
Princípios
Básicos Relativos à
Função dos Advogados
O Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o
Tratamento dos Delinquentes,
Lembrando o Plano de Acção de Milão
139, adoptado pelo Sétimo Congresso das Nações Unidas para a
Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes e aprovado pela
Resolução 40/32, de 29 de Novembro de 1985, da Assembleia Geral,
Lembrando igualmente a Resolução 18 do
Sétimo Congresso 140, na qual o Congresso recomendou aos Estados
membros que assegurassem a protecção dos Advogados contra toda a
restrição ou pressão indevida no exercício da sua profissão,
Tomando nota com satisfação do trabalho
desenvolvido, em conformidade com a Resolução 18 do Congresso, pelo
Comité para a Prevenção do Crime e a Luta contra a Delinquência,
pela Reunião Preparatória Inter-regional para o Oitavo Congresso das
Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos
Delinquentes, sobre as normas e princípios orientadores das Nações
Unidas em matéria de prevenção do crime e justiça penal, sua
aplicação e prioridades para o estabelecimento de novas normas141, e
pelas reuniões regionais preparatórias para o Oitavo Congresso,
1. Adopta os Princípios Básicos Relativos à Função dos Advogados
que figuram em anexo à presente resolução;
2. Recomenda que se apliquem os
Princípios Básicos a nível nacional, regional e inter-regional, tendo
em conta as tradições e a situação política, económica, social e
cultural de cada país;
3. Convida os Estados membros a tomarem
em consideração e respeitarem os Princípios Básicos no âmbito da
sua legislação e prática nacionais;
4. Convida também os Estados membros a
levarem os Princípios Básicos à atenção dos advogados, juízes,
membros do poder executivo e do poder legislativo e do público em
geral;
5. Convida ainda os Estados membros a
informarem o Secretário-Geral cada cinco anos, a partir de 1992, sobre
os progressos alcançados na aplicação dos Princípios Básicos,
incluindo a sua difusão, a sua incorporação na legislação,
prática, procedimentos e políticas nacionais, os problemas surgidos na
sua aplicação a nível nacional e a assistência que pode ser
solicitada à comunidade internacional, e pede ao Secretário-Geral que
informe o Nono Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes a este respeito;
6. Apela a todos os Governos que fomentem
a organização de seminários e de cursos de formação a nível
nacional e regional sobre o papel dos advogados e sobre o respeito da
igualdade de acesso à profissão de advogado;
7. Insta as comissões regionais, os
institutos regionais e inter-regionais para a prevenção do crime e a
justiça penal, os organismos especializados e outras entidades
interessadas do sistema das Nações Unidas, outras organizações
intergovernamentais interessadas e organizações não governamentais
dotadas de estatuto consultivo junto do Conselho Económico e Social a
que participem activamente na aplicação dos Princípios Básicos e
informem o Secretário-Geral relativamente aos esforços desenvolvidos
para difundir e aplicar esses Princípios e ao alcance da sua
aplicação, e pede ao Secretário-Geral que inclua esta informação no
relatório a submeter no Nono Congresso;
8. Exorta o Comité para a Prevenção do
Crime e a Luta contra a Delinquência a estudar, com carácter
prioritário, os meios de assegurar a plena execução da presente
resolução;
9. Pede ao Secretário-Geral que:
a) Adopte medidas, para levar a presente
resolução à atenção dos Estados e de todos os organismos
interessados do sistema das Nações Unidas e para assegurar a mais
ampla difusão possível dos Princípios Básicos;
b) Inclua os Princípios Básicos no próximo número da publicação
das Nações Unidas intitulada Direitos do Homem: Uma Compilação de
Instrumentos Internacionais;
c) Proporcione aos Governos, que o solicitem, os serviços de peritos e
consultores regionais e inter-regionais tendo em vista a prestação de
assistência na aplicação dos Princípios Básicos, e informe o Nono
Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento
dos Delinquentes relativamente à assistência técnica e formação
efectivamente proporcionadas;
d) Informe o Comité para a Prevenção do Crime e a Luta contra a
Delinquência, na sua décima segunda sessão, sobre as medidas
adoptadas para aplicar os Princípios Básicos.
ANEXO
Princípios Básicos Relativos à Função dos Advogados
Considerando que na Carta das Nações Unidas os povos do mundo afirmam,
nomeadamente, a sua determinação em criar as condições necessárias
para que a justiça possa ser mantida, e proclamam, como um dos seus
propósitos, a realização da cooperação internacional e a promoção
e o encorajamento do respeito pelos direitos do Homem e liberdades
fundamentais, sem qualquer discriminação por motivos de raça, sexo,
idioma ou religião,
Considerando que a Declaração Universal
dos Direitos do Homem142 consagra os princípios da igualdade perante a
lei, da presunção da inocência, o direito que assiste a todas as
pessoas a um julgamento justo e público por um tribunal independente e
imparcial, e o direito que assiste a todas as pessoas acusadas de um
crime a todas as garantias necessárias para a sua defesa,
Considerando que o Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos143 proclama, ainda, o direito a ser
julgado sem demora excessiva por um tribunal legalmente estabelecido,
competente, independente e imparcial,
Considerando que o Pacto Internacional
sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais 143 recorda que a
Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de promover o
respeito universal e efectivo dos direitos e liberdades do Homem,
Considerando que os Princípios para a
Protecção de todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção
ou Prisão 144 estipula que toda a pessoa detida terá direito à
assistência de um advogado, a comunicar-se com ele e a consultá-lo,
Considerando que as Regras Mínimas para
o Tratamento de Reclusos 145 recomendam, em particular, que seja
garantida aos detidos em prisão preventiva assistência jurídica e
comunicações confidenciais com o seu advogado,
Considerando que as Garantias para a
protecção dos direitos das pessoas passíveis de pena de morte 145
reafirmam o direito de todo o suspeito ou acusado de um crime passível
de ser punido com pena de morte a assistência jurídica adequada em
todas as fases do processo, em conformidade com o artigo 14.º do Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos,
Considerando que na Declaração dos
Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade
e às Vítimas de Abuso de Poder146 são recomendadas medidas, a serem
adoptadas a nível internacional e nacional, para melhorar o acesso das
vítimas de crimes à justiça e para lhes assegurar tratamento justo,
à restituição, à compensação e à assistência,
Considerando que a protecção adequada
das liberdades fundamentais e dos direitos do homem, quer sejam
económicos, sociais e culturais ou civis e políticos, que todas as
pessoas podem invocar, exige que todas as pessoas tenham acesso efectivo
a serviços jurídicos prestados por uma advocacia independente,
Considerando que as associações
profissionais de advogados têm um papel essencial a desempenhar no que
se refere ao respeito pelas normas de deontologia profissional,
protecção dos seus membros contra perseguições e restrições ou
interferências indevidas, facultação de acesso a serviços jurídicos
a todos os que deles careçam, e cooperação com instituições
governamentais e outras com vista a impulsionar os fins da justiça e o
interesse público,
Os Princípios Básicos relativos à
Função dos Advogados, enunciados em seguida, formulados para ajudar os
Estados membros na sua tarefa de garantir que os advogados exerçam a
sua função de forma adequada, devem ser respeitados e tomados em
consideração pelos Governos no âmbito da sua legislação e prática
nacionais, e devem ser levados à atenção dos advogados assim como de
outras pessoas como os juízes, magistrados do Ministério Público,
membros do poder executivo e do poder legislativo e do público em
geral. Estes princípios devem também aplicar-se, quando seja caso
disso, a pessoas que exerçam as funções de advogado sem ter a
categoria profissional de advogado.
Acesso aos serviços de um advogado e a outros serviços jurídicos
1. Todas as pessoas têm o direito de recorrer a um advogado da sua
escolha, para proteger e fazer valer os seus direitos e para as defender
em todas as fases do processo penal.
2. Os Governos devem assegurar o
estabelecimento de processos eficazes e mecanismos adequados para tornar
possível o acesso efectivo, em condições de igualdade, aos serviços
de um advogado por parte de todas as pessoas que se encontrem no seu
território e que estejam sujeitas à sua jurisdição, sem qualquer
tipo de distinção, como discriminação fundada na raça, cor, origem
étnica, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de outra
índole, origem nacional ou social, posição económica, nascimento,
situação económica ou outra condição.
3. Os Governos devem assegurar a
existência de fundos ou outros recursos suficientes para conceder
assistência jurídica às pessoas pobres e, quando necessário, a
outras pessoas desfavorecidas. As associações profissionais de
advogados devem colaborar na organização e prestação de serviços,
meios e materiais e outros recursos.
4. Os Governos e as associações
profissionais de advogados devem promover programas para informar o
público sobre os seus direitos e deveres estipulados na lei e sobre o
importante papel que os advogados desempenham na protecção das
liberdades fundamentais. Deve prestar-se especial atenção à
assistência das pessoas pobres e de outras pessoas menos favorecidas
para que elas possam fazer valer os seus direitos e, se necessário,
recorrer à assistência de advogados.
Salvaguardas especiais em matéria de justiça penal
5. Os Governos devem assegurar que todas as pessoas que se encontrem
presas ou detidas ou acusadas da prática de um crime sejam
imediatamente informadas pela autoridade competente do seu direito de
serem assistidas por um advogado da sua escolha.
6. Todas as pessoas nessa situação que
não disponham de um advogado têm direito, sempre que os interesses da
justiça o exijam, a que lhes seja nomeado um advogado oficioso, com a
experiência e a competência requeridas pela natureza do crime em
questão, e que lhes seja prestada assistência jurídica eficaz e
gratuita, se elas não dispuserem de meios suficientes para pagar os
seus serviços.
7. Os Governos devem ainda garantir que
todas as pessoas que se encontrem presas ou detidas, estejam ou não
acusadas da prática de um crime, devem ter acesso imediato a um
advogado ou pelo menos dentro do prazo máximo de 48 horas a contar da
sua prisão ou detenção.
8. Toda a pessoa detida ou presa deve
poder receber a visita de um advogado, comunicar com ele e consultá-lo
sem demora, em completa confidencialidade, sem qualquer censura ou
interferência, e dispor de tempo e dos meios necessários para este
efeito. Estas consultas podem ser efectuadas à vista de um funcionário
responsável pela aplicação da lei, mas não poderão ser por este
ouvidas.
Qualificações e formação
9. Os Governos, as associações profissionais de advogados e os
estabelecimentos de ensino devem assegurar que os advogados tenham a
devida formação e preparação, e tenham conhecimento dos ideais e da
deontologia da sua profissão, assim como dos direitos do homem e das
liberdades fundamentais reconhecidas pelo direito nacional e
internacional.
10. Os Governos, as associações
profissionais de advogados e os estabelecimentos de ensino devem
assegurar que o acesso à profissão de advogado ou o exercício desta
profissão, não seja impedido por qualquer tipo de discriminação por
motivos de raça, cor, sexo, origem étnica, religião, opiniões
políticas ou de outra índole, origem nacional ou social, posição
económica, nascimento, situação económica ou outra condição;
contudo, o requisito de que os advogados sejam nacionais do país em que
exerçam a sua profissão não será considerado discriminatório.
11. Nos países em que haja grupos,
comunidades ou regiões cujas necessidades de serviços jurídicos não
estejam satisfeitas, em especial quando tais grupos tenham culturas,
tradições ou idiomas próprios ou tenham sido vítimas de
discriminação no passado, os Governos, as associações profissionais
de advogados e os estabelecimentos de ensino devem tomar medidas
especiais para permitir a candidatos provenientes desses grupos o
ingresso na profissão de advogado e devem velar por que eles recebam
formação adequada às necessidades dos grupos de onde provêm.
Deveres e responsabilidades
12. Os advogados, como agentes essenciais da administração da
justiça, devem manter em todos os momentos a honra e a dignidade da sua
profissão.
13. Os advogados têm os seguintes
deveres para com os seus clientes:
a) Aconselhar os seus clientes
relativamente aos seus direitos e obrigações jurídicas e quanto ao
funcionamento do sistema jurídico, na medida em que tal seja relevante
para os direitos e obrigações dos seus clientes;
b) Prestar assistência aos seus clientes por todos os meios adequados e
tomar medidas jurídicas para proteger os seus interesses;
c) Prestar assistência aos seus clientes perante os tribunais ou
autoridades administrativas, quando a isso houver lugar.
14. Ao protegerem os direitos dos seus
clientes e ao promoverem a causa da justiça, os advogados devem
respeitar os direitos do homem e as liberdades fundamentais reconhecidas
pelo direito nacional e internacional, e devem, em todo o momento,
actuar com liberdade e diligência, em conformidade com a lei e com as
normas e regras deontológicas reconhecidas da sua profissão.
15. Os advogados devem servir sempre com
lealdade os interesses dos seus clientes.
Garantias para o exercício da profissão de advogado
16. Os Governos devem assegurar que os advogados (a) possam desempenhar
todas as suas funções profissionais sem intimidações, obstáculos,
coacção ou interferência indevida; (b) possam viajar e comunicar com
os seus clientes livremente, tanto dentro do seu país como no
estrangeiro; e (c) não sofram, nem sejam ameaçados com processos ou
sanções administrativas, económicas ou de outra índole por qualquer
medida que tenham tomado em conformidade com as obrigações, as normas
e regras deontológicas reconhecidas da sua profissão.
17. Quando a segurança dos advogados
seja ameaçada no âmbito do exercício das suas funções, estes
receberão das autoridades protecção adequada.
18. Os advogados não serão
identificados com os seus clientes nem com as causas dos seus clientes,
em consequência do exercício das suas funções.
19. Nenhum tribunal ou autoridade
administrativa, perante a qual seja reconhecido o direito a ser
assistido por um advogado, se negará reconhecer o direito do advogado a
comparecer perante ele em representação do seu cliente, excepto se o
advogado não se encontre habilitado em conformidade com as leis e
práticas nacionais e com os presentes princípios.
20. Os advogados gozam de imunidade civil
e penal por todas as declarações pertinentes feitas de boa fé, por
escrito ou em alegações orais ou no âmbito das suas intervenções
profissionais perante um tribunal judicial ou outro ou uma autoridade
administrativa.
21. As autoridades competentes têm a
obrigação de assegurar que os advogados tenham acesso à informação,
aos arquivos e documentos pertinentes que estejam em seu poder ou sob o
seu controlo, com antecedência suficiente para que estes possam prestar
uma assistência jurídica eficaz aos seus clientes. Este acesso
deve-lhes ser facultado o mais rapidamente possível.
22. Os Governos devem reconhecer e
respeitar a confidencialidade de todas as comunicações e consultas
feitas entre os advogados e os seus clientes no âmbito das suas
relações profissionais.
Liberdade de expressão e de associação
23. Os advogados gozam, como os outros cidadãos, das liberdades de
expressão, de crença, de associação e de reunião. Em particular
têm o direito de participar no debate público de assuntos relacionados
com o direito, a administração da justiça e a promoção e a
protecção dos direitos do homem, assim como o direito de constituir ou
de se filiar em organizações locais, nacionais ou internacionais e
estar presente nas suas reuniões, sem sofrerem restrições
profissionais na sequência da sua actuação lícita ou da sua
qualidade de membro de uma organização lícita. No exercício dos seus
direitos, os advogados devem comportar-se sempre em conformidade com a
lei e com as normas e regras deontológicas reconhecidas da sua
profissão.
Associações profissionais de advogados
24. Os advogados têm o direito de constituir e de se filiarem em
associações profissionais autónomas que representem os seus
interesses, promovam a sua educação e formação contínuas e protejam
a sua integridade profissional. O órgão executivo das associações
profissionais deve ser eleito pelos seus membros e deve exercer as suas
funções sem interferência externa.
25. As associações profissionais de
advogados devem cooperar com os Governos para garantir que todas as
pessoas tenham acesso efectivo e em condições de igualdade aos
serviços jurídicos e que os advogados estejam em condições de
aconselhar e ajudar os seus clientes, sem interferências indevidas, em
conformidade com a lei e com as normas e regras deontológicas
reconhecidas da sua profissão.
Procedimentos disciplinares
26. Os códigos de conduta profissional dos advogados devem ser
estabelecidos pelos órgãos próprios da Ordem dos Advogados ou pela
lei, em conformidade com a legislação e os costumes nacionais e as
normas internacionais reconhecidas.
27. Toda a acusação ou queixa feita
contra um advogado, pelo exercício das suas funções, deve ser
tramitada expedita e justamente em conformidade com processo adequado. O
advogado tem direito a ser ouvido com imparcialidade e pode ser
assistido por um advogado da sua escolha.
28. Os procedimentos disciplinares
instaurados contra advogados devem ser apreciados por um comité
disciplinar imparcial constituído pela Ordem dos Advogados, por
autoridade independente estabelecida pela lei ou por um tribunal
judicial, e devem ser susceptíveis de recurso perante um órgão
judiciário independente.
29. Todos os procedimentos disciplinares
devem reger-se pelo código de conduta profissional e pelas normas e
regras deontológicas reconhecidas da profissão de advogado e tendo em
consideração os presentes Princípios. |