
Quarta Declaração
da Selva Lacandona
Ao povo do México
Aos povos e governos do mundo
Irmãos:
Hoje dizemos: aqui estamos. Somos a
dignidade rebelde, o coração esquecido da Pátria!
A flor da palavra não morrerá.
Poderá morrer o rosto oculto de quem hoje a nomeia, mas a palavra
que veio desde o fundo da história e da terra já não poderá
ser arrancada pela soberba do poder.
Nós nascemos da noite. Nela
vivemos. Nela morreremos. Porém, a luz será manhã para os
demais, para todos aqueles que hoje choram a noite, para quem o
dia é negado, para quem a morte é uma dádiva, para a dor e a
angústia. Para nós, a alegre rebeldia. Para nós o futuro
negado, a dignidade insurrecta. Para nós, nada.
Nossa luta é para fazer-nos
escutar, e o mau governo grita soberba e tapa com canhões os seus
ouvidos.
Nossa luta é contra a fome, e o
mau governo oferece balas e papel aos estômagos de nossos filhos.
Nossa luta é por uma moradia
digna, e o mau governo destrói nossa casa e nossa história.
Nossa luta é pelo saber, e o mau
governo reparte ignorância e desprezo.
Nossa luta é por terra, e o mau
governo oferece cemitérios.
Nossa luta é por trabalho justo e
digno, e o mau governo compra e vende corpos e vergonha.
Nossa luta é pela vida, e o mau
governo oferece a morte como futuro.
Nossa luta é pelo respeito ao
nosso direito de governar e nos governarmos, e o mau governo impõe
à maioria a lei da minoria.
Nossa luta é por liberdade para o
pensamento e o caminhar, e o mau governo impõe cárceres e túmulos.
Nossa luta é por justiça, e o mau
governo está cheio de criminosos e assassinos.
Nossa luta é pela história, e o
mau governo propõe o esquecimento.
Nossa luta é pela Pátria, e o mau
governo sonha com a bandeira e a língua estrangeiras.
Nossa luta é pela paz, e o mau
governo anuncia guerra e destruição.
Moradia, terra, trabalho, pão, saúde,
educação, independência, democracia, liberdade, justiç?????s???o???????a e paz.
Estas foram nossas bandeiras na madrugada de 1994. Estas foram as
nossas demandas na longa noite dos 500 anos. Estas são hoje
nossas exigências.
Nosso sangue e nossas palavras
acenderam um pequeno fogo na montanha e o levamos rumo à casa do
poder e do dinheiro. Irmãos e irmãs de outras raças e outras línguas,
de outra cor e mesmo coração, protegeram a nossa luz e dela
acenderam seus respectivos fogos.
O poderoso veio para nos apagar com
o seu sopro poderoso, mas nossa luz cresceu em outras luzes. O
rico sonha em apagar a primeira luz. É inútil, já existem
muitas luzes e todas são primeiras.
O soberbo quer apagar uma rebeldia
que sua ignorância situa no amanhecer de 1994. Porém, a rebeldia
que hoje tem rosto moreno e língua verdadeira não nasceu agora.
Antes falou com outras línguas e em outras terras. A rebeldia
contra a injustiça caminhou em muitas montanhas e muitas histórias.
Ela já falou em língua náhuatl, paipai, kiliwa, cúcapa,
cochimi, kumiai, yuma, seri, chontal, chimanteco, pame, chichimeca,
otomí, mazahua, matlazinca, ocuilteco, zapoteco, solteco, chatino,
papabuco, mixteco, cuicateco, triqui, amuzgo, mazateco, chocho,
izcateco, huave, tlapaneco, totonaca, tepehua, popoluca, mixe,
zoque, huasteco, lacandón, maya, chol, tzeltal, tzotzil,
tojolabal, mame, teco, ixil, aguacateco, motocintleco,
chicomucelteco, kanjobal, jacalteco, quiché, cakchiquel, ketchi,
pima, tepehuán, tarahumara, mayo, yaqui, cahíta, ópata, cora,
huichol, purépecha e kikapú. Falou e fala o espanhol. A reb?????s???o???????eldia
não é coisa de língua, é coisa de dignidade e de seres
humanos.
Por trabalhar nos matam, por viver
nos matam. Não há lugar para nós no mundo do poder. Por lutar
nos matarão, mas nós construiremos um mundo onde tenha lugar
para todos e todos possam viver sem morte na palavra. Querem nos
tirar a terra, para que o nosso passo não possa andar. Querem nos
tirar a história, para que a nossa palavra morra no esquecimento.
Não nos querem índios. Nos querem mortos.
Para os poderosos, o nosso silêncio
era uma benção. Calando morríamos, sem palavra não existíamos.
Lutamos para falar contra o esquecimento, contra a morte, pela memória
e pela vida. Lutamos pelo medo de morrer a morte do esquecimento.
Falando em seu coração índio, a
Pátria continua digna e com memória.
Irmãos:
No dia 1º de janeiro de 1995,
depois de romper o cerco militar com o qual o mau governo
pretendia nos render e condenar ao esquecimento, convocamos as
diferentes forças políticas e cidadãos a construir uma ampla
frente de oposição que unisse as vontades democráticas contra o
sistema de partido de Estado: o Movimento para a Libertação
Nacional. Ainda que de início este esforço de unidade
oposicionista encontrasse não poucos problemas, ele se manteve
vivo no pensamento dos homens e mulheres que não se conformam em
ver sua Pátria entregue às decisões do poder e do dinheiro
estrangeiros. Depois de trilhar um caminho cheio de dificuldades,
?????s???o??????? incompreensões e retrocessos, a frente ampla de oposição está
por concretizar seus primeiros planos de acordos e ação
conjunta. O longo processo de amadurecimento deste esforço de
organização deverá alcançar sua plenitude no ano que começa.
Nós os zapatistas, saudamos o nascimento do Movimento para a
Libertação Nacional e desejamos que entre os que tomam parte
dele exista sempre o afã da unidade e o respeito às diferenças.
Iniciado o diálogo com o supremo
governo, o EZLN se viu traído no seu compromisso de buscar uma
solução política para a guerra iniciada em 1994. Fingindo
disposição para o diálogo, o mau governo optou covardemente
pela solução militar e, com argumentos torpes e estúpidos,
desatou uma grande perseguição política e militar que tinha
como objetivo supremo o assassinato da direção do EZLN. As forças
armadas rebeldes do EZLN resistiram com serenidade ao golpe de
dezenas de milhares de soldados que, contando com assessoria
estrangeira e toda a moderna maquinaria de morte que possuem,
pretendeu sufocar o grito de dignidade que saía das montanhas do
sudeste mexicano. Uma retirada ordenada permitiu às forças
zapatistas conservar seu poder militar, sua autoridade moral, sua
força política e a razão histórica, que é a sua arma
principal contra o crime vestido de governo. As grandes mobilizações
da sociedade civil nacional e internacional pararam a ofensiva
traidora e obrigaram o governo a insistir na via do diálogo e da
negociação. Dezenas de civis inocentes foram aprisionados pelo
mau governo e ainda permanecem presos, na qualidade de reféns dos
terroristas que nos governam. ?????s???o???????As forças federais não tiveram vitória
militar maior que a destruição de uma biblioteca, de um salão
para eventos culturais, uma pista de baile e o saque dos poucos
pertences dos indígenas da Selva Lacandona. A tentativa de
realizar um assassinato foi coberta pela mentira governamental,
com a máscara da "recuperação da soberania nacional".
Esquecendo o Artigo 39 da Constituição
que jurou cumprir no dia 1º de dezembro de 1994,o supremo governo
reduziu o Exército Federal Mexicano à categoria de exército de
ocupação, atribuindo-lhe a tarefa de salvaguardar o crime
organizado que se veste de governo.
Entretanto, a verdadeira perda da
soberania nacional concretizava-se nos pactos secretos e públicos
do gabinete econômico com os donos do dinheiro e os governos
estrangeiros. Hoje, enquanto dezenas de milhares de soldados
federais agridem e fustigam um povo armado de fuzis de madeira e
palavra digna, os altos governantes acabam de vender a riqueza da
grande nação mexicana e de destruir o pouco que ainda se mantém
de pé.
Iniciado há pouco tempo o diálogo
ao qual havia sido obrigada pela sociedade civil nacional e
internacional, a delegação parlamentar teve oportunidade de
mostrar claramente suas verdadeiras intenções na negociação de
paz. Os novos conquistadores dos indígenas, que encabeçam a
equipe negociadora do governo, se distinguem por uma atitude
prepotente, soberba, racista e humilhadora, que levou ao fracasso
várias reuniões do Diálogo de San Andrés. Apostando no cansaço
e no desgast?????s???o???????e dos zapatistas, a delegação governamental pôs
todo o seu empenho em conseguir a ruptura do diálogo, confiante
de que desta forma teria argumentos para recorrer à força e,
assim, conseguir alcançar o que lhe era impossível pela razão.
Vendo que o governo recusava um
enfoque sério do conflito nacional representado pela guerra, o
EZLN tomou uma iniciativa de paz que destravaria o diálogo e a
negociação. Convocando a sociedade civil a um diálogo nacional
e internacional em busca de uma nova paz, o EZLN realizou a
Consulta pela Paz e a Democracia, para ouvir o pensamento nacional
e internacional sobre suas demandas e seu futuro.
Com a participação
entusiasmada dos membros da Convenção Democrática
Nacional, de milhares de cidadãos sem organização
porém com desejos democráticos, a mobilização
dos comitês de solidariedade internacionais e
os grupos de jovens, e a irrepreensível ajuda
dos irmãos e irmãs da Aliança Cívica Nacional,
durante os meses de agosto e setembro de 1995
levou-se a cabo um exercício cidadão que não tem
precedentes na história mundial: uma sociedade
civil e pacífica dialogando com um grupo armado
e clandestino. Foram realizados mais de um milhão
e trezentos mil diálogos para tornar verdadeiro
este encontro de vontades democráticas. Como resultado
da consulta, a legitimidade das demandas zapatistas
foi ratificada, deu-se um novo impulso à ampla
frente opositora que encontrava-se estancada e
expressou-se claramente o desejo de ver os zapatistas
participando da vida política do país. A grande
participação da sociedade civil internacional
chamou a atenção sobre a necessidade de construir
os espaços de encontro entre as vontades de mudança
democrática que existem nos diferentes países.
O EZLN levou a sério os resultados deste diálogo
nacional e internacional e iniciou os trabalhos
políticos e organizativos para caminhar de acordo
com estes sinais.
Três novas iniciativas foram lançadas
pelos zapatistas, como resposta ao êxito da Consulta pela Paz e
pela Democracia. Uma iniciativa de âmbito internacional:
convocamos um encontro intercontinental contra o neoliberalismo.
Duas iniciativas são de caráter nacional: a formação de comitês
civis de diálogo, como base para a discussão dos principais
problemas nacionais e embrião de uma nova força política não
partidária; e a construção de novos Aguascalientes, como
lugares de encontro entre a sociedade civil e o zapatismo.
Três meses depois destas três
iniciativas, está por concretizar-se a convocatória para o
encontro intercontinental pela humanidade e contra o
neoliberalismo. Mais de 200 comitês civis de diálogo se formaram
em toda a República Mexicana e, no dia de hoje, inauguramos 5
novos Aguascalientes: um na comunidade de La Garrucha,
outro em Oventik, um em Morelia, outro em La Realidad e o último
e primeiro, no coração de todos os homens e mulheres honestos
que existem no mundo.
Em meio a ameaças
e penúrias, as comunidades indígenas zapatistas
e a sociedade civil lograram levantar estes centros
de resistência civil e pacífica onde será resguardada
a cultura mexicana e mundial.
O Novo Diálogo Nacional
experimentou sua primeira prova por ocasião da mesa do Diálogo
de San Andrés. Enquanto o governo descobria a sua ignorância a
respeito dos primeiros habitantes destas terras, os assessores e
convidados do EZLN deram início a um diálogo tão rico e novo
que logo transbordou a estreita mesa de San Andrés e se colocou
em seu verdadeiro lugar: a nação. Os indígenas mexicanos, os
que sempre foram obrigados a escutar, a obedecer, a aceitar, a
resignar-se, tomaram a palavra e falaram a sabedoria que caminha
em seus passos. A imagem do índio ignorante, pusilânime e ridículo,
a imagem que o poder havia decretado para consumo nacional, fez-se
em pedaços, e o orgulho e a dignidade indígenas voltaram à história,
para assumir o lugar que lhe cabe: o de cidadãos completos e
cabais.
Independentemente
dos resultados da primeira negociação dos Acordos
em San Andrés, o diálogo iniciado pelas distintas
etnias e seus representantes seguirá adiante,
agora no Fórum Nacional Indígena, e terá o ritmo
e o alcance que os próprios indígenas venham a
escolher e decidir. No cenário político nacional,
o redescobrimento da criminalidade salinista voltou
a sacudir o sistema de partido de Estado. Os defensores
das contra-reformas salinistas sofrem de amnésia
e agora são os mais entusiasta perseguidores daqueles
sob cuja sombra enriqueceram. O Partido de Ação
Nacional, o mais fiel aliado de Carlos Salinas
de Gortari, começou a mostrar as suas possibilidades
de substituir o Partido Revolucionário Institucional
no topo do poder político e a ensinar sua vocação
repressiva, intolerante e reacionária. Aqueles
que vêem com esperança o ascenso deste partido
esquecem que a substituição de uma ditadura não
significa necessariamente democracia, e aplaudem
a nova inquisição que, com máscara democrática,
haverá de sancionar com golpes os últimos estertores
de um país que foi assombro mundial e hoje é referência
de crônicas policiais e escândalos. A repressão
e a impunidade foram constantes no exercício deste
governo; os massacres de indígenas em Guerrero,
Oaxaca e Huasteca ratificam a política frente
aos indígenas; o autoritarismo da UNAM em relação
ao movimento dos CCH demonstra a rota de corrupção
que vai da academia à política; a detenção de
dirigentes do El Barzón é uma mostra a mais da
traição como método de diálogo; as bestialidades
do regente Espinosa ensaiam o fascismo callejero
na Cidade do México; as reformas na Lei de
Seguro Social reiteram a democratização da miséria
e o apoio à privatização dos bancos assegura a
vocação de unidade entre poder e dinheiro; os
crimes políticos são insolúveis porque cometidos
por quem diz perseguí-los; a crise econômica torna
mais escandalosa a corrupção nas esferas governamentais.
Governo e crime, hoje são sinônimos e equivalentes.
Enquanto a verdadeira oposição
afana-se em encontrar o centro em uma nação moribunda, amplas
camadas da população reforçam seu ceticismo perante os partidos
políticos e buscam, sem encontrar, uma oposição que tenha uma
nova prática política, uma organização política de novo tipo.
A heróica e digna
resistência das comunidades indígenas zapatistas
iluminou como uma estrela o ano de 1995 e escreveu
uma formosa lição na história mexicana. Em Tepoztlán,
Sutaur-100, El Barzón, para mencionar alguns lugares
e movimentos, a resistência popular encontrou
dignos representantes.
Em resumo, o ano de 1995 se
caracterizou pela definição de dois projetos de nação
completamente distintos e contraditórios.
De um lado, o projeto de país do
Poder. Um projeto que implica a destruição total da nação
mexicana; a negação de sua história; a entrega da sua
soberania; a traição e o crime como valores supremos; a
hipocrisia e o engano como método de governo; a desestabilização
e a insegurança como programa nacional, a repressão e a intolerância
como projeto de desenvolvimento. Este plano encontra no PRI a sua
cara criminosa e no PAN a sua máscara democrática. Do outro
lado, o projeto de transição para a democracia; não uma transição
pactuada com o Poder que simule uma mudança para que tudo
continue como está, e sim uma transição para a democracia como
projeto de reconstrução do país; a defesa da soberania
nacional; a justiça e a esperança como anseios; a verdade e o
mandar obedecendo como diretrizes; a estabilidade e a segurança
provenientes da democracia e da liberdade; a diálogo, a tolerância
e a inclusão como nova forma de fazer política.
Este projeto está
pra ser construído e será obra, não de uma força
política hegemônica ou da genialidade de um indivíduo,
mas de um amplo movimento opositor que recolha
os sentimentos da nação. Estamos no meio de uma
grande guerra que sacudiu o México neste final
de século. A guerra entre os que pretendem a perpetuação
de um regime social, cultural e político que eqüivale
ao delito de traição à Pátria, e os que lutam
por uma transformação democrática, livre e justa.
A guerra zapatista é só uma parte desta grande
guerra, que é a luta entre a memória que aspira
ao futuro e o esquecimento com vocação estrangeira.
Hoje, uma nova sociedade plural,
tolerante, includente, democrática, justa e livre só é possível,
em uma nova Pátria. Ela não será construída pelo poder. Hoje o
poder é só o agente de venda dos escombros de um país destruído
pelos verdadeiros subversivos e desestabilizadores: os
governantes.
Quanto aos projetos independentes
da oposição, temos uma carência que hoje torna-se mais
decisiva: nos opomos a um projeto de país que implica a sua
destruição, porém carecemos de uma proposta de nova nação,
uma proposta de reconstrução. Parte dela, e não o todo e nem
sua vanguarda, tem sido e é o EZLN no esforço pela transição
para a democracia. Apesar das perseguições e ameaças, superando
os enganos e as mentiras, o EZLN, legítimo e coerente, segue
adiante em sua luta pela democracia, liberdade e justiça para
todos os mexicanos.
Hoje, a luta pela democracia no México
é uma luta pela libertação nacional.
Hoje, com o coração
de Emiliano Zapata e tendo escutado a voz de todos
os nossos irmãos, chamamos o povo do México a
participar de uma nova etapa da luta pela libertação
nacional e da construção de uma nova Pátria, por
meio desta ... Quarta Declaração da Selva Lacandona,
na qual conclamamos todos os homens e mulheres
honestos a participar da nova força política nacional
que nasce: a Frente Zapatista de Libertação Nacional,
organização civil e pacífica, independente e democrática,
mexicana e nacional, que luta pela democracia,
liberdade e justiça do México. A Frente Zapatista
de Libertação Nacional nasce hoje e convidamos
a participar dela os operários da República, os
trabalhadores do campo e da cidade, os indígenas,
os colonos, os professores e estudantes, as mulheres
mexicanas, os jovens de todo o país, os artistas
e intelectuais honestos, os religiosos coerentes,
todos os cidadãos mexicanos que não querem o poder
e sim a democracia, a liberdade e a justiça para
nós e nossos filhos.
Convidamos a sociedade civil
nacional, os sem partido, o movimento social e cidadão, todos os
mexicanos, a construir uma nova força política. Uma nova força
política que seja nacional. Uma nova força política com base no
EZLN.
Uma nova força política que seja
parte de um grande movimento opositor, o Movimento para a Libertação
Nacional, como lugar de ação política cidadã, para onde
confluam outras forças políticas da oposição independente,
espaço de encontro de vontades e coordenador de ações voluntárias.
Uma força política
cujos integrantes não desempenhem, nem aspirem
desempenhar, cargos de eleição popular ou postos
governamentais em quaisquer de seus níveis. Uma
força política que não aspire à tomada do poder.
Uma força que não seja um partido político.
Uma força política que possa
organizar as demandas e propostas dos cidadãos para que quem
mande, mande obedecendo. Uma força política que possa organizar
os problemas coletivos, mesmo sem a intervenção dos partidos políticos
e do governo. Não necessitamos pedir permissão para ser livres.
A função do governo é prerrogativa da sociedade e é seu
direito exercer esta função. Uma força política que lute
contra a concentração da riqueza em poucas mãos e contra a
centralização do poder. Uma força política cujos integrantes
tenham como único privilégio a satisfação do dever cumprido.
Uma força política com organização
local, estadual e regional, que cresça a partir da base, de sua
sustentação social. Uma força política nascida dos comitês
civis de diálogo.
Uma força política que se chama
Frente porque trata de incorporar esforços políticos não partidários,
porque possui muitos níveis de participação e muitas formas de
luta.
Uma força política que se chama
Zapatista porque nasce com a esperança e o coração indígena
que, junto ao EZLN, voltaram a descer das montanhas mexicanas.
Uma força política que se chama
de Libertação Nacional, porque sua luta é pela liberdade de
todos os mexicanos e em todo o país.
Uma força política
com um programa de luta de 13 pontos, os da Primeira
Declaração da Selva Lacandona, enriquecidos
ao longo de dois anos de insurgência. Uma força
política que lute contra o sistema de Partido
de Estado. Uma força política que lute pela democracia
não apenas na hora das eleições. Uma força política
que lute por uma nova constituinte e uma nova
Constituição.
Chamamos a todos os homens e
mulheres do México, aos indígenas e aos não indígenas, a todas
as raças que formam a nação; aos que concordam em lutar por
moradia, terra, trabalho, pão, saúde, educação, informação,
cultura, independência, democracia, justiça, liberdade e paz;
aos que entendem que o sistema de Partido de Estado é o principal
obstáculo para o trânsito à democracia no México; aos que
sabem que democracia não quer dizer alternância de poder e sim
governo do povo, para o povo e pelo povo; aos que estão de acordo
com que se faça uma nova Constituição que incorpore as
principais demandas dos mexicanos e garanta o cumprimento do
Artigo 39, mediante plebiscito e referendum; aos que não aspiram
ou pretendem exercer cargos públicos ou postos de eleição
popular; aos que têm o coração, a vontade e o pensamento do
lado esquerdo do peito; aos que querem deixar de ser espectadores
e estão dispostos a não ter remuneração e privilégio algum a
não ser o de participar da reconstrução nacional; aos que
querem construir algo novo e bom, para formar a Frente Zapatista
de Libertação Nacional.
Aqueles cidadãos
sem partido, aquelas organizações sociais e políticas,
aqueles comitês civis de diálogo, movimentos e
grupos que subscrevem esta Quarta Declaração
da Selva Lacandona comprometem-se a participar
do diálogo para formular a estrutura orgânica,
o plano de ação e a declaração de princípios da
Frente Zapatista de Libertação Nacional.
Com a unidade organizada dos
zapatistas civis, a luta iniciada em 1º de janeiro de 1994 entrará
em uma nova etapa. O EZLN não desaparece, porém seu esforço
mais importante seguirá pela luta política. Em seu tempo e condições,
o EZLN participará diretamente da Frente Zapatista de Libertação
Nacional.
Hoje, 1º de janeiro de 1996, o Exército
Zapatista de Libertação Nacional assina esta Quarta Declaração
da Selva Lacandona. Convidamos o povo do México para que faça
o mesmo.
Irmãos:
Muitas palavras caminham pelo
mundo. Muitos mundos se fazem. Muitos mundos nos fazem. Há
palavras e mundos que são verdades e verdadeiros. Nós somos
feitos por palavras verdadeiras.
No mundo do poderoso não cabem
mais que os grandes e seus servidores. No mundo que nós queremos
cabem todos.
O mundo que queremos é um onde
caibam muitos mundos. A Pátria que queremos construir é uma onde
caibam todos os povos e suas línguas; que todos os passos a
caminhem, que todos a riam, que todos a façam amanhecer.
Falamos a unidade
inclusive quando calamos. Baixinho e debaixo da
chuva, falamos as palavras que encontram a unidade
que nos abraça na história e faz rejeitar o esquecimento
que nos enfrenta e destrói.
Nossa palavra, nosso canto e nosso
grito é para que os mortos já não morram mais. Para que vivam,
lutamos; para que vivam, cantamos.
Vive a palavra. Vive o Já Basta!
Vive a noite que se faz manhã. Vive o nosso digno caminhar junto
a todos aqueles que choram. Para destruir os planos de morte do
poderoso, lutamos. Para um novo tempo de vida, lutamos.
A flor da palavra não morre, ainda
que em silêncio caminhem nossos passos. Em silêncio se semeia a
palavra. Para que floresça a gritos, se cala. A palavra se faz
soldado, para não morrer de esquecimento. Para viver, se morre a
palavra, semeada para sempre no ventre do mundo. Nascendo e
vivendo morremos. Sempre viveremos.
Não nos renderemos. Zapata vive e,
apesar de tudo, a luta continua.
Das montanhas do
sudeste mexicano, Comitê
Clandestino Revolucionário Indígena - Comando Geral do Exercito
Zapatista de Libertação Nacional
1º de janeiro de
1996
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