
“
FHC deveria ser julgado por um tribunal popular
por suas traições
a soberania nacional...”
Entrevista
com o jurista Fábio Konder Comparato
ao jornalista
Nilton Viana, em 9 de março de 2001,
(Jornal Sem Terra)
JST
– Vivemos hoje um momento de intensa instabilidade política
e moral das elites brasileiras. Assistimos, todos os dias, cenas
deploráveis de acusação de suborno, corrupção e todo o tipo
de escândalo que envolve, inclusive o presidente FHC. Que análise
o senhor faz do país nesse momento? É apenas uma crise política
ou é uma crise de instituição?
Fábio
Comparato – O mais importante
é ver, sentir o que está na profundidade das coisas. E o que eu
vejo é um fato da maior importância que é a mudança na composição
das classes dominantes. Nós tivemos, sempre, uma dualidade de
classes dominantes, uma mais antiga e outra mais recente.
Durante
todo o Império, praticamente até a Revolução de 30, foram os
proprietários rurais e os comerciantes de exportação. Proprietários
rurais era a classe mais antiga; os comerciantes de exportação
mais recente, a mais moderna.
A
partir de 1930, houve uma mudança nisso porque os comerciantes de
exportação, importação, aqueles que cuidavam do comércio
exterior, cederam lugar para os industriais. A industrialização
do país a partir de 1930, mudou inteiramente o nosso perfil econômico
e social. Acontece que hoje a classe industrial deixou de ser,
deixou de estar em primeiro lugar no esquema de dominação e
cedeu essa posição para os banqueiros e os empresários do
sistema financeiro.
Essa
é a primeira grande modificação, mas no bojo dela uma segunda
modificação que talvez seja inédita na história do Brasil
independente. Pela primeira vez na nossa história, uma das
classes dominantes já não é mais nacional, é estrangeira. Isto
é importante você considerar porque todas as grandes decisões
políticas e econômicas neste país, bem ou mal, foram tomadas em
função dos interesses da classe dominante, que era nacional.
JST
– O que o senhor está dizendo com isso é que, de certa
forma, a elite
brasileira mantém uma posição de subordinação que é na
verdade uma herança do período colonial?
Fábio
Comparato – É, de
certa maneira é uma volta a posição inicial de subordinação
do país aos interesses estrangeiros. O que nós precisamos
considerar é que esta introdução... ou é melhor promoção do
empresariado financeiro, a posição de classe hegemônica, ela
está estreitamente ligada à globalização.
Os
industriais têm no Brasil quase que instintivamente uma posição
nacionalista. A reserva de mercado foi que os criou. Não havia
classe industrial no Brasil. Quando se estabeleceu a reserva de
mercado, ou seja, só se pode, não se pode importar aquilo que já
é feito no país, a classe industrial foi instituída pelo próprio
governo e ela prosperou.
Pois
bem, os industriais, ou melhor, os empresários do sistema
financeiro, muito ao contrário, eles são intrinsecamente ligados
ao estrangeiro. Como é que eles prosperam? É justamente entrando
no campo das finanças internacionais.
Qual
é a sua matéria prima? É dinheiro. São recursos financeiros.
Ora, esses recursos financeiros estão abundantemente no mercado
internacional. Estão escassamente no mercado brasileiro. Com a
abertura das fronteiras para a passagem dos capitais, mas não dos
trabalhadores, ficou mais do que evidente que os bancos nacionais,
se eles quisessem continuar a operar, eles tinham que se ligar ao
estrangeiro.
Então,
hoje nós podemos dizer que todo o setor do empresariado
financeiro é dominado pelo estrangeiro, seja diretamente, seja
por associação. O Banco Itaú, por exemplo, acaba de anunciar
que recebeu empréstimo de 275 milhões de dólares porque ele
entrou em um consórcio que eles chamam, usando a palavra inglesa
mal traduzida, um sindicato, com 27 outros bancos internacionais.
Por
outro lado, o próprio setor industrial brasileiro foi, em grande
parte, talvez na sua maior parte, alienado para o estrangeiro.
Veja,
as privatizações pegaram o quê? Pegaram setor de
infra-estrutura: mineração, telecomunicações, energia elétrica
e agora estradas. Quem é que está dominando agora esses setores?
É em 80% dos casos os estrangeiros.
JST
– Diante disso, podemos dizer que a elite brasileira abandonou
completamente a possibilidade de se construir um projeto nacional?
Porque ela tinha, bem ou mal, um projeto nacional
desenvolvimentista...
Fábio
Comparato – Claro. Não
podemos achar, como era de fato verdade, que se tratava de um
projeto oligárquico, um projeto de concentração de renda para
eles da classe dominante. Mas era nacional. Agora nem isso.
JST:
Mas por que a elite brasileira abriu mão de se ter um projeto
nacional?
Fábio
Comparato – É. Então
eu acho que é isto que está na base de todas as perturbações
da superfície: é chamada crise política, porque toda,
modificando-se esses fundamentos da vida econômica e social, é
preciso modificar a cúpula, ou seja, o sistema político. Se o
esquema das classes dominantes atualmente já é dominado pelo
estrangeiro, é claro que eles vão ter, eles querem decidir o
futuro político do país, não só quem vai governar, mas qual a
organização constitucional que o país deve ter.
Quando
eu falo de organização constitucional, eu penso em tudo aquilo
que é mui, em relação ao qual as classes dominantes
estrangeiras agora são muito sensíveis, por exemplo, Banco
Central. Porque esta discussão a respeito da autonomia ou não do
Banco Central? Porque autonomia do Banco Central, eles traduzem o
seguinte: submissão direta ao Fundo Monetário Internacional. Por
que? Porque suponhamos que haja um acidente político e devido a
divisão da direita, seja eleito alguém da esquerda. Eu acho
muito pouco provável, mas é um risco.
E
se isso acontecer, é preciso preservar esse núcleo duro, que o
presidente não tenha poder de interferir nessa área.
JST
– Por que o senhor acha tão
difícil mudar a situação atual?
Fábio
Comparato – Porque
com o passar do tempo houve uma concentração abusiva de poderes
na presidência da República. O presidente da República hoje
legisla facilmente, abundantemente, sem nenhum controle dos
tribunais, ele tem um esquema de controle do parlamento, que já
provou, já manifestou a sua força, a sua resistência e que é
basicamente a concessão de favores orçamentários. O parlamento
hoje é dirigido autoritariamente pela mesa de cada uma das Casas,
não é por outra razão que o presidente da República quer ter a
última palavra na eleição do presidente do senado ou da câmara
dos deputados, porque o presidente das duas Casas é o seu homem
no controle do parlamento.
Os
plenários foram esvaziados, eu sou velho, sou de uma época em
que o plenário da câmara dos deputados no Rio de Janeiro atraia
gente. Todos os havia gente que ia assistir os debates, hoje os
plenários são inteiramente esvaziados, não acontece nada de
importante, tudo depende de uma decisão da mesa e a mesa é
dirigida por mão de ferro pelo presidente das duas Casas.
O
Judiciário está sendo cada vez mais enquadrado e é preciso que
se saiba que o projeto de reforma do Judiciário brasileiro está
em curso no Congresso Nacional e tem como origem um documento do
Banco Mundial.
Então,
tudo isso mostra que eles não podem perder a presidência da República.
A rigor, em uma visão catastrófica, eles poderiam perder todos
os governadores de estado, que evidentemente não ocorre porque
pelo menos 2/3 dos governadores dos estados estão nas mãos
deles, que é o Brasil antigo, o Brasil arcaico.
Se
eles conservarem a presidência da República, vai continuar tudo
substancialmente na mesma.
JST
– Essa análise que o senhor faz é mais do ponto de vista
institucional. E do ponto de vista popular? Por exemplo: a situação
do país se agrava cada vez mais, a chamada globalização,
neoliberalismo, está impondo às camadas pobres cada vez miséria,
com desemprego crescente, violência. Com esse modelo, aonde a
gente tende a chegar? Não temos alternativas?
Fábio
Comparato – Bom, aí
é que está. O que é preciso entender é que no esquema atual de
poderes ou como dizem os comunistas: na atual correlação de forças,
expressão que eles adoram usar, não é com as eleições que nós
vamos modificar esse esquema. A não ser que por um golpe de sorte
ou um acaso extraordinário, um presidente da direita tivesse uma
pane mental ou mudasse subitamente e dispondo de todos os poderes
que ele já tem, ele fizesse uma modificação em profundidade no
país contra o esquema dominante. Mas, mesmo assim isto, pelo
menos a parte do legislativo seria bloqueado porque nós não
temos hoje condições de ter na câmara dos deputados e no senado
federal uma maioria favorável as transformações do país.
É
claro que se dirá: bom, isso aqui só desemboca na revolução? Não
se sabe, eu entendo que o esclarecimento contínuo da opinião pública
sobre do que está acontecendo, acaba levantando o Povo a pensar.
JST
– Daí justifica-se, por exemplo, porque esse governo manda e
desmanda, cometendo dezenas de improbidades administrativas,
inclusive utilizando-se abusivamente do uso de Medidas Provisórias
para impor ao país arbitrariamente esse modelo. No entanto, mantém-se
firme no poder...
Fábio
Comparato –
Olha, em política não há espontaneidade e nada
funciona sem organização. Política é uma ação coletiva
organizada e o MST sabe disso. E todo sucesso do MST vem dai. Ele
soube organizar a ação coletiva.
De
modo, o que se espera é que apareça algo que seria como um
partido político, pode não ter esse nome, pode não ter esta
qualificação jurídica, uma entidade ou um organismo capaz de
dirigir a ação popular, é como se nós tivéssemos um rio
caudaloso que em si poderia gerar muita energia, mas ele só poderá
chegar a esse resultado se ele for represado.
Quer
dizer, a simples rebelião popular ou desespero, não conduz
absolutamente a nada.
Eu
acho que nessa falta de uma perspectiva global, é preciso que a
gente se agarre com unhas e dentes aos esquemas que estão
funcionando. A organização do MST está funcionando e ela tem
conseguido vitórias extraordinárias contra esse esquema político
dominador.
Então,
enquanto nós não enxergarmos uma solução global, nacional, que
saia do campo, que não fique apenas em um setor da vida social, nós
temos que continuar aperfeiçoando esses movimentos que estão
funcionando. Temos que dar todo apoio a eles.
JST
– O senhor acha que os protestos como o de Seatle (EUA), e
organização como o Fórum Social Mundial que ocorreu em Porto
Alegre, são manifestações de esperança e de alternativa
concreta ao neoliberalismo?
Fábio
Comparato – É, essa
tendência é muito forte e ela progrediu muito no estrangeiro e
está progredindo muito no Brasil e é um pouco por aí que nós
podemos esperar, dai que nós podemos esperar uma solução.
Porque todo o trabalho dos que estão no poder é se justificarem,
é uma auto-justificação.
Qual
é o grande argumento deles? É que a globalização, o
neoliberalismo, é uma fatalidade, é como se fosse uma força da
natureza contra a qual nós somos impotentes. Eles dizem que não
se trata de saber se o neoliberalismo é justo ou injusto, ele é
simplesmente indispensável, como se fosse uma mudança climática,
como se fosse um terremoto.
E,
o que aos poucos nós, aos poucos tem conseguido no Brasil e no
estrangeiro, é mostrar que tudo isso é falso, que se trata de
uma política deliberada, consertada pelas grandes potências,
notadamente pela principal delas que é os Estados Unidos, e que nós
somos as vítimas designadas, escolhidas por eles, porque não há
outra maneira de fazer funcionar o capitalismo, senão o maior
exclusão social.
O
esquema, aí sim, é quase que necessariamente um esquema de
empobrecimento. Todo método de funcionamento do capitalismo é
aumento da lucratividade para que haja aumento da concentração
de capital. Como é que eles conseguem isso?
De
dois lados. Internamente explorando os trabalhadores; externamente
explorando os consumidores. Não há mistério nenhum nisso.
Quando
um grande laboratório produz um remédio contra AIDS, de onde é
que ele vai tirar os lucros para poder amortizar o capital
investido? Evidentemente no consumidor.
JST:
O senhor acha que o sistema capitalista está chegando ao seu
estágio final? Há um esgotamento no modelo?
Fábio
Comparato: Eu acho que
há uma probabilidade séria de crise e a razão é simples. É
que nesse esquema lunático, demencial do capitalismo eles estão
sendo levados, os empresários que dominam a economia mundial, a
duas etapas sucessivas, que são totalmente absurdas. Primeira, é
produzir sem trabalhar, e qual é o ideal? É não ter custo
nenhum de trabalho. Como eles não põem voltar a escravidão,
eles procuram investir cada vez mais em produção, em automação.
Ou seja, dispensa do trabalhador não qualificado. E o emprego de
mão-de-obra qualificada, o mínimo possível.
Todo
esquema marxista foi fundado na exploração do trabalhador.
Acontece que agora eles estão simplesmente dispensando o
trabalhador.
E
o segundo momento terrível, é lucrar sem produzir...
JST-
Que é a
especulação financeira, o capital flutuante...
Fábio
Comparato – Exatamente.
Veja, em uma, isso já foi dito, há vários anos que vem sendo
dito e os números devem ter aumentado muito. Mas, o que se dizia
é que todos os dias no mercado monetário, mercado de capitais e
no mercado de futuros, ou seja apostas, o que será o dólar amanhã,
o que será o yene, etc. Circulam todos os dias um bilhão e meio
de dólares, que é uma vez e meia o produto nacional brasileiro.
Todos os dias.
Ora,
nem 10% dessa quantia fabulosa é utilizada para transações:
compra e venda internacional ou para investimento.
Eles
estão empinando papagaio na expectativa de que haja sempre
ventos, de que haja sempre a possibilidade de ele continuar no ar.
JST
– O FMI e o Bird (Banco Mundial) informaram aos 12 países
mais pobres da África ser impossível cancelar integralmente o
pagamento de suas dívidas, alegando que as instituições
ficariam "sem caixa" para promover novos empréstimos. O
que o senhor pensa
sobre a dívida externa brasileira?
Fábio
Comparato – Eu acho
que a única solução é não pagar, aliás a dívida é em si, a
nossa posição é de devedor insolvável. Nós não temos condição
de pagar. O que nós estamos fazendo é aumentar cada vez mais a
dose do analgésico. Chega um momento em que não dá mais para não
sentir dor, nós vamos sentir dor o tempo todo. Ou, se quiser, uma
outra imagem muito mais próxima do capitalismo predatório, nós
estamos nos intoxicando cada vez mais. Consumismo drogas em
quantidades cada vez mais elevadas para ter o mesmo efeito eufórico.
JST
– Como o senhor analise esse governo, esses seis anos de governo
Fernando Henrique Cardoso? Qual é a grande responsabilidade desse
governo?
Fábio
Comparato – Olha, a
grande responsabilidade do governo Fernando Henrique Cardoso não
é ter levado a uma piora da situação econômica e social do país.
Outros governos no passado conduziram a esse resultado, o que é
imperdoável, o que constitui um crime histórico, notável na
história brasileira, foi a entrega desse país ao estrangeiro, de
pés e mãos atados.
Esta
é uma ação infinitamente mais danosa que todas as corrupções.
O sujeito que se apossa de dinheiro público, ele comete um crime,
mas é um crime de efeitos limitados, nós sabemos do quanto,
quanto foi retirado do povo e tornado propriedade particular.
Mas,
a alienação do país, a submissão do país ao estrangeiro é um
crime de conseqüências incalculáveis, de modo que se um dia, o
que eu espero, nós viermos a ter um governo de reconstrução
nacional, é indispensável que todos esses homens, se ainda
estiverem em vida, que eles sejam processados perante um tribunal
popular e condenados a indignidade nacional. Se eles já tiverem
morrido, os atos deles serão julgados e a memórias dele deve ser
marcada com esta condenação de indignidade nacional.
Porque,
há na vida dos povos algo que é muito importante, que não tem
um aspecto material, é a sua auto-estima, isso para qualquer
pessoa é também importante.
Se
nós não tivermos a oportunidade de ajustar as nossas contas com
esses traidores da pátria, nós vamos continuar sempre nos
desprezando como povo, eu espero que isso não aconteça.
JST
– O senhor acha viável a construção de um projeto popular —
alternativo ao modelo neoliberal — para o Brasil. É uma saída
tentarmos construir um Projeto Popular para o país?
Fábio
Comparato – O
projeto é indispensável, mas ele não dispensa uma organização
capaz de liderar a ação popular, e é disso que nós precisamos.
Este projeto precisa feito, e não é difícil faze-lo, e seria
missão das universidades, se as universidades não fossem tão
negligentes e medíocres como elas são, mas na ausência de uma
iniciativa das universidades eu acho que os movimentos sociais, a
começar pelo MST poderiam encabeçar esse, poderiam tomar essa
iniciativa e criar um grupo amplo e variado de pessoas capazes de
elaborar esse projeto nacional.
JST
– Mas o MST e diversas entidades e organizações já
iniciaram um amplo debate denominado Consulta Popular, com o
objetivo de se construir um Projeto Popular para o Brasil. Tem-se
dado esses debates, essas discussões em vários sindicatos, paróquias,
universidades ...
Fábio
Comparato – Agora a
gente precisa não errar no método, a Consulta Popular é
indispensável mas não é ela que vai desembocar num Projeto
Popular. O Projeto na verdade é de desenvolvimento nacional. Nós
precisamos ouvir o povo em duas fases: agora, porque nós não
sabemos exatamente os males que o povo sofre, nós achamos que
conhecemos mas nós não conhecemos, então é preciso fazer algo
que foi feito logo antes da Revolução Francesa, que era ouvir o
povo, justamente você falou em paróquias, como não havia
organização, distritos ou circunscrições políticas, era nas
paróquias. Nas paróquias o povo vinha e fazia suas queixas, então
foram levantados aquilo que eles chamavam de cadernos de queixas
do povo, um levantamento magnífico e a partir daí que os homens
de cima tomaram conhecimento da real situação do povo, isso é a
primeira fase. A segunda fase vai ser a seguinte, depois de esboçado
esse projeto de desenvolvimento nacional, ele precisa ser
discutido de novo com a base, e aí ele precisa ser corrigido
pelas observações que o povo vai fazer.
JST
– E depois pensar a forma de ir implementando-o...
Fábio
Comparato – Aí é
que é o mais difícil. Mas eu acho que a partir do momento que um
projeto bem feito é montado ele acaba surtindo efeito, ele acaba
provocando uma mudança, porque, eu tenho formação cristã e me
lembro sempre de uma frase muito importante do evangelho, “A
verdade nos libertará”. E no momento que é apresentado o
projeto, todos sentem que a solução está aí, e aí vai ser
impossível abafá-lo.
JST
– Que opinião o senhor tem sobre o Ministério Público? O
senhor acredita que ele ainda é um importante instrumento de
garantia da cidadania?
Fábio
Comparato: Ele fez
grandes progressos, tanto nos Estados, quanto na união, e o
Ministério Público é uma peça chave para a democratização do
país, é por isso que ele está sendo cada vez mais atacado pelo
esquema das forças dominantes. Se nós tivéssemos o Ministério
Público e a Magistratura do nosso lado seria muito difícil
continuar explorando o povo. O que acontece é que nós não temos
ainda, mas é preciso trabalhar com o Ministério Público, com os
Magistrados, na Escola de governo por exemplo, nós recebemos com
a maior alegria membros do Ministério Público e Magistrados, mas
é preciso que todos os movimentos sociais tenham um diálogo
permanente com o Ministério Público e a Magistratura, por
exemplo, a Magistratura em São Paulo, a Cúpula do tribunal tem
um preconceito muito grande contra o MST, é preciso vencer isso,
isso se vence pelo diálogo,s e o MST não tem possibilidade de
dialogar diretamente, que esse diálogo seja feito por intermédio
de outras pessoas que tenham acesso ao tribunal. Eu estou a
disposição para isso.
JST
– E sobre o Poder Judiciário. Que avaliação o senhor faz?
A impunidade no país é culpa exclusivamente do Judiciário? Por
exemplo, agora em abril completar-se-á cinco anos do massacre de
Eldorado dos Carajás e até agora ninguém foi punido. Ou seja,
esse é apenas um entre tantos outros casos de impunidade no país.
Fábio
Comparato: Não. O
principal responsável por esses casos é sempre o Executivo que
faz pressão sobre o Judiciário, e faz pressão sobre o Ministério
Público. Se o Executivo quisesse já teria havido julgamento,
certamente... Obviamente que ele não quer. Ele não quer por que
há muito custo no caso em Eldorado dos Carajás, o governador do
Estado tirou a cabeça do cutelo obviamente o governador era o
responsável, então ele não quer que se amplie a coisa. O grande
responsável é o Executivo. Nós estamos vivendo um regime de
progressiva concentração de poderes, de democracia o nosso
regime político só tem o nome.
JST
– Então nós não vivemos numa democracia?
Fábio
Comparato – Certamente
não.
JST
– Com relação à imprensa, podemos dizer que vivemos numa
ditadura de imprensa?
Fábio
Comparato – A
imprensa é auxiliar desse estado de coisa, mas o verdadeiro
centro de poder está no Executivo que é por sua vez um delegado
das classes dominantes. Fernando Henrique Cardoso não tem o menor
prestígio político nem mesmo prestígio pessoal. Quando ele sair
do governo ele vai viver totalmente isolado, ele perdeu grande
parte dos amigos que ele tinha e ele só fez inimigos no governo,
de modo que a figura dele parece nitidamente como fantoche. Ele é
um...
JST
– Mas porque ele se mantêm no poder?
Fábio
Comparato – Ele se
mantém no poder porque favorece as classes dominantes, porque ele
é simplesmente o Pau-mandado delas e ainda tem aquela expressão
de intelectual ou seja ele é um bom ator para isso. Mas, todo
papel lhe é fornecido, o script é todo dado, ele só faz a
representação, é por isso que ele sai do país, ele vai um
pouquinho respirar no estrangeiro ele só diz bobagem, é que
esqueceram de dar o script para ele.
quarta-feira, 10 de julho de 2002
Fábio
Konder Comparato nasceu em Santos (SP) em 1936. É Doutor Honoris
Causa da Universidade de Coimbra (Portugal), Doutor
em Direito da
Universidade de Paris (França) e Professor Titular da USP
(Universidade de São Paulo).
Idealizador e diretor da Escola de governo da USP.0
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