadania incompleta, sem um real
envolvimento no exercício dos direitos contemplados pelo status de
cidadão.
Para Marshal,
a expansão dos direitos de cidadania tem lugar através do conflito
no seio da sociedade civil. Esta perspectiva de conflito foi
adoptada por largos segmentos de profissionais que seguem uma
abordagem de empowerment. Efectivamente, a mudança trazida
pelo processo de empowerment pode ser entendida de três
formas essenciais (Simon 1994):
a)
necessariamente como conflito entre os que controlam a divisão do
poder e dos recursos e aqueles que são marginalizados e destituídos
nesse processo. Esta é uma visão essencialmente social do processo
de empowerment. O papel do profissional consiste em preparar
clientes em situação de disempowerment para lutarem por uma
divisão mais justa dos recursos e defenderem um papel mais válido e
activo na sociedade.
b) a mudança
é também vista como adaptação, pelos profissionais que seguem o
paradigma ecossistémico do relacionamento indivíduos-meio
envolvente, baseado nas trocas recíprocas e contínuas. Nesta
perspectiva, o papel do trabalhador social consiste em ajudar o
cliente a modificar os seus padrões de relacionamento com o meio
envolvente de forma a maximizar o crescimento e desenvolvimento de
ambas as partes. Neste processo já é dada importância à dimensão
psicológica do processo de empowerment.
c) outra
forma de entender a mudança é considerá-la como um processo
catalítico. Neste caso, é dada maior importância às capacidades
interiores dos clientes, indivíduos ou grupos, que são fermentadas e
desenvolvidas pelo processo de empowerment. O profissional
deve, em primeiro lugar, diagnosticar essas capacidades
conjuntamente com o cliente, saber mobilizá-las e
desenvolvê-las.
O
desenvolvimento histórico da cidadania não é entendido, pelos
profissionais de empowerment, como um processo linear e
evolucionista, segundo o qual se dá uma acumulação de direitos que
passam a ser aceites como garantidos. Pelo contrário, os direitos
alcançados devem ser defendidos e exercidos
continuamente.
Deste modo,
esta abordagem não se preocupa somente com a obtenção de poder, de
direitos ou defesas, mas fundamentalmente no exercício do
poder.
2.2.
Influências recentes (a partir de 1945)
Quando demos
um título a este ponto, considerámos que o caminho histórico que
alimentou o conceito de empowerment tem sido um caminho que
visa a libertação dos indivíduos relativamente a estruturas,
conjunturas e prática culturais e sociais que se revelam injustas,
opressivas e descriminadoras, através de um processo de reflexão
sobre a realidade da vida humana. É nesta perspectiva que entendemos
os contributos mais recentes que passamos a referir.
1. Movimentos
de cidadania
1.1. Os
movimentos pelos direitos cívicos e Poder Negro nos
E.U.A.
Como já
referimos, os direitos cívicos são direitos relativos à concepção
que uma dada sociedade tem do que é inerente à pessoa humana, à sua
dignidade, à sua liberdade e busca da felicidade. Os modernos
movimentos sociais pelos direitos civis, que se expandiram um pouco
por todo o mundo na segunda metade do século XX e com especial
notoriedade nos E.U.A., promoveram o desenvolvimento da cidadania e
constituíram eles próprios fontes alternativas de poder, na ausência
dos direitos de cidadania que defendiam (Barbalet 1989).
Efectivamente, os movimentos sociais pelos direitos civis, como
intervenções organizadas e planeadas, apelavam à mobilizarão e união
dos indivíduos e da sociedade civil em actuações com força bastante
para terem algum efeito nas estruturas e definições de poder
existentes.
Nos E.U.A. os
movimentos pelos direitos civis estiveram intimamente ligados à luta
pelos direitos civis da minoria negra (e, por arrastamento, de
outras minorias étnicas) e teve notoriedade mundial. Seguindo
estratégias violentas e segregacionistas (a exemplo dos Black
panthers e da Nação do Islão, onde sobressaíram as figuras de
Malcom X e de Elijab Muhammad) ou estratégias não violentas e
integracionistas (de que foi figura carismática o reverendo Martin
Luther King e o pioneiro A. Philip Randolph e a sua marcha sobre
Washinton de 1941 por melhores condições contratuais para os
trabalhadores negros), o movimento pelos direitos civis
norte-americano influenciou fortemente o serviço social e a
abordagem de empowerment. Os trabalhadores sociais
aproveitaram para a sua prática os ensinamentos, as discussões e as
formas de intervenção de todo o movimento, e muitos profissionais
envolveram-se directamente em acções integradas na luta pelos
direitos civis.
O movimento
pela emancipação e pelo poder social, económico, cultural e político
da população negra, onde se afirmava a crença nas capacidades desta
população para ela própria se libertar de condições opressoras e
liderar o processo da sua libertação, e na sua capacidade em se
re-definir e em re-encontrar a sua identidade foram integradas na
prática e na teoria do empowerment. E tão bem o foram que
seria no empowerment de comunidades negras nos E.U.A. que
surgiria a obra pioneira de Barbara Solomon atrás
referida.
1.2.
Feminismo
As várias
correntes de pensamento feminista, principalmente a partir da década
de 60, deram um grande contributo em termos teóricos e metodológicos
para a prática do serviço social segundo esta abordagem. Correntes
mais radicais analisaram a raíz da opressão e subalternização da
Mulher nas várias instituições sociais e nos vários contextos da
vida social, económica e cultural (na família, no trabalho, nos
sistemas educativos e de saúde, na religião, nos relacionamentos
interpessoais, na auto-imagem). Com base nas conclusões a que foram
chegando, as feministas mais radicais foram desenvolvendo e
aplicando metodologias de intervenção no trabalho com mulheres e
raparigas, que passavam pelo "acordar" da consciência feminina
perante a sua subalternidade e alienação, e pela construção de redes
de auto-ajuda e iniciativas de base comunitária com as quais se
procurava proporcionar às mulheres melhor educação e cuidados de
saúde, qualificação profissional e oportunidades de trabalho,
independência económica e protecção contra a violência doméstica e
sexual.
Outras
correntes feministas mais liberais procuraram essencialmente levar a
cabo reformas de aspectos discriminatórios dos sistemas legais,
educativos e de saúde, no mercado de trabalho e nas várias políticas
sociais, através de actividades de lobbing e advocacy (ver
ponto 3). Os profissionais de empowerment vieram buscar aos
movimentos feministas o know-how de mobilizarão da auto-estima e das
capacidades dos clientes (particularmente das mulheres), e técnicas
de mobilizarão e direccionamento da revolta individual de cada
cliente na mudança de situações de opressão, através da tomada de
consciência da situação individual como parte de um problema que
envolve outros indivíduos.
1.3.
Movimentos de emancipação homossexual
Os movimentos
de emancipação homossexual vieram contribuir para o empowerment
com outro tipo de experiência de luta pela obtenção e defesa de
direitos de cidadania e pela aceitação de populações marginalizadas
e mesmo criminalizadas pela sociedade em geral.
Os
profissionais de serviço social foram sendo sensibilizados para as
consequências psicológicas e sociais da repressão de facetas da
personalidade e da culpabilização auto-infligida. É igualmente
importante referir a experiência legada pelos movimentos de
emancipação homossexual em actividades de advocacy e de
lobbing, grupos de auto-ajuda e em campanhas de
sensibilização e educação comunitárias.
1.4.
Movimento pelos direitos da pessoa deficiente
Os movimentos
sociais pelos direitos da pessoa portadora de deficiência trouxeram,
à semelhança dos movimentos sociais acima referidos, influências a
nível conceptual e metodológico na abordagem de empowerment.
Estes movimentos lutaram pelo reconhecimento da pessoa
deficiente como cidadã com direitos e deveres e contra a imagem do
deficiente como aquele indivíduo do qual se tem pena e que tem de
viver da caridade dos outros, incapaz de dar um contributo válido
para a sociedade. Foi necessário movimentar a sociedade civil, o
sistema político e económico no sentido do reconhecimento das
capacidades e potencialidades da pessoa portadora de deficiência e
no reconhecimento do direito da pessoa deficiente participar e
contribuir como membro de pleno direito da sociedade. Igualmente
importante foi o trabalho, muitas vezes levado a cabo por
trabalhadores sociais, junto das famílias com elementos portadores
de deficiência, a sensibilizarão dos poderes institucionais para as
necessidades especiais destas famílias e no desenvolvimento de
mecanismos de apoio internos e externos às famílias.
2. Movimentos
de independência anti-colonial
2.1.
Gandhi
O serviço
social, e a abordagem de empowerment em particular, foram
atraídos pela figura de Gandhi, especialmente no que respeita às
estratégias de intervenção e à sua análise das situações e
mecanismos de opressão. Referiremos sumariamente duas contribuições
de peso para o empowerment: os conceitos de Satyagraha e de
Hind Swaraj.
a) O
Satyagraha é muito mais do que uma técnica de acção. É uma
filosofia e uma forma de vida que assenta em três
elementos:
a) a)
a vida
humana deve ser uma busca permanente da Verdade. Contudo, o Homen é
incapaz de apreender a Verdade Absoluta e só pode aceder a partes da
Verdade. Ora, a Verdade está espalhada por todos, o que nos leva ao
segundo elemento, b) a não-Violência. Não posso destruir o outro ao
partir do princípio de que também ele tem parte da Verdade. Devo
antes estar disponível para dialogar e descobrir no outro a sua
parcela da Verdade. Mas, para manter esta procura não-violenta devo
ser capaz de sofrer por ela, isto é, c) devo ser coerente e
perseverante nas minhas opções, estando preparado para não abdicar
nem da procura da Verdade nem da forma não violenta de o fazer,
mesmo que tal implique a própria morte, caso contrário os meios e o
fim serão incompatíveis. O Satyagraha pressupõe a liberdade inerente
a todo o ser humano e promove-a, pois como afirmou Gandhi (citado em
Garaudy 1977:183) "só a liberdade individual pode tornar um homem
capaz de se dar inteiramente ao serviço da sociedade". Caso
contrário, será um ser forçado, oprimido e manipulado, afectado e
diminuído na sua humanidade. a vida
humana deve ser uma busca permanente da Verdade. Contudo, o Homen é
incapaz de apreender a Verdade Absoluta e só pode aceder a partes da
Verdade. Ora, a Verdade está espalhada por todos, o que nos leva ao
segundo elemento, b) a não-Violência. Não posso destruir o outro ao
partir do princípio de que também ele tem parte da Verdade. Devo
antes estar disponível para dialogar e descobrir no outro a sua
parcela da Verdade. Mas, para manter esta procura não-violenta devo
ser capaz de sofrer por ela, isto é, c) devo ser coerente e
perseverante nas minhas opções, estando preparado para não abdicar
nem da procura da Verdade nem da forma não violenta de o fazer,
mesmo que tal implique a própria morte, caso contrário os meios e o
fim serão incompatíveis. O Satyagraha pressupõe a liberdade inerente
a todo o ser humano e promove-a, pois como afirmou Gandhi (citado em
Garaudy 1977:183) "só a liberdade individual pode tornar um homem
capaz de se dar inteiramente ao serviço da sociedade". Caso
contrário, será um ser forçado, oprimido e manipulado, afectado e
diminuído na sua humanidade.
A filosofia
do Satyagraha não foge dos conflitos, mas não os encara numa
perspectiva de derrota e destruição de um adversário e sim do
ultrapassar de situações precisas. Quando se chega a destruir o
Outro, isso implica que já nos derrotámos, incapazes de transformar
a situação conflitual. O Satyagraha é sempre uma prática de
diálogo radical .
b) Outro
contributo de Gandhi foi o conceito de Hind Swaraj ou
auto-determinação do povo indiano. Segundo um estudioso da obra
gandhiana, Jesudasan (Simon 1994:139), o Hind Swaraj
baseava-se nos seguintes aspectos: 1. o exercício da
auto-determinação pessoal e política, 2. a resistência não violenta
e sistemática contra o domínio colonial britânico, 3. a promoção da
cultura, produtos e liderança locais e a rejeição da dependência em
relação ao exterior, 4. o imperativo ético do Dever como referência
quotidiana em todos os assuntos, 5. formas de governarão central e
local baseadas na experimentação, em processos de tentativa e erro e
6. uma cidadania activa.
Para Gandhi,
o Swaraj não era simplesmente a obtenção de maior poder para alguns
indivíduos ou grupos, mas sim a conquista de uma situação na qual
todos os elementos de uma comunidade ou sociedade obtivessem e
exercessem uma maior vigilância e um maior controlo sobre o
exercício dos poderes político, económico e social.
2.2.
Movimentos anti-colonialistas africanos
As
experiências de libertação de vários movimentos independentistas
africanos, quando ainda na clandestinidade ou já como govemantes, e
o pensamento de líderes anti-colonialistas como Fanon, Nyerere,
Amílcar Cabral, Memmi entre muitos outros, inspiraram os movimentos
pelos direitos civis, nomeadamente nos E.U.A., os movimentos pela
promoção da condição das mulheres, e toda uma prática de intervenção
social junto de populações condicionadas por anos de opressão e
menoridade como sujeitos da sua história (Simon 1994).
3. Nova
esquerda
A Nova
Esquerda, em grande parte amadurecido como resposta ao ressurgimento
dos ideais liberais e aos déficits democráticos e desencantos
sentidos pelas populações relativamente ao poder político
tradicional, tem como ideia principal o desenvolvimento da
democracia participativa como complemento indispensável da
democracia representativa. A democracia participativa implica o
envolvimento directo e activo na tomada de decisões que dizem
respeito à comunidade, e mesmo na sua execução, por parte de todos
os elementos da comunidade. Este processo traz dificuldades a nível
prático, pois complexifica e atrasa o processo da tomada de
decisões, e exige uma educação para a participação democrática, sem
a qual corremos o risco de tornar a democracia participativa num
processo popularista, demagógico e manipulativo (Carmo 1997).
Contudo traz vantagens no maior envolvimento e responsabilizarão na
sua execução e aumenta o sentido de união e pertença na sociedade. A
fim de minimizar os seus inconvenientes práticos, a democracia
participativa é mais eficiente quando exercida em comunidades ou
grupos, de dimensão reduzida, de cidadãos, daí a ênfase posta pela
Nova Esquerda nas iniciativas de base comunitária e no poder
local.
4. A
técnica de "consciouness-raising "
A técnica de
"consciouness-raising" (formação de consciência), utilizada
pelo movimento maoista no exército vermelho e mais tarde na
Revolução Cultural, revelou-se uma das técnicas mais importantes
para a abordagem de empowerment. Foi igualmente utilizada'
pelos movimentos feministas e de emancipação homossexual, pelos
movimentos dos direitos civis e de promoção da pessoa deficiente,
bem como por diversos movimentos progressistas de inspiração cristã
(de que é exemplo a Acção Católica). Através da técnica de
"consciousnes-raising" pretende-se levar cada indivíduo a sentir a
sua situação pessoal como fazendo parte de um problema comum a
outros indivíduos e fruto de condicionantes externas que podem e
devem ser alteradas para que se possa efectivamente resolver o
problema.
5. Movimentos
de auto-ajuda
Embora as
relações entre o movimento de auto-ajuda (com a sua desconfiança nos
profissionais, nas burocracias e nas grandes instituições) e os
profissionais do serviço social (ciosos de preservarem a sua
influência e poder) não sejam por vezes nada pacíficas, o certo é
que os movimentos de auto-ajuda foram de grande importância para a
abordagem de empowerment. Os princípios que os movimentos de
auto-ajuda implantaram, de confiança nas capacidades internas dos
indivíduos, na participação e organização voluntária dos grupos de
auto-ajuda, na importância do controlo que todos os indivíduos devem
ter sobre a sua vida e sobre a importância das redes de apoio, foram
trabalhados e incorporados no processo de empowerment.
????l???U?/I>Igualmente importante foi a saudável discussão sobre o poder do
profissional nos relacionamentos de ajuda e sobre as formas de
opressão e sabotagem do crescimento do cliente que a prática
profissional pode revestir./FONT>
6. Sociologia
de intervenção
A sociologia
de intervenção é uma perspectiva de encarar e fazer sociologia,
segundo a qual não basta conhecer a realidade social, é importante
modificá-la. Procura-se conhecer para intervir (Hess 1983). Dos
vários nomes da sociologia de intervenção seleccionámos dois que
consideramos dos mais influentes para a metodologia e teoria do
processo de empowerment.
6. 1. Saul
Alinsky
Alinsky é um
exemplo bem conseguido de um sociólogo de intervenção: tinha como
meta aplicar o conhecimento sociológico na mudança social. Era um
sociólogo radical, no sentido em que buscava as raízes, as fundações
dos problemas, para aí intervir. Embora não sendo um profissional de
serviço social, Alinsky não deixou de se envolver activamente em
actividades e projectos que poderíamos descrever como de serviço
social: trabalhou com delinquentes, presidiários e populações de
bairros pobres e fê-lo em termos de organização comunitária e
promoção das condições de vida destas populações. Inclusivé, chegou
a fundar uma escola de formação de trabalhadores sociais radicais,
em 1968 (Hess 1983:129). Para Alinky, o interventor social era
fundamentalmente um organizador e um mobilizador das energias dos
clientes para que estes pudessem, constituídos como comunidade de
interesses, lutar pela obtenção de um maior poder, definido por
Alinsky como "a capacidade mental, física e moral de agir" (Alinsky
citado em Hess 1983:13 1).
6.2. Paulo
Freire
Paulo Freire
foi também um interventor social radical, propondo mudanças que
actuassem na origem das situações-problema. Para que tal seja
possível, é fundamental interromper a reprodução social das
estruturas opressoras, que perpetuam situações de dominação e
cerceiam a tarefa ontológica da humanidade de "ser mais". Esta
intervenção libertadora só seria possível através da educação
dialógica entendida como "prática da liberdade" (Freire 1975, 1977),
pela qual os indivíduos dominados se "conscientizam" das
contradições da realidade em que vivem. Esta "conscientização" é um
passo para a acção, sobre esta mesma realidade, iniciando-se um
processo de reflexão-acção contínua, no qual não de deve cair nem no
verbalismo sem acção, nem numa actividade frenética sem que se pare
para se reflectir sobre ela (Freire 1975, Garaudy 1977, Payne 1991).
Este processo não é simples nem sem dificuldades, muito pelo
contrário. O interventor social deve apoiar este processo, sem o
dirigir, mas ajudando o cliente a enfrentar o "medo da
liberdade"(Freire 1975:46) que a consciência da necessidade da
mudança pode criar, e a aceitar e desempenhar o seu papel de sujeito
no processo histórico. Para que o profissional possa desempenhar
convenientemente o seu papel é necessária uma perspectiva
multidimensional e multidisciplinar da intervenção social. O
trabalhador social deve aceitar o seu papel de mobilizador e
organizador de massas, educador e interveniente implicado no
processo de mudança. A intervenção social não é neutra: ao acreditar
que é neutra, o interventor social está a apoiar a facção detentora
do poder dominador. Sendo assim, o profissional não pode ter uma
atitude de descrença na possibilidade de transformação da realidade
social (Freire 1977).
7. Teologia
da Libertação
A Teologia da
Libertação nasceu no seio das igrejas cristãs, nos finais da década
de 1960, como reacção perante a evidência do sofrimento humano e a
aparente falta de protagonismo das autoridades religiosas em
denunciar e combater as injustiças e violências sobre os mais
desfavorecidos. Alimentada pelo trabalho que muitos religiosos
desenvolviam junto de populações mais desfavorecidas,
particularmente na América Latin-i, pela Encíclica do Papa João
XXIII, Pacem in Terris, Populorum Progressio, do Papa Paulo
VI e outros documentos conciliares, a Teologia da Libertação traduz
uma preocupação pela aplicação dos mandamentos evangélicos de
promoção de justiça e de protecção dos mais pobres e mais
fracos.
A libertação
sempre foi um conceito fundamental das teologias judaico-cristãs.
Quer o Antigo como o Novo Testamento frisam as exigências de justiça
e de solidariedade, criticando os ricos e os poderosos. As
injustiças em relação aos homens são injustiças em relação a Deus. O
discurso pela justiça dos profetas do Antigo Testamento é mesmo
radicalizado por Jesus, como o demonstra as "Bem Aventuranças".
Sendo assim, a igreja de Cristo não pode ser conivente nem
complacente com estruturas injustas e opressoras mas deve liderar a
luta contra as injustiças.
Os teólogos
da libertação, como o padre Gutierrez, Leonardo Boff ou Buber,
pretenderam fazer da fé uma base para a acção, contrariando assim a
acusação de Marx de que a religião era o ópio do povo. Para
Gutierrez, a Igreja devia "denunciar tudo o que desumaniza o homem,
quer dizer, tudo o que impede o homem de ser criador à imagem de
Deus"(citado em Garaudy 1977:204).
|