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A duração
da jornada de trabalho não deve ser muito longa porque cada um tem
direito a descansar e deve poder tirar férias anuais, que serão pagas
por Margarida Bulhões
Pedreira Genevois
O
trabalho é apresentado no Velho Testamento como o castigo que resultou
da desobediência do homem:
“A terra será
maldita por causa da tua obra. Tirarás
dela o teu sustento à força de trabalho.
Colherás o teu alimento com o suor de teu rosto”.
São Paulo afirma no
Novo Testamento : “Quem não trabalha , não come.”
Na pré-história,
vigorava uma economia predatória.
Caçador e pescador, o homem era nômade e trabalhava para
assegurar o seu próprio sustento.
Com a agricultura, o
homem tornou-se sedentário, e motivado para o sistema de escambo; e
os mais fortes passaram a viver da
força do trabalho alheio - esta é uma das raízes da escravidão
e do desprezo pelo trabalho manual.
A Grécia Antiga
desdenhava o trabalho. Ele
só era admitido aos escravos; os homens livres ocupavam o seu tempo com exercícios
corporais, jogos , torneios e guerras .Os filósofos da Antigüidade
ensinavam o desprezo pelo trabalho e o tinham como uma degradação do
homem livre; os poetas de
então cantavam a preguiça como um
presente de Deus.
Na Idade Média, ao
longo da vigência do sistema feudal e
até o final do século XVIII, com
a Revolução Francesa, os detentores
do poder- os nobres e sucessivamente, os burgueses exploraram o
trabalho dos camponeses. Tal exploração foi mantida pelos burgueses da
pós Revolução.
A Revolução
Industrial impôs transformações profundas na concepção do trabalho.
Era comum, no século passado, os trabalhadores terem jornadas diárias
de trabalho de mais de 15 horas . Progressivamente,
o movimento sindical conquistou a
limitação desta jornada e a ampliação do período de descanso
nos finais de semana (
jornadas de 15 horas/dia e
repouso remunerado aos sábados e domingos).
Na época pré
Industrial, o trabalho e o lazer realizavam-se
no mesmo espaço – ao contrário de compartimentos estanques, eram
interdependentes.
Com a Revolução
Industrial, as fábricas que, não raramente
situavam-se distantes dos
locais das moradias, criaram
novas relações de trabalho e determinaram modos de vida muito
diferentes das condições vigentes no período precedente
em que o trabalho era mais integrado
à vida familiar.
A Revolução
Industrial, desta forma, alterou a
concepção do tempo destinado
ao trabalho e particularmente do tempo livre.
O progresso técnico passou a exigir uma organização mais
produtiva e trabalhadores mais eficientes – isto
implicava em um período necessário para a recuperação de forças
físicas. Contudo, tais
conquistas, longe de serem acordadas gratuitamente,
foram conquistadas com um alto preço de lutas cruentas e muitas
mortes.
Logo após a Primeira
Grande Guerra, em 1919, a Sociedade das Nações criou a
OIT – Organização Internacional do Trabalho com o duplo
objetivo de formular regras internacionais de trabalho e de zelar pelo
seu cumprimento.
Em seu
ato constitutivo, a OIT determinou
que o trabalho não deveria
ser tido como uma
mercadoria e afirmou que todos os seres humanos, qualquer que seja a sua
raça, religião ou sexo deve
ter assegurado o direito de conquistar o progresso material e o seu
desenvolvimento espiritual na liberdade e na dignidade, na segurança
econômica e com iguais possibilidades.
Neste mesmo ato, as
férias e o lazer são reconhecidos
como direitos naturais semelhantes aos demais direitos econômicos e
sociais.
Contudo, é somente a
partir de 1940 que a noção de lazer torna-se, na prática, uma
preocupação nos Estados Unidos e
na Europa.
No Brasil, uma das
principais reivindicações da greve dos trabalhadores da Companhia
Industrial de São Paulo, em 1901, era pela redução da jornada diária
de trabalho para 11 horas. Na década de 30 , as leis
trabalhistas já previam a diminuição das horas de trabalho, os fins de
semana livre e um período anual de
férias. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos de l948 em seu artigo 24 consagrou o
direito ao lazer e às férias.
De forma geral, no
Brasil, foi sobretudo a partir dos anos 70 que se popularizou
a noção de lazer.
Hoje, teoricamente, o
lazer existe
para todos e é
reconhecido como um direito natural semelhante
aos demais direitos sociais. No entanto, a realidade evidencia
que nem todos os cidadãos
têm acesso ao lazer como descanso,
recuperação de forças físicas e psíquicas, e
momentos de descontração.
Para as camadas
privilegiadas da sociedade as férias,
de fato, representam um período de lazer pois significam viagens,
passeios e diversões.
Já para os
trabalhadores menos qualificados, as férias e o
lazer freqüentemente significam
períodos extras de atividades que possibilitam melhorar o orçamento
familiar. Dificilmente estes trabalhadores
viajam , já que qualquer saída de casa implicaria em gastos
que comprometeriam
as despesas essenciais. Assim sendo,como a Televisão se apresenta a
eles como praticamente a única opção de divertimento – pelo menos,
a mais acessível; eles passam dias inteiros assistindo
programas populares e filmes que, lamentavelmente, na maioria das
vezes, são violentos e pouco educativos. Para as famílias de menos
recursos, a televisão tornou-se um equipamento tão essencial
quanto o fogão e a
geladeira e até mais que esses pois ela
representa a válvula de escape e o acesso ao sonho. Para os
homens, o futebol é também um lazer barato, mas para as mulheres
restam muito poucas opções para o tempo livre, depois da dupla jornada
de trabalho.
O direito ao lazer vem
sendo significativamente valorizado ao mesmo tempo em que vem sendo
convertido em artigo de consumo. Na atualidade, particularmente a
televisão criou uma indústria do lazer ditadora de modismos que a
propaganda impõe como essenciais,
e que gera necessidades suplementares.
Atualmente, os
trabalhadores de todas as classes sociais
vivem o paradoxo entre a necessidade
de trabalhar cada vez mais para ganhar mais dinheiro
e a aspiração de
trabalhar menos para ter
mais tempo para o lazer.
No século passado,
Lafargue, um famoso militante socialista,publicou um breve ensaio
intitulado “Elogio à Preguiça” que provocou
um grande impacto nas concepções
da época – essas idéias permanecem,
até hoje,
atuais.
Lafargue
afirma que a civilização capitalista aflorou uma série de misérias
individuais e instintos
e, desprezando a sua missão histórica, deixou-se perverter pelo
vício do trabalho. “Rude e terrível foi o seu castigo. Todas as misérias individuais e sociais nasceram da paixão
pelo trabalho”.
Continua Lafarge: “Ao
cansaço da jornada diária excessivamente longa - de pelo menos 15
horas - acrescentam-se as longas e penosas idas e vindas ao local de trabalho. Resulta que à noite os trabalhadores retornam
exaustos às suas casas e no dia seguinte, antes de completamente
recuperados, voltam ao trabalho. Considerando com atenção, são
falaciosas as afirmações dos
economistas que consideram que os proletários
- ao se dedicarem de corpo e alma ao vício do trabalho - precipitam toda a sociedade
em crises industriais de superprodução que convulsionam o
organismo social.
Consequentemente, como
há excesso de mercadorias e
reduzido contingente de compradores, as fábricas fecham e a fome
graça pelas populações.
Quando o trabalho for
regulamentado, afirma Lafargue, tornar-se-á um exercício benfazejo
para o organismo humano e apenas será
uma paixão útil ao organismo social, quando ele, sabiamente,
for regulado e limitado ao máximo de 3 horas por dia.
Tais afirmações ainda
constituem uma utopia.
De forma geral, o período
de trabalho reduziu-se ao máximo de
8 horas diárias e a 5 dias por semana.
Os trabalhadores têm direito a férias anuais remuneradas de
trinta dias com um acréscimo de l/3 sobre o salário.
Nos dias de hoje, na
França, há pressões pela regulamentação de 35 horas de trabalho
semanais para permitir aos
operários não somente terem
mais tempo para o lazer, como também para possibilitar a contratação
de um maior número de operários - sobretudo de jovens que estão
ingressando no mercado de trabalho.
Em nossos dias, a
automatização e a informática introduzidas nas fábricas suprimiu
muitos postos de trabalho nas industrias, comércio, bancos, serviços públicos
e privados, excluindo
do mercado de trabalho um contingente significativo de trabalhadores,
que pouco provavelmente encontrarão uma recolocação profissional.
Existem hoje 800 milhões
de desempregados no mundo a arrastarem
consigo os drama da miséria, fome, sofrimentos e violências.
Conseqüência: aumenta o trabalho informal, bem mais inseguro e sem
quaisquer garantias e
direitos.
Por outro lado, o acréscimo
da expectativa de vida, criou um contingente muito maior de pessoas
dispondo de tempo livre, sem saber
definir o que fazer com este tempo disponível.
A chamada
terceira idade, possui conhecimentos e
experiência, que subitamente, com a chegada da aposentadoria,
tornam-se inúteis e inaproveitados Paulativamente
vem sendo criadas opções para
o lazer dos aposentados: cursos de
reciclagem cultural, turismo, esportes, trabalho social. Na
Europa por exemplo existem excelentes orquestras formadas por músicos
com mais de 70 anos. O lazer é recreação e descanso mas também pode
representar serviço à comunidade sentido de vida aos trabalhadores e
aos aposentados.
Todos questionam-se
angustiados sobre o que fazer para
gerar mais empregos ... Talvez Lafargue tivesse razão:
o que ele chamou de “vício do trabalho” levou o homem
à desmesurada ambição do acúmulo vertiginoso, ao consumismo,
ao individualismo, ao egoísmo e à concorrência desenfreada.
A solução para a
humanidade certamente não
será apenas a ampliação do período de lazer mas sobretudo o
respeito à dignidade de todos os homens em
toda sua dimensão humana.
Bibliografia
Almeida, Fernando
Barcellos de – Teoria Geral dos Direitos Humanos - SA Fabris Editor –
Porto Alegre, 1996
. Bobbio, Norberto –
A Era dos Direitos – Ed. Campus – Rio de Janeiro, 1992
. Dallari, Dalmo de
Abreu – O Renascer do Direito – Ed. Saraiva -São Paulo, 1980
. Dumazedier, Joffre
– A Revolução Cultural do Tempo Livre – Livros Studio Nobel – São
Paulo, 1980
. Lafarge, Paul – Le
Droit à la Paresse – Ed. Dommanget Maspero – Paris, 1969
. Marcellino, Nelson
Carvalho – Estudos do Lazer: uma introdução – Ed Autores
Associados – Campinas, SP, 1996
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