
Humor negro
Por Eduardo Galeano *
Montevidéu, maio/2001
-Anedota 1
A gasolina com chumbo é uma invenção
norte-americana. Lá pelos anos 20, foi imposta nos Estados Unidos
e no mundo. Quando o governo norte-americano a proibiu, em 1986, a
gasolina com chumbo estava matando adultos num ritmo de cinco mil
por ano, segundo a Environmental Protection Agency, agência
oficial que se ocupa da proteção do meio ambiente. Além disso,
segundo as numerosas fontes citadas pelo jornalista Jamie Kitman
em sua pesquisa para a revista The Nation, o chumbo havia
provocado danos no sistema nervoso e em nível mental de muitos
milhões de crianças, ninguém sabe exatamente quantas, durante
60 anos.
Charles Kettering e Alfred Sloan, diretores da General Motors,
foram os principais promotores desse veneno. Eles passaram à história
como benfeitores da medicina, porque fundaram um grande hospital.
-Anedota 2
Gregos e romanos sabiam que o
chumbo é inimigo do sangue, do solo, do ar e da água. Isso não
tem nada de novo. Entretanto, alguns países continuam
acrescentando chumbo à gasolina. E meu país, o Uruguai, vai além:
castiga a boa conduta. A gasolina sem chumbo custa mais caro. Quem
polui menos, paga mais.
-Anedota 3
A empresa norte-americana Ethyl e a
inglesa Octel vendem no exterior o que está proibido em seus países.
O aditivo de chumbo para a gasolina é exportado para os países
que podem ser intoxicados impunemente: quase toda a África e
alguns outros países do hemisfério Sul. Para ser um negócio em
agonia, não está tão mal. O balanço de 1999 revelou que a
Ethyl teve ganho bruto de US$ 190 milhões.
O problema de Jack o Estripador foi que estava mal-assessorado. O
pobre Jack não tinha agentes de relações públicas que
maquiassem sua imagem, nem especialistas em publicidade que dessem
a bênção aos seus atos. Por outro lado, a empresa Ethyl,
nascida do casamento entre a General Motors e a Standar Oil, diz
em sua propaganda que "o respeito pelas pessoas" é o
valor mais importante que guia suas ações, e que faz o que faz
desenvolvendo "uma cultura baseada na confiança mútua e no
respeito mútuo". E a empresa Octel explica: "A Octel
continua desempenhando um papel primordial no processo universal
de eliminação dos combustíveis com chumbo, através do
fornecimento seguro e eficiente de chumbo para combustíveis, que
continuará fornecendo aos seus clientes enquanto eles
quiserem". Uma obra-prima: praticar o crime é a melhor
maneira de colaborar na luta contra o crime.
-Anedota 4
Segundo o último informe do Banco
Mundial, 15% da população mundial devora a metade de toda a
energia que o planeta consome. Os automóveis bebem parte dessa
metade. Nos países ricos, há 580 veículos para cada mil
habitantes, nos países pobres, dez. Os países ricos proibiram a
gasolina com chumbo, mas seus habitantes de quatro rodas cospem
outros venenos. Da vertiginosa motorização das ruas provém boa
parte dos gases que causam o aquecimento do planeta, enlouquecem o
clima e perfuram a camada de ozônio. Os automóveis são cada vez
mais numerosos e cada vez maiores. Talvez os 4x4, que toda criança
do mundo sonha ter, tenham esse nome porque consomem quatro vezes
mais combustível do que os carros pequenos.
Faça-se nossa vontade, assim na terra como no céu: salvo os bebês,
todos têm automóvel próprio no país que mais energia consome e
mais veneno cospe. O país mais glutão e esbanjador possui nada
mais do que 4% da população mundial, emite nada menos do que 24%
do dióxido de carbono que vai para a atmosfera e gasta fortunas
na publicidade que o absolve. Uma organização modestamente
chamada Força-Tarefa Ambiental dos Líderes Globais do Amanhã
(Global Leaders of Tomorrow Environment Task Force) divulgou um
mapa mundi ecológico, publicado com o maior destaque pela revista
Newsweek e por outros meios de comunicação, junto com um texto
explicativo. Os Líderes Globais demonstram que os países mais
ricos são os melhores amigos da natureza, os mais "eco-friendly",
e os principais culpados pelas calamidades ecológicas do planeta
são Bangladesh e Uganda.
-Anedota 5
O dióxido de carbono ataca a memória?
Em sua campanha presidencial, Geoge W. Bush havia prometido
limitar as emissões de gases tóxicos. Esqueceu sua promessa tão
logo abriu a porta da Casa Branca. Disse não ao acordo
internacional de Kyoto e assim confirmou, mais uma vez, que os únicos
discursos que merecem credibilidade são os discursos não
pronunciados.
-Anedota 6
O governo do planeta é um governo
ou um oleoduto? As empresas de petróleo foram as que mais
dinheiro deram para a campanha de Bush, a mais cara da história.
O presidente havia fundado a empresa de petróleo Arbusto Oil, que
depois se chamou Bush Exploration e que, finalmente, foi vendida
à Harken Oil & Gas. O vice, Dick Cheney, acumulou sua fortuna
pessoal a partir da empresa petrolífera Halliburton. À frente da
Segurança Nacional está Condoleezza Rice, que integrou a direção
da companhia de petróleo Chevron entre 1991 e 2000. Don Evans,
secretário de Comércio, foi presidente da empresa petrolífera
Tom Brown Inc. e diretor de outra empresa de petróleo, a TMBR/Sharp
Drilling. Kathleen Cooper, que cuida do comércio na secretaria de
Assuntos Econômicos, foi executiva da Exxon. Thomas White, da
secretaria da Defesa, foi vice-presidente da companhia petrolífera
Enron Corporation.
-Anedota 7
Poderia chamar-se Associação para
o Extermínio do Planeta e seus Arredores. Mas não: chama-se
Centro Mundial para o Meio Ambiente (World Environment Center).
Entre seus membros figuram British Petroleum Occidental Petroleum,
Exxon, Texaco, International Paper, Weyerhaeuser, Novartis,
Monsanto, BASF, Dow Chemical e Royal Dutch Shell. Todos esses
amigos da natureza e da espécie humana, que periodicamente se
condecoram entre si, anunciaram que a Shell receberá a Medalha de
Ouro Internacional de Resultados Corporativos para o Meio Ambiente
(Gold Medal for International Corporate Environmental Achievement),
referente a 2001. Entre os muitos méritos da companhia, cabe
mencionar seus esforços para arrasar o delta do Níger e por
conseguir que a ditadura da Nigéria enviasse à forca, em 1995, o
escritor Ken Saro-Wiwa e outras pessoas importunas que andavam
protestando. (IPS)
* Eduardo Galeano, escritor e
jornalista uruguaio, é autor de "As Veias Abertas da América
Latina" e "Memórias do Fogo"
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