
EM
DEFESA DO HOMOSSEXUAL
Luiz Mott
Mais de uma vez tenho defendido o
uso do termo homossexual e criticado aqueles que querem
substituí-lo por homoerótico ou simplesmente abolí-lo. Volto à
carga, esperando agora convencer os mais resistentes, mostrando
que é politicamente muito mais correto continuar usando este
termo, que, além de universal e histórico, reúne todas as
aspirações dos defensores dos direitos de cidadania deste
segmento social.
Dois são os argumentos usados
contra o uso da palavra homossexual: 1o]
o termo foi inventado pelos médicos com o objetivo de patologizar
a prática do amor entre pessoas do mesmo sexo; 2o]
qualquer rotulação sexual é uma camisa de forças contra as
ilimitadas nuances da sexualidade humana.
Começo pelo segundo argumento:
querendo ou não, o ser humano, ao menos no Ocidente, necessita de
rótulos para se situar no mundo — homem/mulher; branco/negro;
adulto/criança; ateu/religioso; casado/solteiro etc, etc. Rótulos
ou classificações ajudam-nos a afirmar nossa identidade pessoal,
a nos defender contra eventuais opositores e facilitam nosso
processo de socialização. Já que a luta de classes é uma
realidade inegável, adotar livremente um rótulo é um ato de
cidadania, prova de consciência e estratégia de sobrevivência.
Os critérios de classificação ou
rotulação é que podem ser discutíveis, sobretudo se são
impostos pelos donos do poder a fim de manter a galera dominada. A
inquisição portuguesa dividia nossa sociedade em cristãos-velhos,
portadores de sangue puro, e os cristãos-novos, de sangue impuro.
Os nazistas pretenderam ser "raça superior" e chamaram
os não arianos, "raça inferior". Rótulos abomináveis,
pois baseados em mentiras e visando a opressão, ambos redundando
em massacres, tanto de judeus quanto de sodomitas, primeiro na
fogueira, depois nos fornos crematórios. Não ocorre o mesmo com
os termos homossexual, gay e lésbica, posto que foram inventados
e aprovados pelos próprios interessados, os homossexuais.
No que se refere à sexualidade
humana, desde priscas eras, homens e mulheres amantes do mesmo
sexo se identificavam e foram identificados com rótulos específicos
— entre os gregos, o amante mais jovem era o erómenos e
o mais velho, erastes. Uma classificação neutra, que não
ofendia, não segregava, mas que descrevia o papel de cada
parceiro na interação sexual. Portanto, negar a validade de se
auto-rotular ou adotar rótulos socialmente aceitos, equivale a
negar o direito de milhares, milhões de seres humanos de se
auto-afirmarem diferentes: os negros conscientes querem ser vistos
e tratados como negros; eu sou homossexual e quero ser visto e
tratado enquanto homossexual.
Quanto aos termos homossexualidade
e homossexualismo, diferentemente do que Foucault, Peter Gay e vários
outros autores escreveram, e que alguns militantes desinformados
continuam repetindo, não foram inventados por um médico com
vistas a reprimir os praticantes do "amor que não ousava
dizer o nome".
A verdade histórica, já
comprovada desde os inícios dos anos 80, e também por mim
repetida há vários anos na mídia, é que o inventor dos termos
homossexual e homossexualismo não foi um médico, e sim o
jornalista e advogado húngaro, Karol Maria Kertbeny, que
escreveu este conceito pela primeira vez nos jornais em l869. E
por que motivo? Exatamente para lutar contra o parágrafo 175 do Código
Penal Alemão, que condenava os praticantes do amor do mesmo sexo
à prisão com trabalhos forçados.
Para proteger sua pessoa e conferir
maior respeitabilidade à defesa desta minoria discriminada,
Kertbeny usou o pseudônimo de Dr. Benkert, embora nunca tivesse
sido médico. Aí está o erro de Foucault e de quantos criticam o
termo homossexual como sendo uma invenção estigmatizante da
classe médica. Há estudos cuidadosos que comprovam que Kertbeny
era um militante pelos direitos dos homossexuais — embora ainda
não se saiba se era ou não praticante do "uranismo",
outro termo igualmente usado naquela época para designar nossos
antepassados gays.
Quanto ao termo homoerótico
— proposto por alguns como substituto do homossexual —, convém
lembrar que este conceito, sim, foi inventado por um médico, também
húngaro, Dr. Ferenczi, e propagandeado no Brasil — e apenas
aqui — por outro médico autodeclarado heterossexual, Dr.
Jurandir Freire Costa, pernambucano residente no Rio de Janeiro.
Fico chocado ao ver militantes gays
entrarem nesta canoa furada de dois médicos que reduzem a
homossexualidade tão somente a momentos de atos eróticos. É
expressa má-fé, ou, quando menos, condenável miopia
intelectual, ignorar que, para milhões de seres humanos que amam
predominantemente ou exclusivamente o mesmo sexo, ser gay ou lésbica
é muito mais do que transar de vez em quando com o mesmo sexo,
implicando tal orientação sexual uma identidade, afirmação,
estilo de vida e, por que não?, um projeto civilizatório
alternativo, que podemos chamar de cultura homossexual.
Se, para alguns bissexuais ou
homossexuais egodistônicos, a homossexualidade restringe-se a
poucos instantes de relações homoeróticas, respeitamos o
direito destes indivíduos de viverem no limbo, metá-metá,
no pântano da indecisão. Mas, para nós, lésbicas e gays
assumidos e militantes, ser homossexual é muito mais do que
transar de vez em quando com bofes, michês e bofonecas mal
resolvidas: somos portadores de uma orientação sexual, cuja
causa ainda é desconhecida pelas ciências, e que, no fundo, não
nos interessa saber se manifestamos essa tendência existencial
por influência genética, psicológica ou social, pois estamos
contentes com nossa preferência sexual.
E, caso pudéssemos escolher, hoje,
conscientemente, a maioria de nós, homossexuais felizes, apesar
de toda discriminação e homofobia de médicos e policiais, que não
respeitam sequer como queremos ser chamados, escolheríamos com
certeza ser homossexuais e não apenas homoeróticos, ou nos
perdermos no brejo dos desclassificados.
É legal ser
homossexual!
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