
EM
DEFESA DA VIDA
FREI
GILBERTO GORGULHO
Teólogo
dominicano.
Ao
falar da pena de morte é preciso colocar como centro
das discussões e a defesa concreta da vida. Não basta
evocar de maneira abstrata os argumentos em favor da
pena de morte. Esses argumentos são conhecidos. A pena
de morte teria três funções necessárias: defender a
sociedade dos criminosos de cometer certos delitos mais
graves, e possibilitar uma expiação pelos crimes
cometidos.
Não
basta ficar num nível abstrato. Mas, a partir da própria
Bíblia é preciso ver a questão de maneira concreta, e
encontrar outras alternativas mais eficazes e mais
justas em defesa da vida, e da segurança do povo.
Deus
quer a vida
Uma
primeira perspectiva é a maneira de ler a Bíblia. Ali
encontramos leis de defesa dos antigos clãs, e de
defesa contra a idolatria. Esta defesa era a manifestação
de progresso da consciência e da subsistência do povo
diante de outros povos dominadores. Tais leis não podem
ser tomadas como um absoluto normativo. São a expressão
da evolução da consciência moral. Elas são uma
pedagogia para compreender a real vontade de Deus que se
manifesta no “não matarás”, e na defesa da vida e
da dignidade humana. E do mesmo modo a lei de Talião não
seria uma selvagem regulamentação da vingança. Ao
contrário, é uma das primeiras manifestações do
sentido da justiça: a retribuição deve ser feita na
medida mesmo do dano. Se lhe firo um olho, é um olho
que lhe devo. A lei de Talião exprime a antiga
antropologia (olho, mão, pé), e mostra que a justiça
envolve toda a dignidade humana, e deve ser a base das
relações sociais.
Uma
esclarecida leitura da Bíblia mostra que o respeito à
vida e à prática da justiça integral é o eixo da
compreensão da sociedade, e da fonte das leis
positivas. É por isso que o amor ao inimigo, o perdão
e o amor libertador e eficaz serão as características
da “nova justiça” que haverá de caracterizar os
discípulos seguidores de Jesus Cristo (cf. Mateus 5,20;
Mateus 5,40-48).
A
mensagem bíblica se expressou em um meio cultural e
social bem diferente do nosso. Daí a necessidade do
discernimento para não transferir certos modelos
legislativos para outros contextos. Na Bíblia deveremos
procurar o que de fato é a Palavra normativa para todas
as gerações.
Contra
a pena de morte
Ao
falar da pena de morte não basta ficar num nível
racional e abstrato. Neste nível, a racionalidade é
clara: “Mesmo quando se trata de execução de um
condenado à morte. O Estado não dispõe de direito do
indivíduo à vida. Está reservado ao poder público de
provar o condenado do bem da vida para expiação de sua
culpa, depois que pelo seu crime já se despojou de seu
direito à vida”.
O
prima da discussão deve se colocar no nível concreto e
real. O argumento racional não significa que obriga
sempre sujeita à modificação, à evolução, e a uma
limitação concreta que manifesta mais diretamente a
justiça real.
Nesse
terreno do direito positivo, devemos ficar sempre contra
a pena de morte. Devemos sustentar que este gênero de
pena não está mais adaptado às condições de nossa
civilização.
Pois
sentimos mais de perto e de maneira mais evidente as
incertezas da justiça humana; e somos levados a temer o
que é uma sanção irremediável (não apreciando a
eficácia ou validade das reabilitações póstumas...).
Conhecemos
com maior rigor as diminuições doentias da
responsabilidade concretas, e como conseqüência,
conhecemos também a fragilidade de certas decisões jurídicas
sobre a culpabilidade integral.
Mas
sobretudo sabemos que é impossível institucionalizar e
articular outros e bons meios de preservação da
sociedade sem chegar ao extremo de tirar dos outros o
bem da vida corporal.
Por
isso temos o direito e o dever de ir contra a pena de
morte.
Temos
de envidar todos os esforços para que ela não entre e
não traduza em regra no plano do direito positivo.
Na
medida em que os Episcopados católicos vêem de perto
os equívocos de certos Governos e Estados, tornam-se
claramente favoráveis à abolição da pena de morte.
Neste particular, tiveram grande papel na evolução, a
Igreja na França e no Canadá. Na América também é
sensível a influência cristã para a abolição da
pena de morte. Essa influência se faz sentir no caso da
Nicarágua. A evolução da consciência cristã tende
para a abolição. Contudo existe um caso errático: é
o caso do Chile do atual General Pinochet. O Brasil
gostaria de seguir o exemplo deste Ditador?
A
defesa dos cidadão
Falando
de maneira concreta creio que as objeções mais sensíveis
em nosso meio são as seguintes: 1) Certamente a pena de
morte não se aplicaria aos fazendeiros que mandam matar
os camponeses, nem aos criminosos de “colarinho
branco”, e nem aos policiais que matam os presos ou os
suspeitos. Não se aplicaria também aos esquadrões da
morte. Haveria os protegidos do regime. A pena de morte
seria unicamente para os pequenos e pobres criminosos
(“os ladrões de galinha”...) que não conseguiriam
nenhum apoio oficial. E a pena de morte aumentaria a
corrupção dos juizes e da polícia. Aumentaria a
discriminação na repressão aos crimes e delitos. 2)
Vale como argumento os erros da justiça: os erros são
freqüentes. Quer sejam erros voluntários, quer
involuntário. 3) A pena de morte rejeita toda
possibilidade de melhoramento ou de conversão do
culpado. Não crê que uma emenda seja possível. Ora,
essa descrença é legitimada, sobretudo, para aqueles
que nunca seriam condenados à morte. Pode se dizer que
a pena de morte sempre irá contra a defesa concreta da
dignidade humana, e da prática de uma justiça real.
Por mais “justa” ou “justificável” que ela se
apresenta, de fato, corre sempre o perigo de ser uma
violação concreta da justiça e do direito à vida que
vem em primeiro lugar.
Mas,
existe o problema de encontrar uma alternativa para
fazer frente à violência e à insegurança, sobretudo
urbana, é que serve para convencer as massas da
necessidade da pena de morte apesar de todas as
demonstrações dos melhores criminologistas. O problema
não se resolve por meio de argumentos teóricos, é
preciso oferecer uma alternativa
prática, uma solução prática ao problema da violência
e da insegurança.
Ora,
pode-se entrever uma possível alternativa. Acontece que
a polícia oficial, a polícia do Estado é inoperante
por uma série de razões. Quando o Estado é incapaz de
proteger os cidadãos, antes têm o dever de organizar a
sua segurança.
Hoje
em dia, os ricos já organizaram a sua polícia
particular. Esta existe e não se trata de uma novidade.
Os ricos já dispõem de polícias particulares. Só os
pobres estão e são desprotegidos. Por conseguinte os
pobres devem organizar a sua polícia popular, polícia
de bairros e de favelas. Não faltariam voluntários.
Uma polícia de bairro, em ligação com órgãos
responsáveis da defesa do povo, seria menos corruptível.
Estaria sob o controle permanente da população. Nos séculos
XI e XII a Igreja tomou a iniciativa de suscitar e de
ajudar a formação de tais gêneros de defesa popular.
Hoje em dia, eles são de novo necessários. Uma das
grandes obras de misericórdia seria exercer o ofício
de policial popular! O Estado não pode opor-se a tal
iniciativa porque é incapaz de assegurar a proteção
dos cidadãos. A reforma eficaz, ligeira e operante da
polícia é quase impossível. A defesa da vida, e a
proteção contra a violência são uma tarefa que as
comunidades populares podem, devem e são capazes de
assumir. Uma tal alternativa é um caminho mais seguro
para a defesa da vida e para a implantação da justiça,
diante da violência e da insegurança urbana.
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