
Alca: mais do mesmo
por
Aloizio Mercadante
Dedico
esse artigo ao
Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães,
que
perdeu o cargo no Itamarati mas
se
afirmou como exemplo de
integridade
intelectual
Os
ares de vitória da nossa diplomacia com os quais alguns órgãos da mídia
revestiram os resultados da reunião preparatória de ministros sobre a
ALCA, recém concluída em Buenos Aires, me trazem à lembrança a velha
história do "bode na sala". A pressão norte-americana para a
antecipação da data de implantação do acordo pautou grande parte das
discussões, deixando em segundo plano a questão, fundamental para nós,
do conteúdo e significado da proposta de integração e, portanto, da
conveniência de aderir ou não a ela. A retirada da exigência dos EUA
teve como contrapartida o compromisso dos países latino-americanos, a
ser sancionado pelos presidentes na reunião de Quebec, de assinarem o
acordo em 2005 e iniciarem sua implementação no final daquele ano. Vitória
de quem, então?
Como
já afirmei em outros artigos sobre o tema, inclusive
aqui nessa mesma Folha, a ALCA, para o Brasil,
não é uma questão de prazos nem de negociação
de questões pontuais que possam ser do interesse
de alguma empresa ou setor da sociedade brasileira.
Para nós a questão maior se refere à incompatibilidade
da ALCA, nos termos em que está sendo proposta,
com os interesses estratégicos nacionais, ou seja,
com a preservação da nossa capacidade e autonomia
para construir nosso próprio futuro, tendo como
referência as necessidades e preferências econômicas,
sociais, políticas e culturais do nosso povo.
Esse é o núcleo do problema. O resto é acessório.
Veja-se,
por exemplo, a questão do acesso ao mercado norte-americano e dos
ganhos de comércio que isso propiciaria, que tem sido apresentada como
o grande atrativo para a adesão do Brasil ao acordo. É um falso
brilhante. Em realidade, quase 50% do nosso comércio externo já se
realiza dentro da zona ALCA, sendo que no caso dos produtos
manufaturados esta cifra se eleva a 66%. Por outro lado, a tarifa média
norte-americana já é sumamente baixa – menos de 3% - o que significa
que a abertura comercial, de existir, será, uma vez mais, assimétrica,
dado que a tarifa média brasileira situa-se em torno a 14%. É verdade
que há produtos específicos fortemente taxados – cotas extras de
fumo e açúcar, por exemplo, ou o suco de laranja e o aço – mas não
creio que seja nosso propósito concentrar nossas exportações em
produtos primários, de demanda relativamente pouco dinâmica e sujeitos
a flutuações de preços tendencialmente negativas.
O
problema central do comércio com os Estados Unidos
não são as tarifas, são as barreiras não-tarifárias,
incluindo a legislação anti-dumping, e a complexa
rede de subsídios não explícitos que constituem
a espinha dorsal de seu sistema de proteção comercial.
A julgar pelos resultados da reunião de B. Aires,
é pouco provável que os EUA estejam dispostos
a abrir mão desses instrumentos que, apoiados
numa legislação detalhada e complexa, em instituições
consolidadas e em negociadores capacitados e experientes,
dão ao país uma enorme margem de manobra para
"ajustar" a liberdade de comércio aos
seus interesses e necessidades conjunturais. O
mesmo se aplica a outras dimensões da ALCA, como
é o caso das compras governamentais, dos investimentos,
das patentes e dos serviços.
Em
conseqüência, a marca do processo de integração, em todo seu
espectro, tende a ser uma profunda assimetria na distribuição dos seus
benefícios, em favor dos EUA, que, certamente não por generosidade, é
o grande interessado e patrocinador da ALCA.
A
opção brasileira não pode ser, nessas condições, uma aceitação
passiva desse acordo e a busca do "mal menor", partindo da
suposição de que ou aderimos ou nos isolamos. Este é um falso dilema.
O Brasil tem recursos, tamanho de mercado e uma estrutura industrial
diversificada, que, em condições normais, asseguram sua participação
nos mercados da região. Em verda?????de, a consolidação da ALCA depende da
adesão brasileira; mas o Brasil não depende da ALCA para desenvolver
seu comércio externo.
Nosso
caminho é outro. É, dentro de uma visão estratégica do nosso
desenvolvimento, ter uma política ativa de negociação e aproximação
com outros países e blocos econômicos, dentro e fora da América
Latina.
Temos
de fortalecer o Mercosul e ampliar sua abrangência, para aproximá-lo
do ideal de integração latino-americana. A recente decisão da
Venezuela de incorporar-se a esse projeto é um passo positivo nessa
direção. Devemos intensificar nosso diálogo com o México – que vê
com desagrado a criação da ALCA – e abrir espaço para a negociação
com a Colômbia e outros países andinos. Devemos romper o injustificável
bloqueio que os EUA há décadas impõe à Cuba, que agride a nossa
consciência e viola os princípios básicos de nossa política externa,
e incorporá-la, junto às pequenas nações caribenhas agrupadas no
Caricom, ao processo de integração econômica da região. Devemos
fortalecer nossos laços com o Japão e a União Européia e aprofundar
nossas relações comerciais e de cooperação econômica e tecnológica
com países com características e níveis de desenvolvimento próximos
do nosso, como a China, a Índia, a Rússia e a Áfri?????ca do Sul.
Esse nos parece o
caminho para reduzir as disparidades de capacidade econômica,
produtividade sistêmica, poder de negociação e autonomia de decisão
hoje existentes entre os EUA e os Brasil e colocar as relações entre
ambos países em termos de parceria e não de subordinação. O Brasil
precisa valorizar sua auto-estima como povo, se colocar como uma Nação
soberana que têm um imenso desafio neste novo século e nessa nossa América:
o de liderar a resistência à política expansionista dos EUA
inaugurada no séc. XIX, com a Doutrina Monroe de 1823, onde já se
auto- proclamavam guardiães do continente americano.
Aloizio
Mercadante é deputado
federal
e
secretário de relações
internacionais
do PT
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