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SEM DIREITOS
SOCIAIS
NÃO HÁ DIREITOS HUMANOS
Há algo de novo na luta pelos direitos humanos. Os que se dedicam a
essa luta estão abraçando a defesa dos direitos econômicos, sociais e
culturais com o mesmo empenho com que já atuam pelos direitos civis e
políticos. Não se trata de trocar um objeto de luta por outro. O
Brasil avançou nos últimos anos no respeito aos direitos civis e políticos,
mas essas conquistas, além de insuficientes, podem até ser
neutralizadas pelos efeitos perversos da globalização comandada pelas
excludentes políticas neoliberais. Trata-se, então, de incluir na
agenda dos direitos humanos a sua dimensão social, econômica e
cultural.
O aumento vertiginoso da recessão e do desemprego, em meio à deterioração
dos serviços públicos, compuseram um ambiente que favorece e mesmo
induz a prática de violações massivas de direitos. Assim como os
direitos humanos têm como característica essencial a indivisibilidade,
também as violações se manifestam de forma indivisível. É muito tênue
a fronteira entre o descumprimento de direitos sociais e o desrespeito
aos direitos humanos. Um fenômeno está sempre acompanhado do outro. Não
surpreende que no Jardim Ângela, em São Paulo, concentre ao mesmo
tempo os maiores índices de desemprego e de violência do país. E o
desemprego é muito mais que um número: é a perda da auto-estima, a
perda da autoridade do pai e da mãe de família perante os filhos, é
porta de entrada para o alcoolismo, para a prostituição, o trabalho
infantil, o trabalho degradante. É fator importante na violência
intradoméstica, na violência das cidades e dos campos.
A IV Conferência Nacional de Direitos Humanos - maior evento do setor
no país, realizado anualmente em maio, apontou a tendência de atuar em
função dessa realidade. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados definiu como seu lema este ano, "sem direitos sociais não
há direitos humanos".
Um componente importante da força moral da luta pelos direitos humanos
é que ela não se confunde com a luta política tradicional.
Sustenta-se em princípios e valores legitimados pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos e em dois pactos internacionais: o de
direitos civis e políticos e o de direitos econômicos, sociais e
culturais, estes ratificados pelo Brasil em 1992. Concentramos nossa
atuação até agora nos primeiros, em decorrência da necessidade de
resgatar e ampliar os direitos esmagados pela ditadura militar.
O desafio agora é revitalizar o movimento dos direitos humanos atuando
em favor dos direitos de segunda geração - os econômicos, sociais e
culturais. Aprovamos novas leis para combater a violência policial, mas
há milhões sem ter o que comer. A tortura se tornou crime depois de
500 anos de prática impune, mas a pobreza no campo estimula conflitos
que acabam em violência e leva crianças que deveriam estar na escola
para o trabalho. Hoje há liberdade política e de expressão, mas os
jovens se vêem sem trabalho e sem lazer. O Estado reconheceu sua
responsabilidade pelos opositores políticos mortos e desaparecidos, mas
a deplorável situação dos serviços públicos de saúde também
provoca mortes e mutilações. Os direitos sociais também são direitos
humanos e o Brasil se compromete com eles na Constituição em vigor e
perante a comunidade internacional.
Um numeroso grupo de entidades, inclusive a Comissão de Direitos
Humanos, está empenhada na elaboração de um relatório à ONU sobre o
(não) cumprimento pelo Brasil do Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais. Preparamos um cronograma de ação para defender a
preservação da rede de proteção social, garantindo o atendimento das
necessidades básicas dos grupos mais vulneráveis: crianças e
adolescentes, indígenas, desempregados, portadores de deficiência,
gestantes e nutrizes. Além de medidas de inclusão social como a Renda
Mínima, Bolsa-Escola, reforma agrária, etc. No campo internacional,
defendemos a adoção da Taxa Tobim, que incidiria sobre as transações
financeiras internacionais, destinando os recursos ao combate à miséria.
Este é o momento de avançarmos, no respeito aos direitos sociais, seja
por meio de políticas econômicas estruturais, para atingir as causas
da desigualdade e da miséria, seja para assegurar a assistência aos
atingidos pelos efeitos das políticas vigentes. Mas o compromisso
fundamental do movimento pelos direitos humanos continua, no fundo, o
mesmo: a defesa da vida e da liberdade.
____________________
* Nilmário Miranda é deputado federal do PT-MG, Secretário Nacional
de Direitos Humanos do Partido dos Trabalhadores e membro da Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
** Artigo publicado no Jornal CORREIO BRASILIENSE - Opinião - pág. 21
- Brasília, sexta-feira, 02 de julho de 1999.
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