
De mal a pior
QUAL a
principal função de um tribunal supremo numa Federação?
Julgar, de acordo com a Constituição, os conflitos entre as
unidades federadas. QUAL tem sido, porém‚ a função efetiva do
Supremo Federal na Federação brasileira? Acomodar a constituição
às conveniências particulares do presidente da República em
suas disputas pessoais com governadores.
Qual o
primeiro requisito exigido de um juiz de um tribunal supremo numa
Federação? A total independência em relação à
autoridade federal que o nomeou, porque assim poderá julgar
imparcialmente os litígios que a opõem às autoridades de outra
unidade federada.
Qual é, porém
o primeiro requisito exigido na atual Federação brasileira de um
ministro do STF? A absoluta fidelidade ao presidente da República.
O mandato
de segurança impetrado pelo governador de Minas contra a
decisão do presidente da República de enviar um destacamento do
Exército para defender a propriedade rural de seus filhos foi
distribuído, no Supremo Tribunal Federal, ao único ministro
daquela corte nomeado pelo atual presidente. Resultado
infeliz do sorteio a que deve ser submetida a distribuição de
todos os processos nos tribunais?
Esperemos que sim.
De qualquer maneira é lamentável
que o feito tenha sido distribuído justamente
àquele que passou pelas mãos do presidente, diretamente do
Ministério da Justiça ao Supremo Tribunal Federal. E que logo
depois fez questão de posar de calção de banho junto de seu
dileto amigo numa ilha do litoral fluminense. Mais lamentável
ainda é que esse ministro, relator sorteado do processo, não
tenha tido, para dizer o mínimo, a prudência elementar de se
declarar, pela notória ausência de imparcialidade, impedido para
julgar o caso.
A verdade é que
as perspectivas futuras nesse setor institucional não são nada
promissoras. Se até o final de seu mandato o presidente não
sofrer o infortúnio que acaba de vitimar seu amigo Alberto
Fujimori, ele terá nomeado mais da metade dos componentes
tribunal que tem por missão precípua a guarda da constituição.
Dir-se-á que, quando isso
acontecer, Fernando Henrique Cardoso já não estará ocupando o
Palácio do Planalto. Mas a questão não é tão simples assim. O
presidente e os membros de seu governo não têm nem nunca tiveram
política própria. Todos eles servem – e
quão fielmente! – aos interesses dos homens do dinheiro, aqui e
no exterior, sob pretexto de que não há outra alternativa no
mundo de hoje. Ora, as classes e os países dominantes têm, como
reconheceria o Conselheiro Acácio, uma existência muito mais
prolongada do que a duração dos mandatos governamentais ou mesmo
dos governos sem mandato popular. Os governantes entram e saem,
mas as macroempresas, nacionais ou transnacionais, continuam a
desfrutar de um poder decisório incontrastável na vida política
do país, com ou sem eleições.
Poucos se dão conta de que os
personagens menos confiáveis do nosso teatro político aos olhos
dos produtores e diretores da peça encenada são os juizes e os
membros do Ministério Público. Esse ponto
delicado, essas as peças mais frágeis da maquinaria
institucional. No Brasil, as classe dominantes já aperfeiçoaram,
há muito o esquema de controle do Executivo e do Congresso
Nacional. Mas apesar de seus esforços, ainda não lograram
eliminar de todo o grave risco de uma real independência do
Judiciário e do Ministério Público.
Sem dúvida, até agora, esse
risco tem sido bem administrado. A maioria
esmagadora das 36 emendas à Constituição de 1988 (com perdão
da parcimônia) beneficiou o meio empresarial. As empresas que
constituíam patrimônio do povo, e não do Estado, foram
alienadas quase que exclusivamente para grupos estrangeiros,
alguns deles sob controle de seus respectivos Estados. O povo, de
onde todo poder emana segundo o refrão constitucional, não foi
obviamente consultado. Em nenhum desses episódios o nosso
tribunal supremo, com a ressalva dos votos dissidentes de alguns
poucos e bravos ministros, encontrou alguma irregularidade ou
abuso a condenar.
De todo modo, o
risco de independência permanece, sobretudo na base do Judiciário
e do Ministério Público. Daí porque tem se alongado a fila de
emendas, de projetos de emendas constitucionais, de leis, de
medidas provisórias e até de portarias e de alterações de
regimento interno com o objetivo de reduzir competência de
magistrados, promotores e de procuradores de primeira insistência
– ou mesmo dos tribunais inferiores.
A continuarmos nesse ritmo,
dentro em pouco não haverá outra alternativa senão a do velho
poema de Manuel Bandeira: só mesmo tocando um tango argentino.
*advogado, doutor pela
Universidade de Paris, Professor titular da Faculdade de Direito
da USP, fundador e diretor da Escola de Governo e autor , entre
outros livros de " A afirmação Histórica dos Direitos
Humanos! (Saraiva).
* o grifo é do
coordenador da HP
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