
Fé
e política no terceiro milênio
Pedro
Wilson Guimarães
*
Fé
e vida. Evangelho e realidade. O cristão por ação, por consciência,
por conveniência ou omissão sempre age politicamente. Todo ser humano
é (ator ou atriz) político. No Brasil, no mundo capitalista e/ou
socialista, todo homem e toda mulher, com razoável senso de realidade,
são seres político-sociais. E, num tempo de crise e de mudanças
religiosas, econômicas, sociais, políticas e culturais — como este
do século XXI —, aumentam as graves responsabilidades de todas as
pessoas, principalmente dos cristãos comprometidos com sua fé e
engajamento social.
O
cristão comprometido com a vida do povo sabe, sente e compreende o que
significa a fé para a luta pela libertação. Salvação e libertação
de toda e qualquer opressão, dominação e exploração humana, seja em
qualquer tipo de regime político. Muita gente ainda tenta separar a fé
da política, a vida da realidade. No entanto, é preciso conscientizar
que política é arte da busca e da realização do bem comum. Política
é ação de homens e mulheres na realidade onde estão inseridos,
trabalham, moram, participam, agem e celebram a vida. Assim, a fé e a
política estão nas comunidades, nas associações, nos grupos, nos
sindicatos, nos partidos políticos, na sociedade e no Estado. Agora, há
política e politicagem.
A
política verdadeira é toda atividade e participação humana na
sociedade. Desta maneira, a política desenvolve ações que beneficiam
o povo, ou grupos, sempre a coletividade. Por outro lado, a politicagem
é o uso da política para o enriquecimento próprio e/ou da família.
Vide caso Sudam (aliás, todo dia surge um novo rico com o dinheiro da
Sudam), Banpará, Lunus, TRT-São Paulo, OPI do futebol, para citar
alguns casos mais recentes. Há politicagem na saúde (usam a doença
para obter o voto/assistencialismo), na educação (produzem milhões de
analfabetos e ignorantes), na habitação (protegem a especulação
imobiliária e jogam o povo nas favelas, sempre reprimidas), na
administração pública (com corrupção, fraudes e sonegação fiscal
e orçamentos manipulados). É por esses motivos e por muitos outros que
muitos cristãos dizem por ai que não gostam de política, mas
continuam votando, escolhendo os mesmos políticos conservadores. Têm
medo de mudar.
Política
acontece na igreja, na comunidade, no sindicato, no partido, no grêmio,
na mídia, no judiciário, no executivo, no legislativo e entre nações.
Será que os cristãos têm contribuído para deixar a marca evangélica
libertadora? E possível mudar o Brasil com ou sem a nossa presença?
Quem constrói hoje o Reino de Deus? Onde nossa fé se mistura com a
realidade socialmente dramática para 32 milhões de famintos, 11 milhões
de sem-teto, 25 milhões de analfabetos (até os analfabetos políticos),
35 milhões de crianças e jovens carentes e sabe lá Deus quantos
desempregados, migrantes, violentados, doentes e tantos sem eira e sem
beira, sem vez e vem voz neste Brasil rico de povo pobre. Será que
nossa fé é existencial, é histórica, é engajada? Será que é
revelação de Deus no processo de nossa caminhada política e social?
É preciso buscar sempre o encontro entre a fé e a política, a teoria
e a prática, com seus diferentes níveis, instâncias e naturezas próprias.
Para nós cristãos, a fé perpassa a história na passagem/páscoa da
vida para sempre, rompendo tempo e espaço.
Para
realizar a cidade de Deus, temos que necessariamente construir a cidade
dos homens e mulheres. Fazer uma nova terra, um mundo mais justo e mais
fraterno, como anunciou o Concilio ll/GS. A fé e a política são
alimentados pela esperança sempre renovada de felicidade. Para isso, é
preciso que os cristãos vejam com olhos bem abertos, julguem e avaliem
com conhecimento, com métodos, com criticas construtivas e depois ajam,
engajem de maneira consciente e organizada para mudar esta dolorida
realidade social brasileira, imediatamente.
A
nossa fé precisa capacitar-se para criticar, avaliar, comparar e
intervir na realidade á luz do evangelho, fazendo uma política com ética,
compromisso, reforma, transformação e realização de justiça social.
Fé e política para o cristão devem ser instrumentos e mediações que
ajudem todos a romper as ambiguidades, os medos, as contradições das
pessoas e da sociedade, das instituições públicas e privadas. A fé e
a política devem ajudar os cristãos a decidir, optar e assumir os
compromissos que nos são dados viver e transformar, historicamente.
A
política abre para os cristãos a possibilidade de participação densa
e efetiva na caminhada do povo, principalmente dos pobres, apartados de
tudo e ás vezes até de Deus. Nossa fé e nossa política se encontram
muitas vezes numa prática de comunhão e participação para as mudanças
desejadas e esperadas pelos marginalizados e excluídos deste sistema
capitalista selvagem, voraz, concentrador de privilégios, poderes e
riquezas nas mãos de poucos egoístas. A fé verdadeira é aquela que
produz ética na política, ação de cidadania, educação para todos,
saúde, moradia digna, alimentação, transporte e segurança. Uma fé
que realiza alegria de viver para todos os brasileiros, já.
Os
cristãos não querem uma vida fora do mundo concreto, fora dos fatos
sociais. Os cristãos querem o céu na terra e a terra no céu, sempre.
Nada é separado, tudo é integrado no plano de Deus, neste planeta azul
maravilhoso, de natureza mil, mas que, se não olharmos com atenção,
poderá destruir tudo com a ambição de um falso progresso que acaba
com cerrados, florestas, rios, animais e o próprio ser humano. A graça
nos dá fé como gratuidade de Deus, não cobramos pela nossa participação
política, senão a luta pela promoção do bem comum, social e político,
cultural e econômico.
O
cristão deve ser fermento, sal, caminho e luz. Deve lutar pelos princípios
básicos da mensagem evangélica, como defesa da ética, da vida, da família,
da democracia, da participação social e da liberdade, assumindo
responsabilidade social e política. Queremos e desejamos comunhão e
participação na política, na economia, na sociedade e no Estado, que
deve estar a serviço do povo (família, comunidade e pessoas). Reunir
é importante. Nós temos a grande responsabilidade de reunir, refletir
e agir evangelicamente como atores da política brasileira, lutando
pelos direitos do povo. Nossa ação deve ser sempre sinal de mudanças
para melhorar a vida do povo trabalhador. Nossa estrada é longa. Terá
milhares de anos, recomeçando neste inicio de século e de milênio,
numa busca constante por justiça social. O terceiro milênio deve ser
da cidadania e dos direitos humanos, de uma globalização solidária,
integrada, sustentada, ecológica, produtiva e representativa dos
interesses e necessidades da maioria do povo. A opinião é unânime a
respeito dos desastrosos efeitos da globalização neoliberal, de Soros
a BilI Gates, os cones do capitalismo mundial, de um canto a outro do
planeta. Todos reconhecem e nós temos a convicção de que a globalização
neoliberal destrói irrefutavelmente o elo entre irmãos. E uma afronta
ao mandamento universal de Jesus Cristo, que nos ensina a amar ao próximo
como a si mesmo e a Deus sobre todas as coisas. Hoje, o neoliberalismo
tem construído outros deuses, outros referenciais e tem usado a força
da ganância financeira para aumentar o fosso entre ricos e pobres.
E
preciso resgatar, inspirado na mensagem do evangelho, o ser humano na
sua totalidade. Nesse sentido, a participação do cristão na política
tem que ser para garantir a realização de um mundo mais justo e mais
fraterno. Construir instrumentos capazes de proporcionar uma verdadeira
inclusão social a todos os homens e mulheres das cidades e dos campos,
sem distinção de raça, cor, credo, origens sociais e geográficas. É
preciso fazer da política um espaço de participação social, onde as
pessoas possam colocar de forma transparente as demandas de seu bairro e
de sua cidade. Portanto, a política, como arte de fazer o bem comum,
tem que estar orientada á construção de um mundo de paz, igualdade,
prosperidade, cidadania e justiça social. Outro mundo é possível. A
história contínua.
É
preciso termos ação política firme e forte no cotidiano das pessoas,
com propostas, projetos, planos, leis, regulamentos, orçamentos, que
devem estar a serviço da maioria do povo, principalmente, para os excluídos
e marginalizados. Todos são filhos de Deus. Todos merecem nossa atenção,
ainda mais os necessitados.
Em
Brasília, Goiânia, Campinas, Santo André, Poços de Caídas, Recife,
São Paulo, de norte a sul, todos devemos ser sinais do compromisso histórico
com a mensagem evangélica libertadora. Devemos estar atentos ás exigências
que a realidade social faz a todos nós, representantes do povo — políticos
do povo? Caminhar sempre na busca da esperança da construção de um
mundo melhor. Estaremos conscientes, organizados e capacitados para
realizar ações políticas positivas na direção do reino de Deus,
aqui e para sempre? Eis os desafios presentes em nossas caminhadas
evangelicamente libertadoras.
Somos
assim chamados, vocacionados para atuar na política e na construção
do bem comum para todos os brasileiros. Isto é possível, se todos os
políticos realmente forem comprometidos com a realização de uma
sociedade mais justa e mais fraterna. Participar, ser sujeito, ser ator
e atriz da história que Jesus Cristo libertou para sempre com sua páscoa/passagem
verdadeiramente nova, para uma vida digna de ser vivida, plena de
direitos humanos, de justiça, de deveres, de ética, de trabalho, de
comunhão e de participação social e política na comunidade/sociedade
moderna.
Oxalá,
sejamos assim homens e mulheres protagonistas, presentes e atuantes,
nesta nova história que nos é dada viver, ver, ter, crer, construir,
trabalhar, orar, celebrar, transformar e agir para realização e
construção do Reino de Deus, na terra e nos céus, deste imenso
universo azul. Axé.
* Prefeito de Goiânia.
Professor das Universidades Católica e Federal de Goiás. Deputado
Federal de 1995 a 2000, onde foi presidente das comissões de Direitos
Humanos e Educação, Cultura e Desportos. Integrante do MNDH.
Foi
assessor da Arquidiocese de Goiânia.
|