
Matar
ou não matar:
Eis a questão
Carlos
Alceu Machado
Vice-Presidente da Seção Brasileira da
Anistia Internacional
Na discussão a respeito
da conveniência ou não da instituição da pena de morte para punir delinqüentes
que cometam delitos atrozes, há uma pergunta que necessita ser feita aos que
defendem o castigo capital: qual a reação adequada quando um crime hediondo
é perpetrado pelo próprio Estado?
Sabemos
todos que têm conhecimento da realidade internacional, que em inúmeros países
o nível de violação dos direitos humanos chega às raias da insanidade.
Indivíduos que nunca propugnaram pela violência são sumariamente executados
pelas forças de segurança, tão só pela divulgação de suas idéias; políticos
oposicionistas que jamais advogaram o uso da força são detidos, torturados e
mortos sem qualquer julgamento; pessoas que se destacam nas lutas pacíficas
pela melhoria das condições de vida de suas comunidades, são seqüestradas
à luz do dia e desaparecem para sempre.
Na
maioria absoluta dos casos a responsabilidade do Estado, conquanto notório, não
é judicialmente apurada. Somente vez por outra, por descuido do poder ou pela
alteração do quadro institucional de um país, a verdade vem à tona e o
crime oficial é aclarado. Mas, e aí, quando o fato se torna público ou não
mais pode ser ocultado, o que fazer? Eliminar o funcionário “zeloso” que
sob ordens praticou a atrocidade? Enforcar seus superiores? Decapitar o
governante? Destruir o Estado, para que não repita o ato? Ou nesses casos é
suficiente indenizar a família da vítima com trinta moedas e esquecer o
passado, como normalmente se faz?
Não
há porque matar o delinqüente, seja ele o cidadão ou o Estado. Como afirmou
corretamente Cesare Beccaria, famoso penalista italiano, não é a crueldade
da pena que inibe o criminoso, mas sim a crença de que ela será
infalivelmente aplicada. Confiando-se que todos os delitos serão punidos de
forma honesta, a criminalidade – inclusive a do “colarinho branco”, que
indiretamente ceifa mais vidas do que a marginal – diminuirá.
A
pena de morte, utilizada como meio de proteção da sociedade, é
comprovadamente desnecessária; usada como método de vingança, é
embrutecedora e reacionária. Um simples exame da história da pena capital
demonstra o esforço que o homem vem fazendo há séculos para erradicá-la,
seja através da diminuição gradativa do número de delitos puníveis com a
morte, seja através da tentativa de suavizar os progressos das execuções.
Do
“olho por olho, dente por dente”, da Lei de Talião, saltamos para as
fogueiras da Idade Média. Das mutilações e torturas que precediam o
enforcamento dos plebeus franceses, alcançamos a guilhotina instituída pela
revolução burguesa de 1789. Do garrote vil espanhol, que aos poucos quebrava
a espinha dos condenados, atingimos o pelotão de fuzilamento. Da cadeira elétrica
que descarrega dois mil volts sobre o corpo do sentenciado durante períodos
alternados, chegamos à injeção letal aplicada aos norte-americanos
penalizados com a morte.
A
pena de morte tem progredido – se assim se pode dizer – não só no
concernente às formas pelas quais ela é posta em prática, mas também em
relação à natureza dos delitos e ao tipo dos criminosos passíveis de
condenação à morte. Se atualmente em algumas poucas nações mulheres adúlteras
ainda são apedrejadas até que a vida se lhes acabe, na maioria apenas
homicidas cruéis são levados ao patíbulo. Se no alvorecer do primeiro milênio
os cristãos eram jogados aos leões para divertimento dos cidadãos de Roma,
e se dava fim aos desequilibrados mentais por serem julgados endemoniados,
hoje a maior parte dos ordenamentos penais existentes no mundo veda a aplicação
da pena de morte a prisioneiros de consciência, a menores, a anciãos, a
mulheres grávidas ou que acabem de dar à luz, a pessoas mentalmente
enfermas.
O
empenho que o ser humano vem fazendo a centenas de anos para aprimorar o
Direito, justificando sua condição de animal inteligente, é comprovado
claramente pela contínua e definitiva restrição que as normas legais
vigentes vêm fazendo à vingança pessoal ou estatal.
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