
UMA
VISÃO EVOLUTIVA DOS DIREITOS HUMANOS
Dórian
Esteves Ribas Marinho
RESUMO:
Os direitos como referência de comportamento
humano, a produção de leis e seu desenvolvimento
histórico. A evolução da proteção da pessoa
humana frente ao estado. A Carta Magna,
a Independência Americana e a Revolução
Francesa. O Manifesto Comunista e os direitos
sociais. A Declaração Universal dos Direitos
Humanos e a nova ordem internacional. As
premissas do Consenso de Washington. Os
pactos internacionais, as instituições e
os mecanismos de proteção aos Direitos Humanos.
O Plano Nacional de Direitos Humanos, o
Plano Estadual de Direitos Humanos e o Plano
Municipal de Direitos Humanos para Florianópolis.
Os
direitos traduzem com fidelidade o seu tempo.
As inquietações daquele exato momento histórico,
são, portanto, resultado de um dado momento na
evolução da mentalidade dos seres humanos, podendo,
por vezes, parecer eventualmente absurdos, excessivamente
dogmáticos, rígidos ou lúcidos e liberais, mas
em seu permanente movimento, serão sempre a tradução
mais autêntica de um povo.
Até
a produção dos primeiros códigos, os governantes
exerciam seu poder despoticamente, sem qualquer
limitação, variando as suas decisões e mesmo alguns
princípios e leis esparsas existentes, de acordo
com a vontade e o humor do momento. Deste modo,
os súditos não contavam com qualquer referência
comportamental que lhes garantisse os direitos
mais fundamentais. Nesse panorama, a obediência
através do temor exigia ser absoluta, sem qualquer
restrição ou hesitação.
A
lei de talião (lex talionis), antiga pena proveniente
do chamado direito vindicativo, que constituía
em infligir ao condenado mal completamente idêntico
ao praticado, colaborou com todas as primitivas
ordenações jurídicas através do princípio: “olho
por olho, dente por dente, braço por braço, vida
por vida. “. Ao contrário do que se possa hoje
imaginar, representou um grande avanço jurídico
na medida em que estabelecia, pela primeira vez,
a proporcionalidade entre o delito e a pena.
Tal
princípio foi absorvido tanto pela legislação
mosaica (Êxodo - XXI, 22-25) quanto pelo Alcorão.
Em
sua maioria inspirados pelos deuses, os déspotas
oniscientes ordenaram a confecção de leis e códigos
que foram espelhos de suas épocas, até porque
a lei é, invariavelmente, a expressão do poder
de quem a faz.
O
próprio “Código de Hamurabi” (1690 a.C.) exibe
a figura de Schamasch, o deus Sol, confiando à
capacidade do imperador a garantia do toque divino
ao ordenamento jurídico então imposto.
O
direito começava a viver entre os homens, procedente
dos deuses, por dádivas divinas, através dos profetas-estadistas
e dos soberanos tocados da luz dos primeiros esclarecimentos
jurídicos»’
(ALTAVILA,
1989, p.I 3)
Mesmo
os legisladores da Revolução Francesa invocaram
os auspícios divinos para inspirar suas pretensões.
A
civilização ocidental, da qual fazemos parte,
se confunde com a noção de cristandade, principalmente
em decorrência da influência das fortes concepções
religiosas introduzidas pelas igrejas nas culturas
através dos processos de evangelização dos povos.
A
influência filosófico-religiosa se manifestou
identicamente no Oriente com a mensagem de Buda
(500 a.C), fundamentada na igualdade entre todos
os homens.
A
civilização oriental e o Islã ajudam a compor
o panorama de uma civilização global.
Desde
que sentiram a necessidade da existência do direito,
os homens começaram a converter em leis as necessidades
sociais, deixando para trás a era da prevalência
da força física e da esperteza com as quais se
defenderam desde as cavernas.
A
afirmação do direito se dá com sua projeção em
todas as partes do mundo antigo, principalmente
através das religiões que facilitavam sua identificação
com os princípios morais estabelecidos, bem como
sua assimilação e seguimento.
De
todo modo, os direitos naturais e sua doutrina
foram se caracterizando par e passo com a evolução
da humanidade a partir de situações concretas
que iam surgindo, configurando sua historicidade.
Por conseguinte, exigindo solução desses conflitos
por parte dos governantes.
Do
ponto de vista teórico, sempre defendi - e continuo
a defender, fortalecido por novos argumentos -
que os direitos do homem, por mais fundamentais
que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos
em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas
em defesa de novas liberdades contra velhos poderes,
e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez
e nem de uma vez por todas.”
(BOBBIO,
1992, p.5)
A
partir de um determinado momento a palavra oral
já não mais bastava para justificar e garantir
os seus atos, surgindo daí a produção da lei escrita
manifestada inicialmente através de inscrições
no barro e em papiros, bem como gravadas em ossos
de animais.
No
terceiro milênio a.C. já eram previstos alguns
mecanismos legais de proteção individual em relação
ao estado.
Entretanto,
há um reconhecimento geral no sentido de que o
Código de Hamurabi, sexto rei da primeira dinastia
da Babilônia, tenha sido provavelmente o primeiro
ordenamento jurídico escrito do Ocidente. Com
282 artigos gravados em um único bloco de pedra,
continha uma seleção de casos jurisprudenciais
que ajudavam na solução das demandas jurídicas
que se apresentavam ao arbítrio do rei.
Em
linhas gerais, esse diploma abrigava preceitos
que deveriam ser observados pelos súditos no
relacionamento que mantinham entre si, e destes
em relação ao estado, o qual, por sua vez, não
devia satisfação a ninguém. Nem existiam mecanismos
que efetivamente impusessem qualquer limitação
ao poder real.
Previa
a supremacia das leis frente aos governantes.
Entretanto, na área penal, manteve-se fiel ao
postulado do sistema talião.
Os
gregos, principalmente através dos princípios
enfocados pela democracia direta proposta por
Péricles, igualmente contribuíram para a construção
do edifício jurídico onde se amparam os fundamentos
dos direitos essenciais do homem.
A
crença na existência de um direito natural anterior
e superior às leis escritas, defendida no pensamento
dos sofistas e estóicos (por exemplo,
na
obra Antígona - 441 a.. C. -, Sófocles defende
a existência de normas não escritas e imutáveis,
superiores aos direitos escritos pelo homem).
(MORAES,
1997, p.25)
O
Absolutismo enfrentou seu primeiro revés na Inglaterra
governada entre 1199 e 1216 por João Sem Terra
(Lackland) (Oxford 1167 - 1216 Nottinghamshire),
quarto filho de Henrique II, não contemplado com
herança paterna, quando se impôs uma lei de salvação
nacional, principalmente em virtude do exacerbado
conflito existente entre o governante e o clero,
a nobreza, a burguesia e, mais indiretamente,
com as classes servis.
A
inabilidade na condução dos assuntos de Estado,
aliada às reivindicações dos barões apoiados pelo
poder papal, deixaram finalmente encurralado o
soberano, culminando com a assinatura de um documento
bem a contragosto do governante, que sequer permitiu
seu registro, possivelmente premeditando sua destruição
tão logo os ventos políticos voltassem a soprar
em seu favor. Vale lembrar que a inexistência
de registro impedia que fosse formalmente copiada
e divulgada, em consequência, cumprida.
A
“Magna Carta” (Magna Charta Libertatum) não se
constituía em uma criação original ou num modelo
constitucional. Era redigida em latim, propositadamente
com a finalidade de obstacular o acesso aos iletrados,
mantendo as normas virtualmente inacessíveis às
massas, tanto que foi traduzida para o idioma
inglês apenas no século XVI. Mesmo assim, se constituiu
num importante avanço, uma vez inegável a sua
influência em todas as constituições modernas.
Firmada
em 15 de junho de 1215, na localidade de Runnymede,
condado de Surrey (Inglaterra), com 67 cláusulas
que, pela primeira vez afrontavam o poder absoluto
de um soberano, sendo que ao menos 12 delas beneficiavam
diretamente o povo, embora não criassem nenhum
direito novo. Entretanto, foram instituídas diversas
normas de caráter pioneiro para a fundamentação
dos Direitos Humanos.
Entre
as mais importantes estão as consignadas nos Artigos
48 e 49:
48)
Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado
dos seus bens, costumes e liberdades, senão em
virtude de julgamento de seus Pares segundo as
leis do país.
49)
Não venderemos, nem recusaremos, nem dilataremos
a quem quer que seja, a administração da justiça.
Entre
outras garantias, reconhecia formalmente a proporcionalidade
entre delito e sanção, a previsão do devido processo
legal, o livre acesso à Justiça, assim como a
liberdade de locomoção e a livre entrada e saída
do país, lançando as sementes dos princípios
“da legalidade”, da “reserva legal” e da “anterioridade
da lei penal”.
Cabe
lembrar que o servo não podia até então sequer
entrar ou sair do feudo, comprar ou vender qualquer
coisa sem autorização de seu senhor, subtraído
do poder exercer qualquer direito de manifestação.
A
partir desse divisor de águas na relação de poder
entre governantes e governados, que ensejaria
a derrocada do Absolutismo, a burguesia européia,
então emergente, assumiu posições cada vez mais
exigentes para com seus dirigentes.
Cabe
ressaltar a importância do fato histórico dessa
conquista, principalmente sob a ótica de reafirmar
que os governos são, e sempre foram, os maiores
violadores dos Direitos Humanos.
A
invenção da imprensa foi igualmente decisiva na
multiplicação, acesso e utilização dos códigos
como mecanismo de balizamento de conduta social.
Entretanto, foi apenas com o surgimento dos Estados
contemporâneos que se produziram códigos capazes
de efetivamente garantir os direitos neles consignados.
O princípio já então vigente de que só o Estado
poderia criar normas jurídicas, atribui aos códigos
a inestimável condição de instrumento coletivo
de referência legal.
A
“Petition of Right”, de F628, elencava diversas
proteções tributárias que garantiam a liberdade
do indivíduo em hipótese de inadimplência.
O
“Habeas Corpus Amendment Act”, de 1679, regulamentava
esse instituto jurídico de garantia pessoal anteriormente
previsto na “Common Law”.
Em
1689 surgiu a “Declaração de Direitos” (BilI of
Ríghts), dotada de 13 artigos que cristalizavam
e consolidavam os ideais políticos do povo inglês,
expressando significativas restrições ao poder
estatal, regulamentando o princípio da legalidade,
criando o direito de petição, assim como imunidades
parlamentares. Entretanto, restringia vigorosamente
a liberdade religiosa.
No
entanto, as liberdades pessoais, que se procuraram
garantir pelo habeas corpus e o BilI of Rights
do final do século, não beneficiavam indistintamente
todos os súditos de Sua Majestade, mas, preferencialmente,
os dois primeiros estamentos do reino: o clero
e a nobreza..”
(COMPARATO,
1999, p.137)
Reafirmando
o princípio da legalidade, o “Act of Seattlement”,
de 1701, estabelecia a responsabilização política
dos agentes públicos, inclusive com a possibilidade
de impeachment de magistrados.
A
“Declaração de Virgínia”, de 1776, proclamava,
entre outros direitos, o direito à vida, à liberdade
e à propriedade, prevendo o princípio da legalidade,
o devido processo legal, o Tribunal de Júri, o
princípio do juiz natural e imparcial, a liberdade
religiosa e de imprensa, antecipando-se em pouco
mais de um mês à “Declaração de Independência
dos Estados Unidos da América”, esta última redigida
por Thomas Jefferson a partir de trabalho conjunto
com Benjamin Franklin e John Adams, tendo como
diapasão a limitação do poder estatal, sendo proclamada
em reunião do Congresso de 4 de julho de 1776,
ambas antecedendo em alguns anos a “Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão” editada na
França.
A
primeira declaração de direitos fundamentais,
em sentido moderno, foi a Declaração de Direitos
do Bom Povo de Virgínia, que era uma das treze
colônias inglesas na América. Essa declaração
é de 12.01. 1776, anterior, portanto, à Declaração
de Independência dos EUA. Ambas, contudo, inspiradas
nas teorias de Locke, Rousseau e Montesquieu,
versadas especialmente nos escritos de Jefferson
e Adams, e postas em prática por James Madison,
George Mason e tantos outros.”
(SILVA,
1995, p.1513)
Desde
então, este diploma que teria sido o documento
mais importante e caracterizador do Estado Liberal,
estabelecia os princípios fundamentais daquela
recente comunidade americana através, entre outras,
da seguinte afirmação:
Cremos
axiomáticas as seguintes verdades: que todos os
homens foram criados iguais, que lhes conferiu
o Criador certos direitos inalienáveis, entre
os quais o de vida e de liberdade, e o de procurarem
a própria felicidade, que, para assegurar esses
direitos, se constituíram entre os homens governos
cujos justos poderes emanam do consentimento dos
governados; que sempre que qualquer forma de governo
tenta destruir esses fins, assiste ao povo o direito
de mudá-la ou aboli-la, instituindo um novo governo
cujos princípios básicos e organizações de poderes
obedeçam às normas que lhe parecerem mais próprias
a promover a segurança e a felicidade gerais.”
(Declaração
de Virgínia)
Em
1787, a “Constituição dos Estados Unidos da América”
e suas Emendas limitavam o poder estatal na medida
em que estabeleciam a separação dos poderes e
consagrava diversos Direitos Humanos fundamentais,
tais como: a liberdade religiosa; a inviolabilidade
de domicílio; o devido processo legal; o julgamento
pelo Tribunal do Júri; a ampla defesa; bem como
a proibição da aplicação de penas cruéis ou aberrantes.
“A
Constituição dos EUA aprovada na Convenção de
Filadélfia, em 17.09. 1787, não continha inicialmente
uma declaração dos direitos fundamentais do homem.
Sua entrada em vigor, contudo, dependia da ratificação
de pelo menos nove dos treze Estados independentes,
ex-colônias inglesas na América, com que, então,
tais Estados soberanos se uniriam num Estado Federal,
passando a simples Estados-membros deste. Alguns,
entretanto, somente concordaram em aderir a este
pacto se se introduzisse na Constituição uma Carta
de Direitos, em que se garantissem os direitos
fundamentais do homem. Isso foi feito, segundo
enunciados elaborados por Thomas Jefferson e James
Madison, dando origem às dez primeiras Emendas
à Constituição de Filadélfia, aprovadas em 1791,
às quais se acrescentaram outras até 197S, que
constituem o BilI of Rights do povo americano.”
(SILVA,
1995, p.154)
O
“BilI of Rights” americano, ou “Carta de Direitos”,
redigida pelo Congresso Americano em 1 789, se
constituiu em um resumo dos direitos fundamentais
e privilégios garantidos ao povo contra violações
praticadas pelo próprio Estado, normas posteriormente
incorporadas à Constituição através das dez primeiras
Emendas, sendo ratificada pelos Estados em 15
de dezembro de 1791.
Entretanto,
alguns autores entendem que a precedência desses
diplomas legais americanos de forma alguma reduziu
a importância da Carta Francesa.
Os
autores costumam ressaltar a influência que a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
adotada pela Assembléia Constituinte francesa
em 2 7.08. 1789, sofreu da Revolução Americana,
especialmente da Declaração de Virgínia, já que
ela precedeu a Carta dos Direitos contida nas
dez primeiras emendas à Constituição norte-americana,
que foi apresentada em setembro de 1789. Na verdade,
não foi assim, pois os revolucionários franceses
já vinham preparando o advento do Estado Liberal
ao longo de todo o século XVIII. As fontes filosóficas
e ideológicas das declarações de direitos americanas
como da francesa são européias, como bem assinalou
Mirkine-Guetzévitch, admitindo que os franceses
de 1789 somente tomaram de empréstimo a técnica
das declarações americanas, ‘mas estas não eram,
por seu turno, senão o reflexo do pensamento
político europeu e internacional do século XVII
- desta corrente da filosofia humanitária cujo
objetivo era a liberação do homem esmagado pelas
regras caducas do absolutismo e do regime feudal
E porque esta corrente era geral, comum a todas
as Nações, aos pensadores de todos os países,
a discussão sobre as origens intelectuais das
Declarações de Direitos americanas e francesas
não tem, a bem da verdade, objeto. Não se trata
de demonstrar que as primeiras Declarações provêm’
de Locke ou de Rousseau. Elas provêm de Rousseau,
e de Locke, e de Montesquieu, de todos os teóricos
e de todos os filósofos. As Declarações são obra
do pensamento político, moral e social de todo
o século XVIII’.
O
que diferenciou a Declaração de 1789 das proclamadas
na América do Norte foi sua vocação universalizante.
Sua visão universal dos direitos do homem constituiu
uma de suas características marcantes, que/á assinalamos
com o significado de seu mundialismo.’
(SILVA.
l995,p. 155)
A
chamada Revolução Americana foi essencialmente,
no mesmo espírito da Glorious Revolution inglesa,
uma restauração das antigas franquias e dos tradicionais
direitos de cidadania, diante dos abusos e usurpações
do poder monárquico. Na Revolução Francesa, bem
ao contrário, todo o ímpeto do movimento político
tendeu ao futuro e representou uma tentativa de
mudança radical das condições de vida em sociedade.
O que se quis foi apagar completamente o passado
e recomeçar a História do marco zero - reinicio
muito bem simbolizado pela mudança de calendário.
Ademais,
enquanto os norte-americanos mostraram-se mais
interessados em firmar sua independência em relação
à coroa britânica do que em estimular igual movimento
em outras colônias européias, os franceses consideraram-se
investidos de uma missão universal de libertação
dos povos.”
(COMPARATO,
1999, p.4O)
A
Revolução Francesa teve origem no Iluminismo,
teoria filosófica que, entre outros propósitos,
invocava a razão para debilitar a autoridade da
Igreja e os fundamentos da monarquia.
Esse
movimento social posto em prática pelas massas
populares, proporcionou á humanidade um legado
fundamentado na obra de Jean-Jacques Rousseau
(Genebra/Suíça 1712 - 1778 Ermenonville/Franca),
primordialmente no “Contrato Social”, através
da qual pretende “estabelecer os meios para atalhar
as usurpações do governo“, partindo do princípio
que o homem, naturalmente bom, vai sendo progressivamente
corrompido pela sociedade, onde viceja e prospera
o cultivo à ociosidade. Esta, por sua vez, promoveria
a decadência moral e deterioraria os costumes.
Corno
crítico implacável da organização social de então,
Rousseau fazia a apologia da supremacia do instinto
e da natureza em oposição ao racionalismo progressista,
exaltando a emoção e o sentimento.
Para
Rousseau, a desigualdade entre os homens teria
surgido com a noção de propriedade, a qual, por
sua vez, teria gerado o Estado despótico através
da sucessiva e descontrolada acumulação de bens.
Em
contraposição, afirmava, em linhas gerais, que
o Estado ideal deveria ser resultante de um pacto
entre os indivíduos, que cederiam alguns de seus
direitos até então consagrados, em prol de se
tornarem verdadeiros cidadãos.
O
fundamento desse acordo, desse contrato social,
seria a vontade geral, identificada com a coletividade,
via de consequência, soberana.
“O
pensador francês Rousseau propõe o deslocamento
da soberania, que estava depositada nas mãos do
monarca, para o direito do povo, mudando o conceito
de vontade singular do príncipe para o de vontade
geral do povo. No sistema de contrato social imaginado
por Rousseau, não há lugar para a democracia indireta,
para a representação e delegação de poderes.
A soberania é a vontade geral, e a vontade não
se representa. Essa idéia pode ser encontrada
intacta na corrente jacobina da Revolução Francesa.”
(VIEIRA,
1998, p.29)
A
obra de fato transformou-se efetivamente na cartilha
revolucionária e na bíblia jurídico-política para
todos quantos buscavam afirmações e justificativas
para os seus anseios de justiça e de liberdade.
Paralelamente,
a obra “Espírito das Leis” de Montesquieu, reivindicado
pelos constituintes franceses como seu mestre,
também foi considerada um dos pontos de referência
para a elaboração da “Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão”.
“Os
princípios igualitários do homem já haviam sido
concebidos pelos grandes pensadores da humanidade
e não constituíram criações ou expressões inéditas
no século XVIII.
Montesquieu
e Rousseau despertaram, mais que outros filósofos,
o espirito universal para a proposição e a realidade
dessas idéias.”
Desde
então, a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão começou a exercer penetrante influência
nas legislações do mundo.
A
maioria das constituições modernas, após 1918,
adotou, ‘Inglaterra’, os postulados de maior culminância
na Declaração francesa.
Nenhuma
outra expressão jurídica alcançou, até os nossos
dias, uma aura de popularidade tão enternecida,
uma consagração tão acentuada e uma universalidade
tão consciente.”
(ALTAVILA,
1989, p.193)
Todavia,
a continuidade da consciência universal em prol
dos Direitos Humanos se projeta efetivamente com
Rousseau. Ninguém anteriormente havia se debruçado
para proclamar e exigir de modo tão eloquente
os direitos e as liberdades do ser humano.
Nesse
ambiente libertário do final do século XVIII,
se erigiu a famosa “Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão” votada definitivamente em
2 de outubro de 1789, ampliada pela Convenção
Nacional em 1793, oferecendo, nesta última versão,
entre outras disposições, que: “Todos os homens
são iguais por natureza e perante a lei.” e ainda,
que “O fim da sociedade é a felicidade comum.”
A
Revolução Francesa de 1789 é um marco simbólico
da inauguração da sociedade industrial burguesa,
do Estado moderno e do Direito moderno. Os ideais
do iluminismo e da modernidade são incorporados
pelo Direito. A necessidade dos pensadores da
época de romper com o ancião regime - o absolutismo
- os impeliu a construir um ordenamento novo.
Era preciso romper com o jusnaturalismo e implementar
o positivismo jurídico. Nessa esteira, pode-se
entender o processo de cod~/7cação pelo qual passou
o Direito.”
(RAMOS.
1998, p.61)
Além
dos aspectos jurídicos e libertários tão propalados,
a própria Revolução Francesa fizera de si mesma
uma imagem romântica e transcendental, ao menos
com relação àquela primeira fase de 1789, capaz
de cativar a todos de seu tempo e mesmo após.
Dentre
as mais importantes normas estabelecidas pela
“Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”
em prol dos Direitos Humanos, destacam-se a garantia
da igualdade, da liberdade, da propriedade, da
segurança, da resistência á opressão, da liberdade
de associação política, bem como o respeito ao
princípio da legalidade, da reserva legal e anterioridade
em matéria penal, da presunção de inocência, assim
também a liberdade religiosa e a livre manifestação
do pensamento.
A
partir daí, a burguesia passou a reivindicar uma
participação cada vez mais efetiva no poder de
gestão do Estado, através de um processo que teve
seu marco inicial com a “Queda da Bastilha” e
culminou com a execução dos monarcas, acompanhando
grande parte da aristocracia francesa que sucumbia
à guilhotina.
Em
prol da introdução de novas concepções e definições
no campo do Direito Penal com o objetivo de humanizá-lo,
Cesare Bonesana Beccaria (Milão 1738 -1794),
produziu a obra denominada “Dos delitos e das
penas” (Dei delitti e delle pene), que passou
a se constituir no alicerce teórico do Direito
Penal em todo o mundo, manifestando-se contra
o processo secreto, a tortura, a desigualdade
dos castigos segundo as pessoas, a atrocidade
dos suplícios, bem como se constituía em feroz
crítico da pena capital.
A
Revolução Francesa outorgara uma estupenda obra
constitucional, que regulava os princípios fundamentais
do Estado e os direitos do cidadão. Entretanto,
sempre que o povo francês se defrontava com questões
relacionadas aos mais diversos ramos do Direito,
era forçado a recorrer á legislação ainda proveniente
do antigo regime. Por tais razões, os direitos
do cidadão proclamados na “Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão” e na “Constituição Francesa”
de 1791, ainda encontravam severos obstáculos
para confirmação na vida real.
Desde
então, diversas constituições foram elaboradas
a partir dos princípios alinhados na Carta Francesa,
tais como a “Constituição Espanhola” de 1812 (Constituição
de Cádis) e a “Constituição Portuguesa” de 1822.
Esta última, ergueu-se como um grande marco de
proclamação dos direitos individuais, consagrando
a igualdade, a liberdade, a segurança, a propriedade,
a desapropriação somente mediante prévia e justa
indenização, a inviolabilidade de domicílio, a
livre comunicação de pensamentos, a liberdade
de imprensa, a proporcionalidade entre o delito
e a pena, o princípio da reserva legal, a proibição
da aplicação de penas cruéis ou infamantes, o
livre acesso aos cargos públicos, bem como a inviolabilidade
da comunicação e da correspondência.
Pode-se
mencionar ainda a “Constituição Belga” de 1 83
1, bem assim a “Constituição Alemã” de Weimar,
de 1919, e a “Constituição Mexicana” de 191 7,
esta última precursora na sistematização do conjunto
dos direitos sociais do homem, mantendo-se no
contexto de um regime capitalista, todos diplomas
que identicamente proclamaram aqueles direitos
fundamentais que emergiram com as cartas americana
e francesa.
No
final do século XIX, o pensamento de Karl Marx
(Trier 1818 - 1883 Londres) acerca da economia
do mundo contemporâneo, bem como dos fenômenos
da relação de trabalho e capital, influenciou
decisivamente na formulação dos direitos sociais
que então se configuravam e emergiam, proporcionando,
a partir de então, uma visão diferenciada de uma
realidade liberal extremamente arraigada.
A
doutrina francesa indica o pensamento cristão
e a concepção dos direitos naturais como as principais
fontes de inspiração das declarações de direitos.
Essas
novas fontes de inspiração dos direitos fundamentais
são: (1) o Manifesto Comunista e as doutrinas
marxistas, com sua crítica ao capitalismo burguês
e ao sentido puramente formal dos direitos do
homem proclamados no século XVIII, postulando
liberdade e igualdade materiais num regime socialista;
(2) a doutrina social da Igreja, a partir do Papa
Leão XIII, que teve especialmente o sentido de
fundamentar uma ordem mais justa, mas ainda dentro
do regime capitalista, evoluindo, no entanto,
mais recentemente, para uma Igreja dos pobres
que aceita os postulados sociais marxistas; (3)
o intervencionismo estatal, que reconhece que
o Estado deve atuar no meio econômico e social,
a fim de cumprir uma missão protetora das classes
menos favorecidas, mediante prestações positivas,
o que é ainda manter-se no campo capitalista com
sua inerente ideologia de desigualdades, injustiças
e até crueldades.”
(SILVA,
1995, p.171)
O
Manifesto Comunista, elaborado por Marx e Engels
em 1848, como plataforma da Liga Comunista, principalmente
em virtude da influência que passou a exercer
em todo o mundo, foi, por muitos autores, comparado
às declarações americana e francesa, constituindo-se
no documento mais importante da crítica socialista
ao regime liberal-burguês.
A
“Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador
e Explorado” e a “Lei Fundamental Soviética”,
ambas de 1918, visavam suprimir toda a exploração
do homem pelo homem, abolir completamente a divisão
da sociedade em classes, esmagar implacavelmente
todos os exploradores, instaurar a organização
socialista da sociedade e fazer triunfar o socialismo
em todos os países. Entretanto, cerceava diversos
direitos fundamentais já consagrados, sob a argumentação
de maior garantia ao Estado na consecução daqueles
objetivos.
O
reconhecimento dos direitos humanos de caráter
econômico e social foi o principal beneficio que
a humanidade recolheu do movimento socialista,
iniciado na primeira metade do século XIX,, (COMPARATO,
1999, p.42)
Depois
do reconhecimento dos direitos econômicos e sociais,
diversos outros direitos foram se somando ao elenco
dos direitos fundamentais.
Outros
marcos históricos da internacionalização dos Direitos
Humanos teriam sido, a “Convenção de Direito Humanitário”
de 1 864, que surgiu como primeira positivação
do Direito Humanitário, no âmbito do Direito Internacional,
bem como a “Convenção da Liga das Nações” em 1920,
incluindo previsões genéricas de proteção aos
Direitos Humanos, obrigando os Estados signatários
a respeitar a dignidade dos homens, das mulheres
e das crianças, principalmente naquilo que diz
respeito ao trabalho, estabelecendo sanções econômicas
e militares contra os Estados que violassem a
Convenção.
A
primeira fase de internacionalização dos direitos
humanos teve inicio na segunda metade do século
XIX e findou com a Segunda Guerra Mundial, manifestando-se
basicamente em três setores: o direito humanitário,
a luta contra a escravidão e a regulação dos direitos
do trabalhador assalariado.
No
campo do chamado direito humanitário, que compreende
o conjunto das leis e costumes de guerra, visando
a minorar o sofrimento de soldados prisioneiros,
doentes e feridos, bem como das populações civis
atingidas por um conflito bélico, o primeiro documento
normativo de caráter internacional foi a Convenção
de Genebra de 1864, a partir da qual fundou-se,
em 1880, a Comissão Internacional da Cruz Vermelha.
A convenção foi revista, primeiro em 1907, afim
de se estenderem seus princípios aos conflitos
marítimos (Convenção de Haia), e a seguir em
/929, para a proteção dos prisioneiros de guerra
(Convenção de Genebra).”
(COMPARATO,
1999, p.42)
Com
a eclosão sucessiva de duas guerras mundiais (1914-18
e 1939-45), as questões relacionadas com os Direitos
Humanos e a afirmação da cidadania se quedaram
e refluíram, principalmente em face do morticínio
gerado pela guerra química de trincheiras e dos
novos inventos bélicos no primeiro evento e do
horror nazista dos campos de concentração no segundo.
A
“Carta do Trabalho” (1927), apesar de haver traduzido
os ideais do fascismo italiano, proporcionou um
expressivo avanço em relação aos direitos sociais
dos trabalhadores, admitindo a liberdade sindical,
instituindo a magistratura do trabalho, os contratos
coletivos de trabalho, a remuneração especial
ao trabalho noturno, o repouso semanal remunerado,
as férias e a indenização por dispensa arbitrária
ou sem justa causa, além de previdência, assistência,
educação e instrução sociais.
Após
a 1 Guerra Mundial (1914-1918), sob a inspiração
do Reino Unido, da França e dos Estados Unidos
da América, foi firmado o “Tratado de Versalhes”
(1919), onde se inseria a “Sociedade das Nações”,
com o intuito de estabelecer uma paz mundial duradoura,
ideal que viria a fracassar temporariamente com
a eclosão da segunda edição do conflito (1939-1945).
Com
o final da Segunda Grande Guerra, os países vencedores
e seus aliados decidiram apostar no mesmo ideal,
e as nações mais importantes do mundo resolveram
estabelecer um foro definitivo para a discussão
de interesses comuns, através de uma organização
capaz de promover, exigir e garantir a coexistência
pacífica de seus membros através de uma paz duradoura,
daí resultando a criação da “Organização das
Nações Unidas - O.N.U.”, englobando progressivamente
uma significativa quantidade de Estados membros,
até que, atualmente, conta com uma adesão praticamente
universal.
Já
em 1948 foi aprovada a “Declaração Universal dos
Direitos Humanos”, cujo texto integral original
traduzido se encontra a seguir em anexo, se constituindo
no elenco dos direitos fundamentais básicos que
tem o ser humano como objeto da atenção e da proteção
da comunidade internacional.
A
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
e os princípios dela decorrentes, é um texto de
enorme importância histórica, principalmente
para o ocidente, mas deve ser vista dentro do
seu contexto histórico de vitória de um modelo
que despontava sua supremacia universal após a
segunda guerra mundial. Ao dispor sobre as questões
sociais e econômicas especificas a Declaração
se restringe a um contexto social, político e
econômico especifico do pós-guerra, que deve ser
superado, e como tal deve ser entendida.
(MAGALHAES,
1999, p.3)
Contudo,
alguns autores se manifestam no sentido de que
a já cinqüentenária “Declaração Universal dos
Direitos Humanos” vem merecendo alterações com
vistas a sua atualização, em face do desenvolvimento
social e tecnológico verificado nas últimas décadas.
Outros argumentam que a “Organização das Nações
Unidas” é resultado dos interesses dos países
vencedores da guerra na Europa e que os vencedores
não só escrevem a História, mas também os epitáfios
de suas vítimas.
De
todo modo, o reconhecimento é geral de que a “Organização
das Nações Unidas” se constituiu num baluarte
decisivo na proteção aos Direitos Humanos, bem
como no combate as suas violações.
Entre
as diversas atividades da “O.N.U.”, as ações empreendidas
em favor dos direitos do homem se apresentam como
o mais importante passo da humanidade em prol
de sua sobrevivência com mútuo respeito e dignidade,
bem como no sentido de construir um processo civilizatório
que busque uma crescente qualidade de vida para
todos os indivíduos.
Também
em Paris, que já havia sido o cenário da proclamação
da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”
e do “Código de Napoleão”, foi aprovada e proclamada
em Assembléia Geral de 10 de dezembro de 1948,
a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”,
sob os auspícios da recém fundada “Organização
das Nações Unidas”, vindo a constituir-se no mais
importante diploma em prol da paz mundial e dos
Direitos Humanos, assim como na maior conquista
da humanidade com vistas a afirmação da sua civilização
e sobrevivência.
“O
caminho contínuo, ainda que várias vezes interrompido,
da concepção individualista da sociedade procede
lentamente, indo do reconhecimento dos direitos
do cidadão de cada Estado até o reconhecimento
dos direitos do cidadão do mundo, cujo primeiro
anúncio foi a Declaração Universal dos Direitos
do Homem.”
(BOBBIO,
1992, p.5)
O
Brasil firmou sua adesão incondicional à “Declaração
Universal dos Direitos Humanos” na mesma data
de sua proclamação, assumindo integralmente os
compromissos nela contidos.
Seu
texto foi redigido a partir de uma consulta realizada
através de questionários distribuídos aos intelectuais
mais importantes de todos os continentes, que
ofereceram diversificada contribuição ao trabalho
coordenado pelo Doutor Charles Malik, representante
da República Libanesa, resultando em material
cujo objetivo maior é a elevação do nível moral,
ético, político, religioso, cultural e material
da sociedade humana.
Reafirmando
os princípios contidos na “Declaração Francesa
dos Direitos do Homem e do Cidadão”, estabeleceu
uma obrigatoriedade contratual universal, sem
causar uma situação de inferioridade jurídica
internacional a qualquer Estado.
Sem
dúvida, o reconhecimento oficial de direitos humanos,
pela autoridade política competente, dá muito
mais segurança às relações sociais. Ele exerce,
também, uma função pedagógica no seio da com unidade,
no sentido de fazer prevalecer os grandes valores
éticos, os quais, sem esse reconhecimento oficial,
tardariam a se impor na vida coletiva.
(COMPARATO,
1999, p..46)
Num
sentido mais amplo, a idéia da universalidade
dos Direitos Humanos implica na responsabilidade
para com a humanidade, como um todo e individualmente,
buscando salvaguardar os direitos dos semelhantes
e, com isso, garantindo os de cada um individualmente.
A
aprovação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos só foi possível, com a unanimidade que
houve, porque foi vitoriosa a pressão dos países
socialistas, liderados pela então URSS, no sentido
de que fossem também contemplados naquele documento
os direitos econômicos, sociais e culturais.
Na
era pós-moderna, após a derrocada do império soviético
e a queda do muro de Berlim, sinalizando a vitória
liberal e a afirmação da hegemonia do neoliberalismo,
os países periféricos passaram a amargar as consequências
de um arrefecimento do entusiasmo mundial em matéria
de direitos humanos, inclusive com os tradicionais
direitos civis e políticos.
(PINTO,
1997, pi)
Como
resultado, passa a emergir uma nova versão do
conflito ideológico no âmbito dos Direitos Humanos,
caracterizado de um lado pelo anseio dos países
mais pobres em ver reconhecidos esses direitos
aos grandes contingentes de excluídos, e de outro,
pela hegemonia do neoliberalismo e da globalização
do mercado.
Estes
últimos, atuando através da imposição de suas
premissas já estabelecidas através do “Consenso
de Washington”, que prevê dez reformas básicas
insistentemente preconizadas pelo “Departamento
de Estado Americano”, pelo “Departamento do Tesouro”,
pelo “Federal Reserve”, pelos Ministérios das
Finanças dos Países do “Grupo dos Sete” e pelos
presidentes dos vinte maiores bancos internacionais,
e que são, em linhas gerais, as seguintes:
a)
disciplina fiscal para eliminação do déficit público;
b) mudança das prioridades em relação às despesas
públicas, com superação dos subsídios; c) reforma
tributária, mediante a universalização dos contribuintes
e o aumento de impostos; d) adoção de taxas de
juros positivas; e) determinação da taxa de câmbio
pelo mercado; f) liberação do comércio exterior;
g) extinção de restrições para os investimentos
diretos; li) privatização das empresas públicas;
i) desregulamentaçâo das atividades produtivas;
e, j) ampliação da segurança patrimonial, por
meio do fortalecimento do direito de propriedade.
O
impacto dessas reformas, consagrando o eficientismo
inerente à lógica exclusivamente de mercado, certamente
será contrário aos interesses dos povos’ dos
países periféricos, pois representam o retorno
ao capitalismo selvagem. Se não houver uma contrapartida
pautada por políticas públicas voltadas para o
social, tendo por escopo a efetiva concretização
dos direitos humanos, principalmente dos direitos
de segunda geração (direitos econômicos, sociais
e culturais), o resultado poderá ser o retorno
à barbárie e ao estado de natureza hobbesiana
(PINTO,
I99’7,p.l)
Entretanto,
malgrado essas circunstâncias que marcaram sua
evolução, a importância da “Declaração Universal
dos Direitos Humanos” é constantemente reiterada
pelos doutrinadores.
Trata-se
de uma carta firmada por (quase) todos os povos,
manifestando sua confiança na paz mundial e o
seu compromisso com a humanidade e o futuro, traduzindo-se
como uma síntese das conquistas jurídicas de todas
as nações, uma verdadeira constituição universal
que a todos subordina, sem exceção. Elaborada
através de um documento claro, objetivo e conciso,
elenca os direitos mais fundamentais da pessoa
humana, principalmente aqueles que dizem respeito
a sua essência e que de nenhuma forma podem ser
renunciados, esquecidos ou violados.
A
clareza com que foram exarados os trinta artigos
desse estatuto máximo do homem não dá lugar a
obscuridades interpretativas, como já dissemos.
A sua violação poderá ocorrer à luz meridiana,
pelo cinismo da força material, porém não poderão
jamais ser culpados pela sua normalística ou pela
sua redação, os membros da Assembléia Geral das
Nações Unidas.”
(ALTAVILA,
1989, p.256)
A
imperatividade e a indivisibilidade das normas
inscritas nessa obra que consolida as aspirações
de tantos através dos séculos, se constitui muito
provavelmente na derradeira tentativa do homem
em estabelecer limites à insânia dos governantes,
de maneira a preservar a nossa civilização do
modo que a conhecemos hoje, ou melhor, como gostaríamos
que ela viesse a ser, evitando o perigoso caminho
da banalização da violência e a prodígalização
dos atos de barbárie que, inobstante o texto legal,
vêm sendo praticados indiscriminadamente em todos
os continentes.
Os
homens poderão renegar esse código humano, porém,
se assim absurdamente aconteceu renunciarão simultaneamente,
nesse dia, a sua condição racional e voltarão
à brutalidade e à selvageria da caverna.’
(ALTAVILA,
1989, p.257)
Cabe
afirmar que a “Declaração Universal dos Direitos
Humanos” estipula apenas normas de direito material,
sem no entanto estabelecer a criação e fixação
de um órgão jurisdicional internacional com a
finalidade de efetivamente garantir a eficácia
dos princípios e dos direitos nela previstos.
Contudo, tanto a afirmação desses direitos fundamentalizados
pelo instrumento declaratório, como sua efetiva
garantia e respeito, só poderão se dar através
da participação dos indivíduos, exigindo continuamente
seu cumprimento e ampliação.
Na
história da humanidade nunca os direitos humanos
foram respeitados e implementados socialmente
somente porque tinham sido previamente afirmados
por uma Declaração.
O
processo de conquistas dos direitos humanos está
intimamente relacionado com as lutas de libertação
de determinados grupos sociais que vivenciam na
pele a violação de seus direitos.”
(CANDAU,
1996, p.l2)
Após
a aprovação da “Declaração Universal dos Direitos
Humanos”, foram criados diversos outros mecanismos
legais que se incorporaram ao universo de proteção
aos Direitos Humanos, alguns deles firmados, inicialmente,
por um Brasil recém egresso do Estado Novo, ainda
maculado pelo arbítrio político e suas repercussões.
Mais tarde, por representantes de governos eleitos
democraticamente ou não e mesmo pela ditadura
que se encastelou no poder por mais de duas décadas.
“Na
tradição brasileira o Parlamento tem muito pouca
influência na fixação dos rumos da política externa
do País. As decisões sobre o comportamento internacional
do Brasil e suas relações exteriores ficam praticamente
entregues ao arbítrio do Poder Executivo. E neste
tem importância fundamental o Ministério das Relações
Exteriores, que tem sido, na realidade, o principal
protagonista na definição da política externa
do Brasil. Em relação aos Direitos Humanos pode-se
dizer que, em termos práticos, o comportamento
da diplomacia brasileira esteve bem próximo,
até recentemente, da atitude dos militares.
“Como
já foi assinalado, a partir de 1985, com o fim
do regime militar ocorreu expressiva mudança na
atitude do Governo brasileiro em relação aos
Direitos Humanos, o que se comprova pela adesão
aos instrumentos internacionais aqui referidos.”
(DALLARI,
1999, p.137)
A
nova “Constituição Federal” emergiu identicamente
num período de liberdades democráticas a pouco
conquistadas, via de consequência, absorvendo
com maior porosidade os princípios fundamentais
consignados na “Declaração Universal dos Direitos
Humanos”.
Esses
diplomas, que constituem a arquitetura internacional
dos Direitos Humanos, abrigam uma contínua inclusão
de direitos, e foram se aderindo como simples
especificação daqueles direitos contemplados na
“Declaração Universal dos Direitos Humanos”,
sendo mais importantes os seguintes, em ordem
cronológica:
A
“Convenção contra o Genocídio”, de 1948;
A
“Convenção para a Repressão do Tráfico de Pessoas
e da Exploração da Prostituição por Outros” de
1949;
Em
1950 a “Convenção Européia de Defesa dos Direitos
do Homem e das Liberdades Fundamentais” foi aprovada
em Roma - Itália;
A
“Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados”,
de 1951, e respectivo Protocolo, de 1966;
A
“Convenção Complementar sobre Abolição da Escravidão”
de 1956;
O
“Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais” foi aprovado inicialmente
em 16.12.1966, paralelamente ao “Pacto Internacional
Relativo aos Direitos Civis e Políticos”, que
entrou em vigor somente em 03.01 .1976, consagrando
a célebre tese de que “os direitos sociais básicos
são direitos humanos porque estão na ordem natural
das coisas “;
A
“Convenção sobre a Eliminação de todas as formas
de Discriminação Racial”, de 1965;
Importante
ressaltar ainda as “Regras Mínimas para o Tratamento
de Presos” adotadas pelo “Primeiro Congresso das
Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento
de Criminosos” reunido em Genebra - Suíça (1955),
aprovadas pelo “Conselho Econômico e Social” em
1957 e 1977;
A
“Convenção sobre a Eliminação de todas as formas
de Discriminação contra a Mulher”, de 1979;
A
“Convenção contra a Tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanas ou degradantes”, de
1984;
A
“Convenção sobre os Direitos da Criança”, de 1989;
Identicamente
se agregaram à “Convenção Americana sobre Direitos
humanos” - Pacto de San José da Costa Rica, de
1969:
A
“Convenção Interamericana para Prevenir e Punir
a Tortura” (Cartagena - Colômbia) em 09.12.1985;
O
“Protocolo de San Salvador” (17.11 .1988), que
contempla a proteção aos Direitos Humanos em matéria
de direitos econômicos, sociais e culturais, dentre
outras, o direito ao trabalho, os direitos sindicais,
o direito à saúde e à previdência social, o direito
a um meio ambiente saudável, o direito à alimentação
e educação, o direito aos benefícios da cultura,
o direito à constituição e proteção da família,
o direito à proteção à infância e aos idosos,
bem como aos portadores de deficiências físicas;
O
“Protocolo Relativo à Abolição da Pena de Morte”
(Assunção - Paraguai), de 08.06.1990;
A
“Convenção Interamericana sobre Desaparecimento
Forçado de Pessoas” (Belém, PA - Brasil), de
09.06.1994;
A
“Convenção Interamericana para Prevenir, Punir
e Erradicar a Violência Contra a Mulher” (Belém,
PA - Brasil), de 09.06.1994.
Esses
são apenas alguns dos dispositivos mais importantes,
que visam abranger praticamente todas as áreas
da atividade humana, conferindo um caráter extremamente
dinâmico à legislação internacional referente
à proteção aos direitos fundamentais.
A
“Organização dos Estados Americanos" e uma
entidade internacional, criada pelos Estados
deste hemisfério com a finalidade de obter um
ordenamento de paz e justiça, fomentando a solidariedade
e defendendo a soberania de seus membros, bem
como sua integridade territorial e independência.
Muito
antes de vir a se constituir em um organismo regional
da ‘‘O.N.U, o ideal de solidariedade americana
preconizado por Simon Bolívar (Caracas/Venezuela
1783 - 1830 Santa Marta/Colômbia), materializou-se
inicialmente através do tratado celebrado no “Congresso
do Panamá” em 1826.
Diversas
reuniões internacionais se sucederam, primeiramente
com a realização da “VIII Conferência Internacional
Americana” (Lima - Peru), em 1938, sendo que,
em 1945, a “Conferência do México” chegou a propor
um projeto de “Declaração dos Direitos Essenciais
do Homem”, até o início de 1948 quando ocorreu
a “9~ Conferência Internacional Americana”, em
Bogotá (Colômbia), oportunidade em que se aprovou
tanto a “Declaração Americana dos Direitos e Deveres
do Homem”, que precede a “Declaração Universal
da O.N.U.”, como a “Carta da O.E.A.”.
Em
1969, foi aprovada a “Convenção Americana sobre
Direitos Humanos” que enumera os deveres assumidos
pelos Estados membros e que, em princípio, são
os seguintes: obrigação de respeitar os direitos
consagrados e reconhecidos, garantindo seus benefícios
a todas as pessoas, sem distinção; dever de adotar
esses direitos nas suas respectivas normas de
direito interno.
A
partir daí, são elencados os direitos civis e
políticos; direito de reconhecimento de personalidade
jurídica; direito ávida; direito à integridade
física, psíquica e moral; proibição de servidão
e escravatura; direito à liberdade pessoal; garantias
judiciais; respeito ao princípio da legalidade
e de pena mais benéfica; direito à indenização;
proteção à honra e à dignidade; liberdade de consciência
e religião; liberdade de pensamento e expressão;
direito de retificação ou resposta; direito de
reunião; liberdade de associação; proteção à família;
direito ao nome; direitos da criança; direito
à nacionalidade; direito à propriedade privada;
direito de livre trânsito e residência; direitos
políticos; igualdade perante a lei e o direito
à proteção judicial.
São
contemplados também os direitos econômicos, sociais
e culturais, bem como os que se referem à suspensão
de garantias, interpretação, aplicação e alcance
das restrições, assim como a correlação entre
direitos e deveres, estabelecendo ainda os meios
de proteção, com a criação da “Comissão Interamericana
de Direitos Humanos” e a “Corte Interamericana
de Direitos Humanos”.
Um
dos órgãos mais importantes da “Organização dos
Estados Americanos - O. E. A.”, é a “Comissão
Interamericana de Direitos Humanos”, criada em
1959, e instalada em Washington - E.U.A., cuja
principal função é promover o respeito e a defesa
aos Direitos Humanos e servir como órgão consultivo
da “O.E.A.” nesses assuntos. No ano seguinte,
foram eleitos seus sete membros, como ocorre
até hoje, a título pessoal.
A
“Corte Interamericana de Direitos Humanos”, com
sede em San José – Costa Rica, foi criada em 1972
na “Assembléia Geral da O.E.A”, em La Paz - Bolívia,
se constituindo em uma instituição judicial autônoma
cujo objetivo é a aplicação e interpretação da
“Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Com
função jurisdicional e consultiva, teve submetidos
seus primeiros casos contenciosos a partir de
1986, que oportunizaram sentenças de importância
histórica extremamente relevante, inclusive porque
essas decisões passaram a estabelecer parâmetros
jurisprudenciais para a defesa dos Direitos Humanos
em toda parte.
“Com
essa declaração, um sistema de valores é - pela
primeira vez na história - universal, não em princípio,
mas de fato, na medida em que o consenso sobre
sua validade e sua capacidade para reger os destinos
da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente
declarado”. “Somente depois da Declaração Universal
é que podemos ter a certeza histórica de que a
humanidade - toda a humanidade - partilha alguns
valores comuns; e podemos, finalmente, crer na
universalidade dos valores, no único sentido
em que universal significa não algo dado objetivamente,
mas algo subjetivamente acolhido pelo universo
dos homens.”
(BOBBIO,
1992, p.28)
Por
outro lado, a “Constituição da República Federativa
do Brasil”, de 1988, também denominada “Constituição
Cidadã”, recepcionou as premissas alinhadas na
“Declaração Universal dos Direitos Humanos” como
nenhuma outra antes o fizera, abrindo caminho
para a plena reafirmação dos Direitos Humanos
e para novas conquistas sociais.
Passados
mais de dez anos, o Governo Federal apresenta,
em 1996, o “Plano Nacional de Direitos Humanos
- PNDH”, um ambicioso projeto com a finalidade
de demonstrar a visão governamental acerca dos
Direitos Humanos e das questões de afirmação da
cidadania, estabelecendo diretrizes, apontando
direções, definindo concepções e prioridades,
conclamando e exigindo a participação dos Estados,
dos Municípios e da sociedade civil nesse processo.
Por
uma questão de metodologia priorizamos os chamados
direitos de primeira geração, quer dizer, os que
dizem respeito à garantia da vida, da liberdade,
os direitos das chamadas minorias como as mulheres,
as crianças, os índios, os negros, os homossexuais,
a questão do acesso à Justiça, a questão do funcionamento
do aparelho policial. Esses são os direitos humanos
priorizados nesse PNDH.”
(GREGORI,
1997, p.4)
Entretanto
o Programa teve o caráter de mera declaração,
não se completando com os projetos indispensáveis
para que ele se convertesse numa prática, não
se publicando também qualquer previsão de prazos
que representasse um compromisso do governo e
permitisse o acompanhamento de sua implantação.
Desse modo, o Programa não passou de um texto
publicitário, semelhante aos que são divulgados
em campanhas eleitorais.”
Os
Direitos Humanos, bem contemplados na Constituição,
não estão entre as prioridades do atual governo
brasileiro, mas podem até receber dele algum
apoio desde que isso não custe dinheiro.”
(DALLARI,
1999, p.48)
Como
consequência natural, o Estado de Santa Catarina,
a partir de proposição da Assembléia Legislativa,
elaborou, com a participação de meia centena de
entidades representativas da sociedade civil,
o “Plano Estadual de Direitos Humanos”, com 246
propostas que atingem os mais variados campos
da atividade humana, tendo sido objeto da Indicação
n. 115/98, já aprovada, que ora se encontra pendente
de manifestação por parte do Governador do Estado,
que detém essa prerrogativa por se tratar de iniciativa
legislativa que gera novas despesas.
Por
conseguinte, é possível perceber que os Direitos
Humanos passaram por um lento processo de contínua
sedimentação, principalmente através de manifestações
proporcionadas por movimentos sociais que embutiam
propostas de conteúdo libertador, de modo a atender
às demandas sociais de seu tempo, bem como capazes
de estabelecer alguma ruptura das estruturas de
poder então vigentes.
Esse
processo gradual, de caráter permanente, revela
que as conquistas sociais se verificam mais aos
solavancos que de modo sereno ou uniforme, curiosamente,
tal qual dispõe a teoria darwiniana de evolução
das espécies biológicas, de conteúdo notadamente
positivista.
Ocorre
de tal modo a proporcionar uma evolução identicamente
inconstante na ampliação e especificação de direitos
com vistas à constituição de novos paradigmas
éticos e legais que possam ensejar a construção
de parâmetros mínimos de comportamento da pessoa
humana e da humanidade em prol de seu desenvolvimento,
e mesmo de sua sobrevivência.
Dórian
Esteves Ribas Marinho
é advogado, com especialização em Políticas
Públicas pela UDESC, Presidente da Comissão
de Assuntos Prisionais e Secretário-Geral
da Comissão de Direitos Humanos da Ordem
dos Advogados do Brasil em Santa Catarina.
Este
trabalho se Constitui num resumo da monografia
de conclusão do CURSO de ESPECIALIZAÇÃO
em POLÍTICAS PÚBLICAS da FAED/UDESC sob
o título “ALGUNS REFLEXOS DOS DISPOSITIVOS
DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
NO ARTIGO QUINTO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL”, sob a orientação
do Professor Maurício Aurélio dos Santos.
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