
São
Paulo na escuta
Marcos
Sá Corrêa <mcorrea@no.com.br>
O sociólogo Benedito
Domingos Mariano está inaugurando na prefeitura de São Paulo o
posto de ouvidor-geral. Com a função de recolher reclamações e denúncias
dos moradores sobre os serviços públicos, ele coordena uma equipe de
pouco mais de dez pessoas que já recebeu mais de oito mil telefonemas,
cartas e e-mails. A maioria se queixando do atendimento nos balcões da
administração municipal. Mas também faz parte de seu trabalho apurar
e depois passar adiante denúncias de corrupção. É mais ou menos o
que se espera da corregedora-geral Anadyr de Mendonça Rodrigues na República.
Mas Mariano diz que terá mais autonomia do que ela, sem contar que a
seu ver São Paulo é um ambiente menos poluído que Brasília: "A
prefeita Marta Suplicy não criou o órgão para fazer propaganda de seu
governo, mas realmente para fiscalizar a administração pública".
Nesta entrevista a Tito Montenegro, de no, ele
explica o que faz uma Ouvidoria:
A população tem muita queixa?
Benedito Domingos Mariano - Tem muita, sim, e reclamou bastante
nos três primeiros meses da ouvidoria. A maioria absoluta da nossa
demanda foi reclamação dos serviços públicos. Para mim, isso quer
dizer que a população estava ansiosa por um espaço para dar a sua
contribuição à melhoria da qualidade de vida na cidade. Esse tipo de
reclamação correspondeu a 81% das chamadas. Não foi surpresa. E no
começo tivemos dificuldade para dar respostas, porque a maioria dos órgãos
da prefeitura estava sucateada.
E a ouvidoria dá conta do serviço?
Mariano - No nosso relatório do primeiro trimestre, com os números
de fevereiro a abril deste ano, 62% das reclamações sobre serviços
foram concluídas ou estão em fase de conclusão. É uma demonstração
de que houve um esforço dos órgãos da prefeitura para responder à
ouvidoria e à população. E acho que isso vai ser uma constante. A
ouvidoria tem o objetivo principal de ser um espaço da administração
que vai ser rigoroso no combate a irregularidades e delitos e à corrupção
como um todo. Nós temos mais de 600 casos relacionados a crimes e
irregularidades administrativas graves em andamento e estamos
investigando mais de 700 servidores supostamente envolvidos. A maioria
desses supostos crimes teria acontecido em gestões anteriores, mas
esses funcionários ainda trabalham na prefeitura.
Por que ainda estão lá?
Mariano - Por várias razões. Uma delas é porque não houve o
encerramento das apurações ou porque o caso não foi apurado como
deveria. E essa vai ser uma das principais tarefas da ouvidoria:
agilizar procedimentos formais administrativos onde há indícios de
irregularidades graves ou crimes e, se comprovados, contribuir para que
haja a perda da função pública. Quem comete crime não pode ficar na
administração. Vamos ver se conseguimos tirar do serviço municipal o
servidor que usa a função pública para cometer irregularidades.
Quais são os maiores problemas?
Mariano - Do ponto de vista das denúncias de crimes, a gente
pode dizer que a propina ainda é uma questão grave. Existem ainda, na
administração, alguns setores nos quais há focos de corrupção. Pelo
que chegou da população, temos como referência as administrações
regionais, o serviço funerário e a estrutura do antigo PAS (Plano de
Assistência à Saúde), que acabou, mas as irregularidades ainda estão
presentes, pois as investigações não foram concluídas. Então, essas
têm sido as áreas prioritárias para nós. Nós já comprovamos dois
superfaturamentos de obras no serviço funerário, identificamos três
servidores envolvidos e já solicitamos a demissão e o processo
judicial para que o dinheiro desviado seja devolvido. Neste mês,
estamos encerrando um terceiro, que envolve uma quantia muito grande. E
estamos acompanhando outros vinte casos de enriquecimento ilícito,
improbidade administrativa e desvio de materiais na área de saúde.
Há resistência às investigações?
Mariano - No começo, os principais obstáculos foram com relação
aos serviços. Como a ouvidoria é um órgão novo e a capital de São
Paulo nunca teve um órgão de acompanhamento e controle da coisa pública,
o fato de encaminhar muita demanda para os órgãos de serviço causou
um estranhamento. Mas já no segundo mês eles viram é algo que veio
para ficar e que faz parte da natureza da administração pública esse
tipo de controle. E é a forma de a população interagir com o governo.
Então, temos notado que melhoraram muito as respostas. Nas questões
mais graves, de irregularidades e crimes, enfrentamos um obstáculo, que
é a cultura de morosidade nos trâmites disciplinares. Esses
procedimentos são lentos e não definem com rapidez o que a sociedade
espera. Há inquéritos administrativos, sobre servidores que podem
perder a função pública, tramitando há mais de dois anos. Há casos
de funcionários presos em flagrante há um ano e o processo ainda não
foi concluído.
O que pretende fazer nesses casos?
Mariano - Nós já estamos tomando uma série de medidas para
agilizar os procedimentos disciplinares formais nos casos graves
envolvendo servidores. Por isso, eu tenho a perspectiva de que até o
final de dezembro nós vamos ter dados objetivos envolvendo crimes de
servidores. Mas isso não depende só da ouvidoria. Há investigações
que podem demorar tempo. Para se ter uma idéia, o Ministério Público
e a Polícia investigaram durante três anos a máfia dos fiscais e o
processo ainda não está totalmente concluído. O nosso esforço é
criar mecanismos para dar mais rapidez a isso.
Como?
Mariano - Ao contrário da minha experiência na ouvidoria da Polícia
Militar, a prefeita Marta Suplicy quis que a ouvidoria geral pudesse
apurar as denúncias e não apenas encaminhar as demandas. É o que
chamamos de apuração preliminar. Ou seja, fazemos uma investigação
preliminar para comprovar ou não indícios de crime e fazemos relatórios.
Essa é uma contribuição para subsidiar a Procuradoria Geral do Município,
que é o órgão que tem a função de elaborar o procedimento
administrativo formal. Assim, eles já tem mais elementos para ter mais
rapidez. Na minha opinião, essa prerrogativa de apurar é fundamental,
pois foi graças a ela que conseguimos fazer dois flagrantes de
irregularidades.
Isso é para valer?
Mariano - Não tenha dúvida. A prefeita não criou um órgão
desses para fazer propaganda de seu governo, mas para fiscalizar
realmente a administração pública. E quis que o titular desse órgão
tivesse mandato. Isso é uma coisa inédita. Demonstra que o órgão vai
ter autonomia e independência para apurar qualquer irregularidade,
pequena ou grande. Acho que vai ser uma das marcas importantes na
cidade.
A corrupção é endêmica à administração municipal?
Mariano - O olhar do ouvidor é o olhar das pessoas que nos
procuraram - e foram mais de 8000 nesses primeiros três meses. Eu
percebi que as pessoas encaminharam poucas demandas com relação à
corrupção e nenhuma delas de crime que envolvia instâncias do
governo, ou seja, os administradores regionais, os secretários, os
presidentes de autarquias, os presidentes de empresas, enfim, os cargos
de confiança. Para caracterizar a corrupção endêmica seria preciso
existir um envolvimento estrutural do governo. E esse é o fato novo. A
questão da moralidade pública foi o principal termômetro que decidiu
a eleição aqui em São Paulo. Até agora, só pudemos identificar
focos de corrupção envolvendo o baixo escalão.
E as irregularidades na coleta de lixo? Elas não dizem o contrário?
Mariano - Eu acredito que não. Não se estabeleceu nessas denúncias
atos de ilegalidade. Você pode discutir as formas de se fazer, mas em
nenhum momento se duvidou da legalidade do ato. Tanto que a prefeita
encaminhou todos os 16 contratos para o procurador-geral de Justiça de
São Paulo. E, se houvesse alguma irregularidade, o chefe do Ministério
Público poderia investigar.
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