
A Cor de Maricón
Luiz Mott
Dois rapazes espanhóis
discutiam no aeroporto de Santiago de Compostela. O mais jovem e
educado, 20 anos, tipo galego de cabelo claro, vestia casacão
vermelho. O outro, beirando os 30, tipo cigano, cabelo escuro e
escorrido, trazia camisa social cor mostarda e uma gravata com o nó
não apertado, estilo cafetão. Este, exaltado, reclamava porque o
outro havia dito não sei exatamente o quê, era "cor de
maricón". Este simples comentário feriu profundamente os
brios do cafetão machista, provavelmente por ter gostado de
alguma coisa que viu nas vitrines do aeroporto: uma camisa, uma
sunga ou casaco de cor mais viva que seu colega identificou como
sendo cor de bicha.
Se prestarmos atenção, de fato, na natureza, as cores são
neutras, assexuadas ou bissexuais. Tanto o papagaio macho quanto a
fêmea têm as mesmas cores: verde, amarelo, vermelho e algumas
penas azuis. A cor rosa é idêntica nos flamingos dos dois sexos.
E, para dizer a verdade, quando há diferenciação de cores entre
os sexos, via de regra os machos ostentam cores mais vivas,
vibrantes e fechativas do que as fêmeas: o pavão, a ave do paraíso,
o canário belga e mesmo o galo, são exemplos de que a natureza
carregou mais nas cores masculinas. A cor dos machos está mais próxima
da cor de maricón.
Entre os humanos, ou melhor, em algumas culturas, talvez na
maioria delas, observa-se o contrário do que sucede entre os
animais inferiores: as mulheres são muito mais coloridas do que
os homens. Pintam o rosto, os lábios, os olhos, as unhas das mãos
e dos pés; nalgumas sociedades, fazem tatuagens no rosto e mãos,
usam roupas coloridas, cabelos pintados, jóias com metais e
pedras brilhantes. Aos homens, na nossa cultura, tradicionalmente
reservaram-se as cores escuras: preto, cinza, marrom, sem pintura
no rosto, só um relógio no pulso.
Nem sempre, porém, foi assim, e nem todos os povos limitaram
tanto o acesso dos varões às cores vivas, maquiagem, enfeites e
jóias. Antigamente, entre os nobres da Europa, Ásia e África,
mesmo entre os índios das três Américas, as roupas dos homens
eram multicoloridas, abundavam os brincos, perucas, leques, muita
renda, pluma e brilho.
Portanto, cor de homem, de mulher ou de gay, não é determinada
pela natureza, mas por convenções culturais, que variam de
sociedade para sociedade e ao longo do tempo dentro de nossa própria
cultura. O preto, que era sinal de luto no tempo de nossos pais,
hoje virou dark e chic. Segundo os sexologistas dos anos 30, só
os frescos usavam cor verde no Brasil cabendo-nos, portanto, o
destaque de precursores do movimento ecologista tupiniquim...
Qual seria, então, a cor de maricón que tanto irritou o tal cara
de cafetão espanhol? Nas últimas décadas, duas cores passaram a
identificar internacionalmente o universo homossexual. Primeiro, o
rosa, mais precisamente o triângulo rosa, que foi o distintivo
utilizado pelos nazistas para identificar os homossexuais nos
campos de concentração. Hoje, nas principais cidades ocidentais,
basta colocar um triângulo rosa na porta de um estabelecimento
comercial ou na lapela, para que as pessoas os identifiquem como
homossexual.
A cor púrpura também é usada em certos ambientes como símbolo
gay, por representar a síntese do azul-masculino com o
vermelho-feminino. Nos últimos 30 anos, contudo, o arco-íris
tornou-se o principal símbolo de gays e lésbicas suas seis cores
representam à diversidade e pluralidade cultural, sexual, étnica,
que todos aspiramos na construção do novo mundo.
Atualmente, após a revolução sexual dos anos 60 e a expansão
da moda unissex, as cores perderam muito de sua rigidez sexista, não
sendo raro encontrar "homens de verdade" usando camisas
com cores vivas: vermelho, amarelo, mesmo rosa ou púrpura às
vezes estampados com flores e outros motivos inimagináveis por
nossos pais e avós.
A reação nervosa do tal espanhol metido a macho contra a cor de
maricón reflete a insegurança daqueles que ainda estão presos a
valores e estereótipos sexistas, que sentem sua virilidade ameaçada
por usar algum objeto mais colorido que poderia estar associado à
estética gay. Freud explica tamanha limitação, que afasta do
universo masculino as multicores do arco-íris, a delicadeza,
sensibilidade e o jogo de cintura tão característicos da cultura
gay internacional. Uma lição de versatilidade que nós gays
temos de ensinar aos machões trogloditas.
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