
Tortura – Aspectos
médico-legais
Genival Veloso de França
A Lei n.º 9.455, de 7 de abril de 1997, que regulamenta o inciso XLIII do
artigo 5º da Constituição do Brasil de 1988, define tortura como o
sofrimento físico ou mental causado a alguém com emprego de violência
ou grave ameaça, com o fim de obter informação, declaração ou
confissão de vítima ou de terceira pessoa, outrossim, para provocar
ação ou omissão de natureza criminosa ou então em razão de
discriminação racial ou religiosa. Por sua vez, a Declaração de
Tóquio, aprovada pela Assembléia Geral da Associação Médica Mundial,
em 10 de outubro de 1975, define como: “a imposição deliberada,
sistemática e desconsiderada de sofrimento físico ou mental por parte de
uma ou mais pessoas, atuando por própria conta ou seguindo ordens de
qualquer tipo de poder, com o fim de forçar uma outra pessoa a dar
informações, confessar, ou por outra razão qualquer”.
A verdade é que o fato de o ser humano sofrer de forma deliberada de
tratamento desumano, degradante e cruel, com a finalidade de produzir
sofrimentos físicos ou morais, é tão antigo quando a história da
própria Humanidade. Houve uma época, não tão distante, que a Igreja e
o Estado usavam a tortura como formas legais de expiação de culpa ou
como forma legal de pena. A Inquisição e a Doutrina de Segurança
Nacional não são diferentes em seus métodos, princípios e
objetivos.
Na atualidade, malgrado um ou outro esforço, muitos são os países que
ainda praticam, ou toleram a tortura em pessoas indefesas, sem nenhuma
justificativa ou qualquer fundamento de ordem normativa. Muitas dessas
práticas têm por finalidade punir tendências ideológicas ou reprovar e
inibir os movimentos libertários ou as manifestações políticas de
protesto. Muitas dessas práticas cruéis e degradantes nada tem que ver
com a chamada “obtenção da verdade”, mas uma estratégia do sistema
repressivo que dispõe o Estado, contra os direitos e as liberdades dos
seus opositores, como estratégia de manutenção no poder. Não é por
outra razão que sua metodologia e seus princípios estão nos
currículos, como matéria teórica e prática das corporações militares
e policiais. Não quer dizer que não exista também a banalização do
instinto violento como maneira torpe de dobrar o espírito das pessoas
para o torturado admitir o que quer o torturador. No fundo mesmo o que se
procura com a tortura é o sofrimento corporal insuportável, levando a
uma fragmentação do corpo e da mente.
Tais procedimentos, por razões muito óbvias, são desconhecidas na
maioria das vezes, pois sua divulgação, mesmo em países ditos
democráticos, é evitada de maneira disfarçada, e assim os organismos
internacionais que cuidam dos direitos humanos não têm informações nem
acesso aos torturados. Por outro lado, as próprias autoridades locais do
setor de saúde não incluem essas vítimas dentro de um programa capaz de
resgatá-las de suas graves seqüelas.
É um constrangimento enumerar os tipos de prática de tortura existentes.
Cabe-nos, no entanto, afirmar que tais procedimentos não só têm como
meta causar sofrimento físico mais insuportável possível ou a
privação das necessidades mais imediatas, mas, sobretudo, causar
humilhação. A intenção do torturador é sempre a mesma: usar os meios
de tortura como “método” de interrogatório e facilitar a
humilhação.
Os meios mais usados como maus tratos aos detentos são: físicos
(violência efetiva), morais (intimidações, hostilidades, ameaças),
sexuais (cumplicidade com a violência sexual) e omissivos (negligência
de higiene, alimentação e condições ambientais).
Recomendações em periciais de casos de tortura
Recomenda-se que em todos os casos de perícias de alegação ou
presunção de tortura proceda-se sempre da seguinte forma:
1º - Valorizar de maneira incisiva o exame esquelético-tegumentar da
vítima;
2º - Descrever detalhadamente a sede e as características de cada lesão
qualquer que seja o seu tipo e localizá-la precisamente na sua respectiva
região;
3º - Registar em esquemas corporais todas as lesões eventualmente
encontradas;
4º - Detalhar, em todas as lesões, independentemente de seu vulto, a
forma, idade, dimensões, localização e particularidades;
5º - Fotografar todas as lesões e alterações encontradas no exame
externo ou interno, dando ênfase àqueles que se mostram de origem
violenta;
6º - Radiografar, quando possível, todos os segmentos e regiões
agredidos ou suspeitos de violência;
7º - Examinar a vítima de tortura sem a presença dos agentes do
poder.
8º - Trabalhar sempre em equipe.
9º - Examinar à luz do dia.
10º - Usar os meios subsidiários de diagnóstico disponíveis e
indispensáveis, com destaque para o exame toxicológico.
Exame clínico em casos de tortura
Além das lesões esquelético-tegumentares e de suas características que
serão descritas mais adiante para o exame externo do cadáver em casos de
morte por tortura, existe uma série de perturbações psíquicas que
devem ser registradas com certo cuidado, pois elas podem ser confundidas
com sintomas de outras manifestações.
Essas perturbações psíquicas, conhecidas como síndrome pós-tortura,
são caracterizadas por transtornos mentais e de conduta, apresnetand0o
desordens psicossomáticas (cefaléia, pesadelos, insônia, tremores,
desmaios, sudorese e diarréia), desordens afetivas (depressão,
ansiedade, medos e fobias) e desordens comportamentais (isolamento,
irritabilidade, impulsividade, disfunções sexuais e tentativas de
suicídio). O mais grave desta síndrome é a permanente recordação das
torturas, os pesadelos e a recusa fóbica de estímulos que possam trazer
a lembrança dos maus tratos praticados.
Necropsia em morte por tortura
Todas as mortes ocorridas em presídios, notadamente de indivíduos que
faleceram sem assistência médica, no curso de um processo clínico de
evolução atípica ou de morte súbita ou inesperada, devem ser
consideradas a priori como “mortes suspeitas”. Com certeza essas
mortes, especialmente quando súbitas, são as de maior complexidade na
determinação da causa e do mecanismo da morte.
Quando da perícia em casos de morte súbita, onde se evidenciam lesões
orgânicas significativas e incompatibilidade com a continuidade da vida,
além da ausência de lesões ou alterações produzidas por ação
externa, não há o que duvidar de morte natural, melhor chamada de “morte
com antecedentes patológicos” ou de “morte orgânica natural”.
No entanto, se são diagnosticadas lesões orgânicas mas se essas
alterações morfopatológicas não se mostram totalmente suficiente para
explicar a morte, então com certeza estamos diante da situação mais
complexa e difícil da perícia médico-legal, ainda mais quando não
existe qualquer manifestação exógena que se possa atribuir como causa
do óbito.
Pode excepcionalmente ocorrer uma situação em que o indivíduo é
vítima de morte súbita, não tem registro de antecedentes patológicos,
nem lesões orgânicas evidentes na necropsia, além, de não apresentar
manifestações de agressão violenta, registrada por aquilo que se chamou
de “necropsia branca”. Desde que se afaste definitivamente a causa
violenta de morte, tenha-se tomado os cuidados necessários na pesquisa
anatomopatológica, não há o que fugir da morte por causa indeterminada.
Ainda mais se existe os fatores não violentos de inibição sobre
regiões reflexógenas, predisposição constitucional e estados
psíquicos inibidores.
Como última hipótese aquelas situações de morte inesperada onde se
evidenciam lesões e alterações típicas que justificam a morte
violenta.
No primeiro caso, quando da chamada “morte súbita lesional”, onde o
óbito é diagnosticado e explicado de forma segura pela presença de
antecedentes patológicos, isso deve ficar confirmado de maneira clara,
pois dificilmente tal evento deixa de apresentar alguns constrangimentos
pelas insinuações de dúvida e desconfiança.
As causas das chamadas mortes naturais mais comuns são:
cardiocirculatórias (cardiopatias isquêmicas, alterações valvulares,
cardiomiopatias, miocardites, endocardites, alterações congênitas,
anomalias no sistema de condução, roturas de aneurismas, etc.),
respiratórias (broncopneumonias, tuberculose, pneumoconioses, etc.),
digestivas (processos hemorrágicos, enfarte intestinal, pancreatite,
cirrose, etc.), uro-genitais (afecções renais, lesões decorrentes da
gravidez e do parto); encefalomeníngeas (processos hemorrágicos,
tromboembólicos e infecciosos), endócrinas (diabetes), obstétricas
(aborto, gravidez ectópica, infecção puerperal, etc.), entre
outras.
Nas situações de morte súbita sem registro de antecedentes
patológicos, com alterações orgânicas de menor importância e
ausência de manifestações violentas, o caso é ainda mais complexo e
pode ser explicada como “morte súbita funcional com base patológica”.
Exemplo: arritmia cardíaca. Quando isso ocorrer, é importante que se
examine cuidadosamente o local dos fatos, se analise as informações do
serviço médico do presídio ou do médico assistente e se use os meios
subsidiários mais adequados a cada caso, com destaque para o exame
toxicológico.
Mais cuidado ainda se deve ter quando não existe qualquer alteração
orgânica que justifique a morte, nem se encontram manifestações de
ação violenta, mas o indivíduo é portador de alguma perturbação
funcional. Em alguns casos pode-se justificar como “morte súbita
funcional”. Exemplo: a morte pós-crise convulsiva. Nesses casos deve-se
usar de todos os meios complementares disponíveis no sentido de afastar a
morte violenta e, se possível, confirmar a morte natural a partir da
confirmação daquelas perturbações.
Por fim, os casos de morte violenta cuja perícia não deve apenas se
restringir ao diagnóstico da causa da morte e da ação ou do meio
causador, mas também ao estudo do mecanismo e das circunstâncias em que
esse óbito ocorreu, no sentido de se determinar sua causa
jurídica.
Recomenda-se que em tais situações a necropsia seja realizada de forma
completa, metódica, sem pressa, sistemática e ilustrativa, com a
anotação de todos os dados e com a participação de no mínimo outro
legista. Além disso, deve-se usar fotografias, gráficos e esquemas,
assim como os exames complementares necessários.
A. Exame externo do cadáver. Nos casos de morte violenta, em geral, o
exame externo tem muita importância não só para o desfecho do
diagnóstico da causa da morte, como também para se considerar seu
mecanismo, sua etiologia jurídica e as circunstâncias que antecederam o
óbito. Essa é a regra, embora possa em determinada situação soar
diferente. Nas mortes em que se evidencia tortura, sevícias ou outros
meios degradantes, desumanos ou cruéis, os achados analisados no hábito
externo do cadáver são de muita relevância. Os elementos mais
significativos nessa inspeção são:
A.1 –Sinais relativos à identificação do morto. Todos os elementos
antropológicos e antropométricos, como estigmas pessoais e
profissionais, estatura, malformações congênitas e adquiridas, além da
descrição de cicatrizes, tatuagens e das vestes, assim como a coleta de
impressões digitais e de sangue, registro da presença, alteração e
ausência dos dentes e do estudo fotográfico.
A.2 – Sinais relativos às condições do estado de nutrição,
conservação e da compleição física. Tal cuidado tem o sentido não
só de determinar as condições de maus tratos por falta de higiene
corporal higiênicas, mas ainda de constatar a privação de alimentação
e cuidados. Essas manifestações encontradas no detento podem confirmar a
privação de alimentos.
A.3 – Sinais relativos aos fenômenos cadavéricos. Devem ser anotados
todos os fenômenos cadavéricos abióticos consecutivos e
transformativos, como rigidez cadavérica, livores hipostáticos,
temperatura retal e as manifestações imediatas ou tardias da
putrefação.
A.4 - Sinais relativos ao tempo aproximado de morte. Todos os sinais acima
referidos devem ser registrados num contexto que possam orientar a
perícia para uma avaliação do tempo aproximado de morte, pois tal
interesse pode resultar útil diante de certas circunstâncias de
morte.
A.5 – Sinais relativos ao meio ou às condições onde o cadáver se
encontrava. Estes são elementos muito importantes quando presentes, pois
assim é possível saber se o indivíduo foi levado em vida para outro
local e depois transportado para a cela onde foi achado, como por exemplo,
presidiários que morreram em “sessões de afogamento” fora da cela
carcerária.
A.6 – Sinais relativos à causa da morte. Mesmo que se considere ser o
diagnóstico da causa da morte o resultado do estudo externo e interno da
necropsia, podemos afirmar que no caso das mortes por tortura o exame
externo do cadáver apresenta um significado especial pela evidência das
lesões sofridas de forma violenta. Assim, devemos considerar:
A.6.1 – Lesões traumáticas. É muito importante que as lesões
esquelético-tegumentares, que são as mais freqüentes e mais visíveis,
sejam valorizadas e descritas de forma correta, pois na maioria das vezes,
em casos dessa espécie, elas contribuem de forma eloqüente para o
diagnóstico da morte e as circunstâncias em que ela ocorreu.
No estudo das lesões externas do cadáver em casos de morte por tortura
deve-se valorizar as seguintes características: multiplicidade,
diversidade, diversidade de idade, forma, natureza etiológica, falta de
cuidados e local de predileção.
Quanto a sua natureza, as lesões podem se apresentar com as seguintes
características:
a) Equimoses e hematomas são as lesões mais comuns, localizando-se mais
comumente na face, tronco, extremidades e bolsa escrotal, apresentando
processos evolutivos de cronologia diferente, pelas as agressões
repetidas em épocas diversas;
b) Escoriações generalizadas, também de idades diferentes, mais
encontradas na face, nos cotovelos, joelhos, tornozelos e demais partes
proeminentes do corpo;
c) Edemas por constrição nos punhos e tornozelos, por compressão
vascular, em face da ectasia sangüínea e linfática;
d) Feridas, na maioria contusas, nas diversas regiões, com predileção
pelo rosto (supercílios e lábios)¸ também de evolução distinta pelas
épocas diferentes de sua produção, e quase sempre infectadas pela falta
de higiene e assistência;
e) Queimaduras, principalmente de cigarros acesos no dorso, no tórax e no
ventre, ou outras formas de queimaduras, as quais quando bilaterais têm
maior evidência de mau trato, sendo quase sempre infectadas pela falta de
cuidados. As lesões produzidas por substâncias cáusticas são muito
raras devido seu aspecto denunciador;
f) Fraturas dos ossos próprios do nariz que, após sucessivos traumas,
podem produzir o chamado “nariz de boxeador”, quase sempre acompanhado
de fratura do tabique nasal, com hematoma bilateral ao nível do espaço
subcondral, além das fraturas de costelas e de alguns ossos longos das
extremidades, sendo mais rara a fratura dos ossos da coluna e da
pélvis;
g) Alopécias com zonas hemorrágicas difusas do couro cabeludo pelo
arrancamento de tufos de cabelo;
h) Edemas e ferimentos das regiões palmares e fraturas dos dedos pelo uso
de palmatória;
i) Lesões oculares que vão desde as retinopatias e cristalinopatias até
as roturas oculares com esvaziamento do humor vítreo e cegueira
consecutiva;
j) Lesões otológicas como rotura dos tímpanos e otorragia provocadas
por uma agressão de nome “telefone”;
l) Fraturas e avulsões dentárias por traumatismos faciais;
m) Sinais de abuso sexual de outros presidiários como manobra de tortura
e humilhação da própria administração carcerária;
n) Lesões eletroespecíficas produzidas pela eletricidade industrial,
como técnica de tortura utilizada para obtenção de confissões, sempre
em regiões ou órgãos sensíveis, como os genitais, o reto e a boca; ou
pelo uso de uma cadeira com assento de zinco ou alumínio conhecida como
“cadeira do dragão”. Aquelas lesões são reconhecidas como “marca
elétrica de Jellineck”, na maioria das vezes macroscopicamente
insignificante e podendo ter como características a forma do condutor
causador da lesão, tonalidade branco-amarelada, forma circular, elítica
ou estrelada, consistência endurecida, bordas altas, leito deprimido,
fixa, indolor, asséptica e de fácil cicatrização. Tudo faz crer que
esta lesão é acompanhada de um processo de desidratação, podendo se
apresentar nas seguintes configurações: estado poroso (inúmeros
alvéolos irregulares, juntos uns aos outros, com uma imagem de favo de
mel), estado anfractuoso (tem um aspecto parecido com o anterior, mas com
alvéolos maiores e tabiques rotos) e estado cavitário (em forma de
cratera com apreciável quantidade de tecido carbonizado). As lesões
eletroespecíficas (marca elétrica de Jellinek) não são muito
diferentes das lesões produzidas em “sessões de choque elétrico”, a
não ser o fato destas últimas não apresentarem os depósitos metálicos
face os cuidados de não se deixar vestígios. Todas essas lesões são de
difíceis diagnóstico quanto à idade, podendo-se dizer apenas se são
recentes ou antigas, mesmo através de estudo histo-patológico
o) Lesões produzidas em ambientes de baixíssima temperatura conhecidos
como “geladeira”, podendo ocorrer inclusive gangrena das extremidades
;
p) Lesões decorrentes de avitaminoses e desnutrição em face de omissão
de alimentos e por falta de cuidados adequados e de higiene
corporal;
q) Lesões produzidas por insetos e roedores.
A.6.2 – Processos patológicos naturais. Embora aparentemente de
interesse mais anatomopatológico, esses achados podem oferecer respostas
para o diagnóstico de causa mortis e de algumas circunstâncias, como
também ajudar a compreender algumas manifestações quando do exame
interno do cadáver, como: desnutrição, edemas, escaras de decúbito,
conjuntivas ictéricas, processos infecciosos agudos ou crônicos, lesões
dos órgãos genitais, entre tantos.
B. Exame interno do cadáver. Alguns chamam essa fase da perícia como a
necropsia propriamente dita, mas já dissemos que há ocasiões ou tipos
de morte onde o exame externo tem uma contribuição muito valiosa.
Aqui também o exame deve ser metódico, sistemático, sem pressa, com o
registro de todos os achados e, como se opera em cavidade, deve-se
trabalhar à luz do dia, sem as inconveniências da luz artificial. Todos
os segmentos e cavidades devem ser explorados: cabeça, pescoço, tórax e
abdome, coluna e extremidades, com destaque em alguns casos para os
genitais.
As lesões internas mais comuns em casos de morte por tortura são:
B.1 – lesões cranianas: a) hematomas sub ou extradural não são raros
em sevícias com traumatismos de cabeça; b) hemorragias meningeas; c)
meningite; lesões encefálicas; micro-hemorragia cerebral.
B.2 – Lesões cervicais: a) infiltração hemorrágica da tela
subcutânea e da musculatura; b) lesões internas e externas dos vasos do
pescoço; c) fraturas do osso hióide, da traquéia e das cartilagens
tireóide e cricóide; d) lesões crônicas da laringe e da traquéia por
tentativas de esganadura e estrangulamento.
B.3 – lesões tóraco-abdominais: a) hemo e pneumotórax traumático; b)
manifestações de afogamento como presença de líquido na árvore
respiratória, nos pulmões, no estômago e primeira porção do duodeno,
além dos sinais clássicos como enfisema aquoso subpleural e as manchas
de Paltauf, em face de imersão do indivíduo algemado em tanques de água
em processo chamado “banho chinês” ou introdução de tubos de
borracha na boca com jato de água de pressão, devendo-se valorizar o
conteúdo do estômago e dos intestinos; c) manifestações de asfixia,
micro-hemorragias do assoalho do 3º e 4º ventrículo, edema dos
pulmões, cavidades cardíacas distendidas e cheias de sangue, presença
de lesões eletroespecíficas e ausência de outras lesões, falam em
favor de morte por eletricidade industrial, mesmo que se diga não existir
um quadro anatomopatológico típico de morte por eletricidade; d) roturas
do fígado, do baço, do pâncreas, dos rins, estômago e dos intestinos;
e) desgarramento dos ligamentos suspensores do fígado; f) hemo e
pneumoperitônio; g) rotura do mesentério.
B.4 – lesões raquimedulares: a) fraturas e luxações de vértebras; b)
lesões medulares.
LEI Nº 9.455, DE 7 DE ABRIL DE 1997
Define os crimes de tortura e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte
Lei:
Artigo 1º - Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça,
causando-lhe sofrimento físico ou mental; a) com o fim de obter
informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de
discriminação racial ou religiosa.
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como
forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena: reclusão, de dois a oito anos.
§1º- Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida
de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática
de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
§2º - Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever
de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro
anos.
§3º -Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena
é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de
oito a dezesseis anos.
§4º - Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I - se o crime é cometido por agente público; II - se o crime é
cometido contra criança, gestante, deficiente e adolescente; III - se o
crime é cometido mediante seqüestro.
§5º - A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego
público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena
aplicada.
§6º - O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou
anistia.
§7º - O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do
§2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.
Artigo 2º - O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não
tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou
encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.
Artigo 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Artigo 4º - Revoga-se o art. 233 da Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990
- Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Brasília, 7 de Abril de 1997; 176º da Independência e 109º da
República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Nelson A. Jobim
Textos & R
eflexões sobre a Tortura
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