
Viva a organização
da sociedade civil
OSCAR VILHENA VIEIRA
Há quase dez anos, quando se
redigia a Constituição de 1988, o Brasil perdeu a grande
oportunidade de reestruturar seu sistema policial,
compatibilizando-o às exigências do Estado democrático de
direito. Em 1997 esta questão retornou à arena política após
policiais brasileiros, no Pará, São Paulo, Rio de Janeiro e
Rio Grande do Sul, terem sido flagrados torturando e matando
outros brasileiros, em cenas de sadismo que comprovavam, mais
uma vez, o descontrole sobre os mecanismos de segurança. Ao
lado da violência, a ineficiência policial também ficou
patente. Altos índices de ocorrências, o que aponta para a
deficiência da prevenção, e baixíssimos índices de punição,
o que coloca em xeque o trabalho de apuração e condenação,
partilhado pela Polícia Civil, Ministério Público e pelo próprio
Judiciário, marcaram este ano. Conforme estudo das Nações
Unidas, o Brasil se encontra entre os países com maiores índices
de homicídios em todo o mundo.
A reação dos setores políticos
e das corporações policiais à ineficiência e violência
dos órgãos de aplicação da lei foi, no entanto,
dissonante. O governo de São Paulo e a Secretaria Nacional de
Direitos Humanos propuseram amplas reformas voltadas a
compatibilizar as polícias às exigências da Constituição
de 1988 e principalmente permitir a sua modernização e maior
eficiência. As Polícias Militares, no entanto, num encontro
de comandantes em Foz do Iguaçu, reagiram de forma obtusa a
qualquer perspectiva de mudança, como se tudo estivesse muito
bem. Dotadas de enorme força junto aos governadores e suas
bancadas no Congresso, têm pressionado pela manutenção do
inoperante modelo atual. A responsabilidade agora está com o
governo federal, que em outros momentos já se demonstrou
competente para operar no Congresso e levar a cabo as mudanças
de seu interesse. Desnecessário dizer sobre a prioridade
dessas reformas e que a cada instante que passa, sem que se
tenha a coragem de enfrentar os problemas da segurança,
pessoas continuarão morrendo e sofrendo os efeitos da falta
de prevenção e da impunidade.
Enquanto os partidos que apóiam
o governo não se decidirem, o maior destaque deste ano na área
de segurança deve ficar para a sociedade civil. Axé na
Bahia, Mangueira no Rio, Themis no Rio Grande do Sul, Monte
Azul e Projeto Quixote em São Paulo, as campanhas pela paz em
todo o Brasil são apenas algumas das iniciativas que vêm
reconstruindo a cidadania por intermédio da solidariedade, da
arte e da conscientização, com um forte impacto sobre a violência.
São iniciativas como essas que dão sentido à comunidade e
estabelecem um ambiente de reciprocidade, onde cada um passa a
ver o outro como um sujeito de direitos, digno de respeito e
solidariedade.
A violência, no entanto, não
será resolvida apenas com reformas no aparato policial. A
criminalidade tem afligido, em especial, os moradores das
grandes cidades. Isso porque setores cada vez maiores da
população têm se tornado desprezíveis ao funcionamento da
economia, sendo deixados à margem de seus benefícios. Esses ameaçadores
excluídos são, na realidade, as principais vítimas da
violência, mas não as únicas. Em maior ou menor grau, todos
se tornaram vulneráveis aos efeitos colaterais da alegre adoção
de uma perversa lógica econômica, dissociada de imperativos
de justiça social, cruciais para a pacificação da
sociedade.
Enfim, o ano de 1997 foi de
grande violência. Se buscarmos esquecê-lo ele não terminará.
Oscar Vilhena Vieira é secretário-executivo
do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a
Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, no Brasil
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