Comitê
Estadual pela Verdade, Memória e
Justiça RN
Centro de Direitos
Humanos e Memória Popular CDHMP
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Comitê
de Verdade Estados | Comitê
da Verdade RN
Página
Inicial | Anatália
de Souza Alves de Melo | Djalma
Maranhão | Édson Neves
Quaresma | Emmanuel
Bezerra dos Santos | Gerardo
Magela Fernandes Torres da Costa | Hiran de
Lima Pereira | José Silton
Pinheiro | Lígia Maria
Salgado Nóbrega | Luís Ignácio
Maranhão Filho | Luís
Pinheiro | Virgílio
Gomes da Silva | Zoé Lucas
de Brito
Tiroteios
de fantasia
Manoel
Aleixo da Silva (1931 – 1973)
Manoel
Lisboa de Moura (21/2/1944 – 4/9/1973)
Emmanuel
Bezerra dos Santos (17/6/1943 – 4/9/1973)
Carta-denúncia, anônima,
divulgada em 1º de setembro de 1973:
Há algum tempo, desde os fins do
corrente ano, Recife, a ‘cidade das revoluções libertárias’,
encontra-se sob terror de bandos armados cuja missão é sequestrar
pessoas indefesas, torturá-las e ameaçá-las de morte.
Segue-se o relato de vários
casos de pessoas sequestradas em locais públicos, entre eles o de
“Manuel Lisboa de Moura, estudante de Medicina em Alagoas, até
1964”
São oito vidas em perigo entre
tantas outras que não tomamos conhecimento e que também estão
ameaçadas. Podemos salvá-las na medida em que a divulgação da
denúncia que fazemos dificultar qualquer plano dos carrascos no
sentido de apresentá-los depois como “terroristas assassinados
quando planejavam ação de terror contra o governo” ou “quando
tentavam reagir à bala ao cerco policial”. Todos eles foram
presos sem reação armada. Se forem assassinados, o serão
friamente e a responsabilidade será das autoridades militares, dos
generais e coronéis fascistas, que acobertam, apóiam e estimulam
bandos facínoras, semelhantes à SS e à Gestapo de Hitler,
especializadas em sequestros, torturas, violação de domicílios e
assassinatos.
Diário de Pernambuco, 5 de
setembro de 1973:
São Paulo – (Meridional –
DP) – Durante tiroteio com agentes dos órgãos responsáveis pela
segurança interna, morreram, na manhã de ontem, em Moema, nesta
Capital, os terroristas Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra
dos Santos, que fizeram parte do atentado ao marechal Arthur da
Costa e Silva, então Presidente da República, em 1966, no Recife.
Parecer do general Oswaldo Gomes,
na Comissão Especial, 18 de março de 1966:
A versão oficial da morte em
tiroteio de um elemento, já preso, que é levado ao encontro de
outro e desse tiroteio não há notícia de ferimento em nenhum
elemento da Segurança, não convence o relator como não convenceu
no caso de Manoel Lisboa de Moura.
Sou de parecer que o
representante deve ser atendido e que a Comissão considere que
Emmanuel Bezerra dos Santos faleceu por causas não-naturais, preso
em dependência policial por motivo de suas atividades políticas,
configurando-se a hipótese prevista no art. 4 inciso 1º letra b da
Lei 9.140/95, de 4 de setembro de 1995.
Os mortos do PCR
Entre
29 de agosto e 4 de setembro de 1973, três dos principais
dirigentes do Partido Comunista Revolucionário (PCR) foram presos,
torturados e mortos pela repressão. A versão oficial foi a mesma:
tiroteio com agentes policiais.
Manoel Aleixo da Silva,
pernambucano de São Lourenço da Mata, líder camponês conhecido
como Ventania, morreu aos 42 anos, no município de Ribeirão, em
Pernambuco, no dia 29 de agosto de 1973.
Manoel Lisboa de Moura, alagoano
de Maceió, ex-estudante de Medicina da Universidade Federal de
Alagoas, foi preso no Recife no dia 16 de agosto.
No mesmo dia, também no Recife,
foi preso Emmanuel Bezerra dos Santos, nascido em São Bento do
Norte, líder estudantil no Rio Grande do Norte, ex-presidente da
Casa do Estudante de Natal.
Ambos foram torturados no Dops/PE,
transferidos para o Dops/SP, novamente torturados, e morreram em 4
de setembro de 1973, Manoel com 26 anos e Emmanuel com 29 anos.
O caso Ventania
A
circunstância da prisão de Manoel Aleixo da Silva, em Joaquim
Nabuco, foram relatadas por sua companheira Isabel Simplício da
Conceição, com quem morava há mais de seis anos. Vizinhos e
amigos também testemunharam sobre a prisão de Ventania.
No início da manhã do dia 29 de
agosto, Isabel ouviu Manoel sendo chamado por quatro ou cinco homens
para descer o morro e entrar em um carro que estava estacionado
embaixo de uma árvore. Ela levantou da cama e viu pela janela um
carro grande, verde-cana escuro, no qual Ventania entrou sem
oferecer resistência, seguido dos homens, um deles usando botas de
soldado.
Manoel já tinha sido preso
antes, em 1969, quando fazia dois anos que morava com Isabel e dizia
que só queria filhos depois que houvesse justiça no campo. Desta
vez, porém, Manoel não voltaria mais. Dias depois, companheiros
contaram a Isabel que ele tinha morrido trocando tiros em Ribeirão
com um sargento do Exército. Ela não acreditou porque Ventania
nunca andava armado e não tinha aparecido em casa desde que os
homens o levaram. Isabel achava que ele fora morto porque era das
Ligas Camponesas. Ela contou que apoiava a luta, e que agora espera
justiça – “para que nunca mais aconteça outro final de agosto
tão triste como o de 1973”.
Manoel não deixou filhos.
A relatora do caso na Comissão
Especial, Suzana Keniger Lisbôa, argumenta em seu parecer:
Com a abertura dos arquivos do
Dops/PE, pôde-se saber parcialmente a verdade dos fatos, ou seja,
que Manoel foi preso em Joaquim Nabuco, levado para Recife e no dia
seguinte para a periferia de Ribeirão, onde foi morto ou deixado
morto. Foi assassinado com um único tiro nas costas, conforme
consta em seu laudo de necropsia, dado por Jorge Francisco Inácio,
agente da repressão política, qualificado em seu depoimento ao
Dops apenas como funcionário público. Esse assassinato foi tratado
pelo delegado do Dops do Recife, dr. José Oliveira Silvestre, com
um ato de quem “agiu no estrito cumprimento do dever legal,
consoante disciplina e nossa legislação em vigor”.
E dá o seu voto:
Considerando o acima citado
exposto, torna-se evidente que Manoel Aleixo da Silva foi preso por
agentes dos órgãos de repressão política, torturado até a morte
em alguma dependência policial ou assemelhada e levado para Ribeirão,
onde foi montado mais um dos macabros teatrinhos de tiroteio
destinados a encobrir os assassinatos sob tortura.
Infelizmente, esta Comissão
Especial não tem poderes para atender à solicitação da viúva de
restabelecer as reais circunstâncias da morte de Ventania,
sendo entretanto legítima sua solicitação de incluí-lo dentre os
beneficiários da Lei 9.140/95.
Encontro impossível
A
versão oficial das mortes de Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel
Bezerra dos Santos baseia-se no fato de que eles tinham um encontro
marcado no dia 4 de setembro de 1973, no largo de Moema, em São
Paulo. Emmanuel Bezerra estaria naquele Estado, após ter chegado do
exterior, e Manoel Lisboa, preso no Recife, teria dado essa informação
à polícia, sendo por isso levado para lá, onde iria encontrá-lo.
Na hora marcada, com o Largo de Moema cercado pelos policiais, e
Manoel Lisboa à espera, sob vigilância, aconteceu um imprevisto:
ao chegar, Emmanuel Bezerra percebeu que tinha sido traído e atirou
em Manoel Lisboa. Os policiais reagiram e ambos foram mortos. O
tiroteio resolvia dois problemas para as autoridades: justificava a
morte dos dois e os desmoralizava. Além disso, imputava aos
dirigentes do PCR o atentado contra o marechal Costa e Silva,
ocorrido em 1966, no Aeroporto de Guararapes, no Recife, no qual
morreram duas pessoas, e que era de autoria desconhecida.
O que derruba a ficção criada
pela polícia é o fato de Emmanuel Bezerra ter sido preso no
Recife, no dia 16 de agosto, juntamente com Manoel Lisboa. A equipe
chefiada pelo policial conhecido como Luiz Miranda, responsável
pelas torturas que ambos sofreram no Dops/PE, negociou com o
delegado Sérgio Paranhos Fleury a transferência deles para São
Paulo. Luiz Miranda escoltou os presos na viagem e participou das
sevícias que a equipe de Fleury praticou contra eles até matá-los.
Na Comissão Especial, o general
Oswaldo Gomes relatou o caso de Emmanuel Bezerra e Eunice Paiva, o
de Manoel Lisboa de Moura.
O Dossiê dos Mortos e
Desaparecidos Políticos a Partir de 1964 esclarece o seguinte:
Sobre Emmanuel: As fotos do
Instituto Médico Legal mostram um corte no lábio inferior
produzido pelas torturas, que o médico-legista Harry Shibata
afirmou ser fruto de um tiro. Segundo denúncia dos presos políticos,
Emmanuel foi morto sob tortura no DOI-Codi/SP, onde o mutilaram,
arrancando-lhe os dedos, o umbigo, os testículos e o pênis.
Sobre Manoel Lisboa: A requisição
do exame necroscópico foi assinada pelo delegado Edsel Magnotti, e
o laudo pelos médicos-legistas Harry Shibata e Armando Cânger
Rodrigues, que confirmaram a versão oficial.
A denúncia de Selma Bandeira
Mendes e de vários outros presos políticos, que se encontravam nas
dependências do DOI-Codi/SP naquele período, diz que o corpo de
Manoel estava coberto de queimaduras, estando, inclusive, quase
paralítico.
O capitão do Exército Carlos
Cavalcante, membro da família de Manoel, tentou resgatar o corpo
que, embora tivesse sido enterrado como indigente no Cemitério de
Campo Grande/SP, poderia ser exumado, desde que a família se
comprometesse a não abrir o caixão, que seria entregue lacrado, ao
que a família se recusou, por não poder nem ao menos a certeza de
que, no caixão lacrado, estava o corpo de Manoel.
Por ocasião do processo de exumação
e identificação de Emmanuel Bezerra dos Santos, o mesmo foi feito
a Manoel, uma vez que ambos foram mortos e sepultados no mesmo
local. Seu irmão não quis receber seus restos mortais, que, então,
foram colocados no Ossário Geral do Cemitério de Campo Grande, com
a presença de amigos e entidades.
Dois meses depois das mortes do
PCR, o policial Luiz Miranda “retribuiu” ao delegado Sérgio
Fleury o que a repressão de São Paulo fizera pela de Pernambuco,
recebendo os militares presos da Ação Popular, José Carlos da
Mata Machado e Gildo Macedo Lacerda, que foram torturados e mortos
no Recife.
Há informações nos processos
indicando que Manoel Lisboa e Emmanuel Bezerra não participaram do
atentado contra o marechal Costa e Silva. Em 1966, Emmanuel Bezerra
era estudante e morava em Natal, onde se encontrava no dia da ação.
E Manoel Lisboa, na hora do ocorrido, estava trabalhando no escritório
da Carne, no Recife velho.
Os três casos foram reconhecidos
por unanimidade pela Comissão Especial (7 x 0).
Projeto Rua Viva
Em novembro de 1994, o programa
Especial de Cidadania e Direitos Humanos (PECDH) da Prefeitura de
Maceió criou o Projeto Rua Viva, inspirando-se em projeto
semelhante idealizado em 1993 pelo vereador de Belo Horizonte,
Betinho Duarte, e homenageou os mortos e desaparecidos políticos
alagoanos, entre eles Manoel Lisboa de Moura, denominando ruas da
cidade com seus nomes.
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