
A
POLÍCIA QUE TEMOS E A QUE QUEREMOS
(Folha
de São Paulo, 23.2.2000)
Benedito
Domingos Mariano
Hélio Bicudo
Goffredo Telles Junior
O Fórum Nacional
de Ouvidores de Polícia, com participação de personalidades da
sociedade civil, elaborou um projeto de emenda constitucional
sobre reforma da polícia.
Esse projeto,
assinado por nós, foi encaminhado ao Congresso Nacional e ao
ministro da Justiça em dezembro. Seus objetivos centrais
consistem na cessação da dualidade policial e na reorganização
da polícia, segundo modelo eficiente e moderno.
Em verdade, não
queremos mais uma polícia com estrutura de quartel, cultivando
primordialmente idéias de repressão e sempre manifestando
dificuldades para o exercício da prevenção. Também não
queremos uma polícia muito rigorosa na fiscalização dos próprios
policiais no quartel, mas ineficiente, muitas vezes, na fiscalização
dos mesmos policiais quando estão na rua, no exercício das funções.
Não queremos que
persista o abismo entre o maior e o menor salário dos policiais.
Na queremos que a eficiência de um policial de rua seja medida
pelo número de pessoas que ele mata. Não queremos que policiais
morram cinco vezes mais no serviço extra do que no normal. Não
queremos que policiais que, ou morrem no “bico” ou cometem
suicídio. Não queremos Justiça Militar estadual nem policiais
cumprindo “ordem cega”, porque isso beira o fascismo. Queremos
que as ordens tenham como pressuposto a legalidde democrática.
O que não
queremos é um serviço de informação e inteligência policial
muitas vezes voltado para “bisbilhotar” governos, movimentos
sociais, sindicais e populares, mas que se mostra incompetente
para mapear o crime organizado e subsidiar o planejamento estratégico
da ação policial.
É por não
querermos tudo isso que propomos a extinção das Polícias
Militares no Brasil.
Não queremos
também uma polícia judiciária e investigativa que investiga
mal, porque não cultivou a investigação técnico-científica.
Chega de “X-9” ou “gansos”; chega da prática de prender
para investigar. Queremos extinguir a fase inquisitorial do
procedimento penal, o chamado inquérito policial, porque ele é
perverso, improdutivo e possibilita os “vermes” da corrupção
e da tortura.
Quantos boletins
de ocorrência viram inquéritos policiais? Quantos inquéritos
policiais esclarecem crimes? Não queremos leis orgânicas de polícia
gelatinosas, frágeis, que possibilitem a impunidade. Não
s9uportamos mais a “regra do acerto” nem ver policiais
ostentando patrimônios incompatíveis com seus rendimentos.
O atual modelo de
política é ineficiente, e não é possível juntar o que já se
esgotou. Nós queremos dizer sim à maioria dos policiais
vocacionados e idealistas. Queremos uma polícia democrática,
literalmente sob o controle do poder civil. Com escola de formação
única, que prepare policiais-cidadãos; com um único plano de
cargo e carreira; com previsão de 35 anos de atividade policial;
com corregedorias autônomas e independentes, que punam quem
cometeu delito ou irregularidade funcional, independentemente do
seu cargo, porque não deve ter patente, posto ou cargo.
Queremos uma polícia
com poucos graus hierárquicos (para que a base se sinta
protagonista das diretrizes da direção), com o princípio de que
o maior salário não seja superior a quatro vezes o menor salário.
Uma polícia que combine disciplina e hierarquia, com auto-estima
e democracia.
Mais do que heróis,
valorizados muitas vezes só quando morrem, queremos policiais com
formação profissional apurada, que saibam abordar, com
igualdade, pobre e ricos, trabalhadores e empresários, porque a
dignidade humana não se mede pelo status
na sociedade.
Propomos uma polícia
estadual de caráter civil inspirada na investigação científica
e no ideal permanente de defesa dos valores democráticos. É possível
construí-la, se a sociedade participar desse processo de construção.
Propomos seleção pela idoneidade dos candidatos, após exame de
seus antecedentes criminais, para valorizar os policiais honestos,
dedicados à causa pública. Em nosso projeto, bombeiros são
bombeiros na Defesa Civil, Médico-legista, perito criminal e
demais carreiras técnico-científicas pertencem ao corpo
funcional do Judiciário, qualquer é o órgão incumbido da
coleta de provas e oitiva de testemunhas.
Policiais do
corpo investigativo não vão mais se vestir como Rambo para
investigar. Vão constituir um corpo preparado que fará relatórios
circunstanciados de suas investigações. Num outro corpo da mesma
polícia, preventivo e ostensivo, os policiais usarão uniformes,
e não fardas. Um corpo treinado para evitar o crime, e não para
“caçar criminosos”. Uma força muito bem preparada,
devidamente capacitada para assegurar a tranquilidade pública e
sempre a serviço do Estado Democrático de Direito.
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